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"Multada e descadastrada" pelo Ibama em março, Engevix segue fazendo estudos ambientais, como o da hidrelétrica do Baixo Iguaçu, às margens de Parque Nacional.

Lorenzo Aldé ·
4 de setembro de 2005 · 20 anos atrás

Bem que a ministra Dilma Rousseff dizia, ainda à frente das Minas e Energia, que esse negócio de estudo de impacto ambiental pode paralisar a economia do país. Veja-se o caso da Engevix.

Se fosse feita a vontade do presidente do Ibama, a empresa de engenharia responsável pelo levantamento ambiental mais equivocado da história recente do país estaria excluída do Cadastro Técnico Federal. Sem poder prestar serviços a nenhuma obra potencialmente poluidora, a Engevix veria ameaçados recursos da ordem de 180 milhões de dólares, isso contando apenas seus 20 principais projetos em andamento. Some-se a participação acionária da Desenvix, sua holding de investimentos, em diversas hidrelétricas, e tem-se a noção do risco econômico de prejudicar uma empresa desse porte.

Agora ocupante da Casa Civil, Dilma deve estar mexendo seus pauzinhos para evitar que questões ambientais tirem a Engevix do rentável mercado energético brasileiro, que não pára de crescer. Caso contrário, como se explica que, exatos 165 dias depois de declarar oficialmente que a Engevix foi multada em 10 milhões de reais e o Ibama cassou seu registro no Cadastro Técnico Federal, “o que impossibilita a empresa de elaborar estudos ambientais para novos empreendimentos”, o presidente do Ibama, Marcus Barros, continue aguardando que a notícia se torne realidade?

A empresa que não viu os mais de 4 mil hectares de Mata Atlântica primária com araucárias em Barra Grande continua em plena atividade. Acaba de apresentar um novo estudo de impacto ambiental e seu respectivo relatório (Eia-Rima) para a construção de uma hidrelétrica em local bastante delicado: os limites do Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná. Pelo projeto, a represa no rio Iguaçu que criará um reservatório de 35 km² para a produção 350 MW, está a apenas 600 metros do Parque. Distância pequena o suficiente para justificar uma preocupação com o impacto ambiental da obra no Parque Nacional.

O Eia-Rima está pronto, mas até agora não chegou às mãos do Ibama federal. Parou no Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão responsável por licenciar obras de impacto local. Aparentemente, o estudo não ouviu o Parque Nacional nem levou em conta seu plano de manejo para saber se pode haver impacto na área protegida pela União. João Batista Cahuê Flores, responsável pela área ambiental da Engevix, concorda que a competência pelo entorno do Parque é federal, mas segundo ele quem tem que se pronunciar sobre isso é o Ibama. “Até onde eu sei, o Ibama vai participar do licenciamento junto com o IAP. A idéia é que houvesse uma Comissão. Não sei como evoluiu”, declarou, sem dar detalhes sobre o estudo.

Já o diretor de Licenciamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Luiz Felipe Kunz, diz que espera do órgão estadual informações sobre o possível impacto da obra no Parque Nacional. Em caso positivo, “a Diretoria de Ecossistemas vai se manifestar”.

Na hipótese de que o Parque Nacional do Iguaçu, reconhecido como um modelo de gestão ambiental, esteja a salvo da ameaça, e mesmo que desta vez a Engevix tenha produzido um análise tecnicamente impecável, continua a dúvida: por que a empresa continua operando na área ambiental?

“Recebemos uma notificação que sujeitava a Engevix a suspensão do Cadastro Técnico Federal e multa. Mas recorremos. Enquanto isso, impedir a empresa de realizar projetos na área seria pré-julgar”, argumenta Cahuê Flores, que não sabe informar em que estágio se encontra o processo de punição que tramita no Ibama desde março. A assessoria do MMA também não obteve esta resposta na sexta-feira, 2 de setembro. Mas aproveitou para informar que aquela notícia divulgada pelo ministério há mais de cinco meses, de que a Engevix já estava cassada e multada, foi desmentida em nota, logo depois. O desmetindo foi mais discreto que o anúncio de punição.

A Engevix não está portanto ilegal ao receber 5,7 milhões de dólares pelo Eia-Rima do Baixo Iguaçu. Segue também livre de constrangimentos para participar de projetos importantes como a ampliação de Tucuruí (PA), o complexo de três hidrelétricas de Rio das Antas (RS), a hidrelétrica de Campos Novos (SC) — que também tem problemas ambientais — e as usinas de Pedra Branca e Riacho Seco, no rio São Francisco. Até em projeto para hidrelétrica estrangeira a Engevix está envolvida: em La Vueltosa, na Venezuela.

Supondo que o Ibama tenha dificuldades para tirar de cena “a líder do mercado” de projetos ambientais para hidrelétricas, resta torcer pelo efeito-acareação. Na semana ada, o presidente da Engevix, Cristiano Kok, argumentou, em audiência pública no Congresso sobre o caso Barra Grande, que a empresa fez apenas um estudo inicial. Jogou toda a responsabilidade pelo gigantesco estrago ambiental causado para o consórcio de empreiteiras Baesa, que construiu a usina. Por sua vez, a Baesa já disse e repetiu que a culpa é da Engevix. O fogo cruzado pode ser útil para revelar a série de tropeços das duas empresas. E que entre mortos e feridos salve-se, daqui para frente, a natureza.

  • Lorenzo Aldé 406z1d

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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