É na beira da praia, diante de gaivotões, que começa a jornada do livro “Aves no Sesc Bertioga: do mar à serra”, do ornitólogo Fabio Schunck. Das aves marinhas do litoral paulista, o livro – parte guia, parte história – adentra o continente rumo ao paredão da Serra do Mar, cruza manguezais, acompanha o rio Itapanhaú e vê a floresta engrossar à medida que sobe a montanha. Nessa jornada, am trinta-réis, garças, papagaios, beija-flores, pica-paus, tangarás e tantos outros. Ao todo, o livro recém-lançado traz 360 espécies de aves que mostram a diversidade e o potencial do turismo de observação da fauna em Bertioga.
Cada uma das espécies é apresentada em uma ficha técnica com informações como tamanho, peso, se a espécie é ameaçada ou não, se é migratória e se há diferenças entre macho e fêmea, além de uma descrição sobre o tipo de ambiente em que vivem, sua distribuição no Brasil e comportamentos comuns. Além de fotos, as vocalizações de algumas aves também estão disponíveis em áudio com o via QR code. Ao final, uma tabela compila todas as espécies registradas.
Com mais de 300 páginas, o livro é a materialização de um esforço científico que já dura mais de três décadas por meio do Projeto Avifauna, criado em 1993 pelo Sesc Bertioga. “Quando você tem um local com 30 anos de coleta de dados feita de forma contínua, esse local ganha relevância por ter uma biodiversidade mais bem mapeada e um conhecimento mais sólido. Cientificamente, isso é muito importante”, destaca o ornitólogo Fabio Schunck, autor do livro, lançado dia 8 de maio em evento no Sesc Bertioga.
Entre os destaques do livro está a documentação do retorno do guará (Eudocimus ruber) aos manguezais de Bertioga. Essa ave de coloração vermelha vibrante chegou a ser considerada praticamente extinta nas regiões Sul e Sudeste, mas aos poucos vem recolonizando seu antigo habitat e está de volta ao município paulista.
O guará não é a única boa notícia do livro. O registro do raro e ameaçado apuim-de-costas-pretas (Touit melanonotus), que ocorre apenas na Mata Atlântica, foi uma grata surpresa, compartilha o ornitólogo. Assim como a choquinha-pequena (Myrmotherula minor), igualmente ameaçada e exclusiva do bioma.

Outro encontro inesperado foi com a saíra-de-chapéu-preto (Nemosia pileata), que apesar de ocorrer amplamente no Brasil, originalmente concentrava-se no interior do País, conta Fabio. “E com o aumento do desmatamento, nós agora estamos registrando essa espécie em áreas de Mata Atlântica úmida, que era algo que não ocorria. E nós registramos a espécie em Bertioga, foi uma surpresa”, detalha o ornitólogo, que acredita que a saíra veio para ficar no bioma.
Para fazer o levantamento, Fabio e a equipe do Sesc Bertioga aram 96 dias em campo. O trabalho foi produzido entre 2021 e 2022, em diferentes épocas do ano, com atenção para espécies migratórias, como o falcão-peregrino (Falco peregrinus), que faz a rota entre as Américas do Norte e do Sul e pode ser encontrado no Brasil apenas entre setembro e março.
As expedições incluíam, obviamente, as noites, para documentar aves como a coruja-orelhuda (Asio clamator) ou o urutau (Nyctibius griseus).
Ao todo, a expedição documentou 302 espécies de aves. As outras 58 apresentadas no livro são frutos de levantamentos anteriores.
O material coletado na expedição, feito com a metodologia de contagem de aves por área de estudo, permite ainda que você monitore a riqueza de espécies no local e identifique eventuais alterações, o que pode ser fundamental diante de impactos muitas vezes invisíveis das mudanças climáticas, explica Fabio. “É uma referência técnico-científica para Bertioga”, completa o pesquisador.

Esse é o terceiro livro já publicado pelo projeto. Nos dois primeiros, lançados em 2004 e 2012, foram documentadas 84 e 134 espécies, respectivamente. O número maior de aves na nova edição é fruto de um esforço amostral proporcionalmente maior que contemplou todas as cinco áreas do Sesc no município, que somam 367,5 hectares de Mata Atlântica protegidas pela organização.
Uma das áreas é a Reserva Sesc Bertioga, espaço natural protegido pelo Sesc e aberto a visitação. Na Trilha do Sentir, caminho suspenso e com recursos de ibilidade para pessoas com deficiência e cadeirantes, são 960 metros de percurso, por onde é possível ter um gostinho da diversidade de aves, como o pica-pau-de-cabeça-amarela (Celeus flavescens), o barulhento teque-teque (Todirostrum poliocephalum) ou, se for seu dia de sorte, um gavião-pato (Spizaetus melanoleucus).
Potencial para observação de aves 3g3ho
A menos de duas horas da capital paulista e com uma diversidade de ambientes que inclui áreas litorâneas, manguezais, restingas e florestas que sobem até o topo da Serra do Mar, o município de Bertioga se apresenta como um destino em potencial para observação de aves, aposta Fabio Schunck.
“O município de Bertioga está numa localização geográfica muito privilegiada, próximo de São Paulo, com aeroporto e tudo mais, e biologicamente está bem localizada também. Está na Serra do Mar, com restinga, manguezal, um mosaico de ambientes e um número alto de espécies”, destaca o ornitólogo.

Criado a partir do Projeto Avifauna, o Clube de Observadores de Aves de Bertioga (Coab) é uma primeira semente que já germina no município, envolvendo moradores e oferecendo eios para os próprios hóspedes do Hotel Sesc Bertioga.
“O turismo de observação de aves já é uma realidade em Bertioga, mas ainda é menos comum do que em outros locais do Estado de São Paulo. Mas acho que isso é uma questão de tempo. A tendência é as pessoas conhecerem e começarem a frequentar. E que isso motive a formação de novos guias de observação de aves”, resume o autor do livro.
A repórter de ((o))eco acompanhou o evento de lançamento do livro, realizado no dia 8 de maio, no Sesc Bertioga, no município de Bertioga (SP), a convite do Sesc.
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