O Senado Federal aprovou, na noite desta quarta-feira (21), por 54 votos a 13, o projeto de lei que flexibiliza radicalmente o licenciamento ambiental no País. Posicionamento do Ministério do Meio Ambiente é de que a norma viola a Constituição Federal. Uma área maior do que o território da Grécia fica imediatamente sob ameaça de desmatamento, alertam organizações da sociedade civil.
A votação do Projeto de Lei nº 2159/21 só foi possível após insistência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Prevista para ser iniciada às 14h, ela só começou de fato a ser analisada depois das 18h, após Alcolumbre convocar de forma recorrente a presença dos senadores no plenário. Agora, o texto será encaminhado para segunda apreciação pela Câmara dos Deputados, de onde é originário.
Ao longo da tarde, Alcolumbre repetiu o discurso, alinhado à ala ruralista do Congresso, de que o licenciamento ambiental em vigor atualmente “atravanca o desenvolvimento do Brasil”.
“É empenho desta presidência deliberar este assunto, este projeto de lei. Entendendo a necessidade e compreendendo o ponto de vista até dos contrários, mas vamos saber se a ampla maioria deseja ou não ajudar o Brasil a se desenvolver”, disse o presidente do Senado, antes da votação.
No final da tarde, o Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas chegou a publicar uma nota afirmando que o PL representa “desestruturação significativa” do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social em território brasileiro.
O ministério também destacou em sua manifestação que a norma afronta diretamente a Constituição Federal, que no Artigo 225 garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
“A proposta terá impacto negativo para a gestão socioambiental, além de provocar, possivelmente, altos índices de judicialização, o que tornará o processo de licenciamento ambiental mais moroso e oneroso para a sociedade e para o Estado brasileiro”, argumentou o MMA na nota.
Em seu discurso, a relatora da matéria no plenário, senadora Teresa Cristina (PP-MS), disse que as declarações de que a norma enfraquece o licenciamento ambiental são “narrativas ideológicas de pura má fé”.
“Hoje é um dia muito especial, vamos enfim votar o novo marco do licenciamento ambiental. (…) vamos poder licenciar com mais clareza, eficiência e justiça. (…) Não é mais possível conviver com esse ambiente caótico, nós não podemos mais travar o desenvolvimento nacional”, pontuou a parlamentar.
Enxurrada de emendas 312045
O Projeto de Lei (PL) 2159/21 recebeu várias emendas de última hora, 45 delas somente nesta quarta-feira. Uma delas foi adicionada pelo próprio presidente da Casa: cria uma modalidade de “Licença Ambiental Especial” e dá à autoridade licenciadora o poder de decidir a prioridade na avaliação de atividades ou empreendimentos considerados estratégicos.
Segundo a rede de organizações do Observatório do Clima, a emenda – incorporada ao texto final do relatório da senadora Tereza Cristina com pequenas modificações – desestrutura o processo de licenciamento ao submeter o sistema de análise a pressões e interesses políticos, inclusive com prejuízo aos empreendedores que entraram com pedido de licenciamento anterior.
“Significa que as análises ficam à mercê das vontades políticas e prejudicam aqueles que estão na fila para terem seus processos analisados. Ainda enfraquece o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente), ao o que o Conselho de Governo irá ditar a formulação de política nacional e diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais”, publicou o Observatório.
Segundo Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), “a técnica de inserir ‘jabutis’ em projetos de lei é fato conhecido no Brasil, mas no presente caso inseriram uma manada. A resolução para os gargalos históricos do licenciamento, decorrente de falta de pessoal e de estrutura dos órgãos ambientais, foi resolvida da forma mais simples: medidas para banir regras, para simplificar e prover meios rápidos de autolicenciamento”.
Além disso, diz Bocuhy, “a proposta da Lei Geral do Licenciamento Ambiental transborda inconstitucionalidade. Mina o princípio da gestão participativa, da participação social, ao excluir do rito a obrigatoriedade de licenciamento participativo em empreendimentos impactantes que afetarão comunidades e o meio ambiente. De outro lado, a simplificação do rito de licenciamento irá desconsiderar os aspectos sinérgicos e cumulativos de empreendimentos colocalizados, sem percepção prévia dos impactos que serão gerados”.
Tramitação 2b4w7
A versão original da Lei Geral do Licenciamento tramita no Congresso há 21 anos. Segundo organizações da sociedade civil, o texto original não era negativo, mas, ao longo dos anos, foi sofrendo modificações que podem fragilizar o processo de licenciamento ambiental no País.
Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a proposta avançou na Câmara, onde estava parada, tendo sido aprovada em maio de 2021 pelos deputados, sob o número PL 3729/04.
No Senado, a proposta foi analisada ao mesmo tempo, na terça-feira (20), nas comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Meio Ambiente (CMA).
Os relatores das comissões, respectivamente, Tereza Cristina (PP-MS) e Confúcio Moura (MDB-RO), emitiram um texto comum para a proposta. A costura entre os relatores e a pressão da bancada ruralista agilizou o envio ao Plenário, com apreciação em regime de urgência.
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O texto aprovado hoje no Senado traz mudanças significativas nas regras atuais do licenciamento que, na prática, enfraquecem a proteção a indígenas, quilombolas e unidades de conservação, criam amplas possibilidades de procedimentos autodeclaratórios, de dispensa de licenciamento e de renovações automáticas, minimizam condicionantes ambientais e abrem possibilidade para que estados e municípios possam definir, sem coordenação nacional, as atividades que devem – e, principalmente, que não devem – ar por licenciamento ambiental.
Análise realizada pelo Instituto Socioambiental conclui que a aprovação da norma “resultará no aumento do desmatamento e degradação ambiental nas áreas protegidas em níveis que impedirão o Brasil de cumprir suas metas assumidas em acordos internacionais relacionados ao combate ao desmatamento e proteção da biodiversidade”.
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