Reportagens

Exterminadoras do futuro 2csz

Liberação do uso de sementes estéreis é tema quente na COP-8. Mobiliza ongs, governos e indústria. E envolve outra questão polêmica: as árvores transgênicas.

Carolina Elia ·
22 de março de 2006 · 19 anos atrás

Em corredores, crachás e portas da COP-8 ( a oitava conferência das partes da Convenção sobre Diversidade Biológica – a CDB)   figura a morte. Ela foi colocada lá pela sociedade civil organizada como garota-propaganda da campanha contra o “terminator”, a última invenção da biogenética com o poder de produzir sementes estéreis. A novidade é vendida pelas multinacionais produtoras de sementes como a peça que faltava para a liberação dos transgênicos. Se as plantações geneticamente modificadas produzirem sementes estéreis, a contaminação de cultivos tradicionais será impossível, argumentam.

Mas como sintetizou a geneticista alemã Ricarda Steinbrecher, que se alinha aos que desejam banir os terminators, nada é tão simples quando se trata de engenharia genética. A técnica que está sendo testada publicamente em estufas nos Estados Unidos pertencentes à companhia Delta & Pine Land é baseada na inibição química, ou por outro fator, dos genes responsáveis pela germinação da semente. O problema, explica Steinbrecher, é que genes falham. Não se pode vender essa tecnologia como 100% “biossegura” se ela for baseada no pleno funcionamento de um gene inibidor. Para ela, o melhor caminho seria eliminar os genes responsáveis pela reprodução. O que, na prática, também não é simples.

No momento a tecnologia está no purgatório da Convenção de Diversidade Biológica. Na COP-5, em 2000, foi imposta uma moratória sobre a comercialização e teste de terminator em campos abertos até se obter maior conhecimento, e consenso, sobre os benefícios e reais riscos de se liberar a plantio de sementes estéreis. A pressão a favor é crescente. Ano ado, em uma reunião na Ilha de Granada específica sobre o artigo 8J da Convenção — que regulamenta o o a recursos genéticos e a repartição de benefícios gerados por eles — foi aprovado um texto interpretado como ambíguo e a favor de experiências com terminators em campos abertos. O texto, que precisa ser ratificado na COP-8, propõe que autorizações para testes com sementes estéreis sejam dadas pelas autoridades responsáveis por biossegurança em cada país e que sejam analisadas caso a caso. Na leitura dos opositores à tecnologia, caixão a caixão.

Árvores transgênicas

O mais novo aliado dos terminators, ou gurts (sigla em inglês para tecnologia genética de uso ) nasceu na floresta. Ou melhor, na ausência dela. A tecnologia das sementes estéreis é apontada por engenheiros florestais e investidores do setor como a melhor forma de se aplicar a política da boa vizinhança a outro temido frankenstein: as árvores transgênicas.

Essas já estão por aí. Só na China, estima-se que nos últimos quatro anos foram plantados mais de 1 milhão de espécimes da versão transgênica da Populus nigra. Uma árvore que recebeu em laboratório o gene Bt para se tornar mais resistente a insetos que atacam as folhas.

Esse tipo de transgenia chegou pela primeira vez aos campos abertos do planeta na Bélgica, em 1988, e foi largamente estudado nos Estados Unidos. Mas enquanto os europeus e americanos resolveram seguir o princípio da precaução e adotar medidas restritivas à comercialização de árvores transgênicas, os chineses arcaram com as conseqüências para tentar frear a desertificação do país. A industrialização a galope levou à liquidação das florestas nacionais, o que refletiu em enchentes e na expansão do deserto de Gobi. Como antídoto, o governo investiu pesado em reflorestamento com poucos tipos de espécies, mas de repente viu sua muralha verde ser carcomida por insetos. Abriam-se as portas para as árvores transgênicas. E hoje já se testa a tecnologia com finalidade comercial em diversos países, incluindo o Brasil.

As vantagens da tecnologia seguem a lógica econômica: as árvores crescem mais rápido, têm mais biomassa, maior poder de combustão, maior capacidade de seqüestrar carbono. Isoladas são fantásticas, até mesmo do ponto de vista ambiental. Mas, em campo, teme-se por uma catástrofe.

A dispersão dos genes dessas árvores promovida pelo vento ou por insetos pode levar ao cruzamento com espécies similares selvagens e à contaminação de florestas nativas. O que poderia acarretar no surgimento de espécies semi-invasoras ou no distúrbio do equilíbrio ecológico. Insetos e animais que se hospedam ou se alimentam das árvores poderiam ser contaminados. Estudos mostram que borboletas e mariposas são sensíveis à toxina Bt. Em caso de morte em grande escala, os pássaros que se alimentam delas seriam afetados e, conseqüentemente, toda uma cadeia alimentar. Pesquisas também mostram que a saúde humana pode ser afetada, já que a toxina Bt tem características alérgicas e estaria presente no pólen das árvores.

No site da Fundação David Suzuki, uma das principais opositoras a modificações genéticas em árvores, argumenta-se que espécimes “programados” para crescer mais rápido podem absorver nutrientes e água num ritmo igualmente acelerado e assim comprometer a produtividade do solo. E plantas geneticamente alteradas para produzir menos lignina podem perder proteção contra o frio e morrerem mais cedo. O longo tempo de vida das árvores é um outro contratempo às certezas da tecnologia.

Em um fórum promovido em 2004 pela Duke University, nos Estados Unidos, sobre o futuro das árvores transgênicas, cientistas concordaram que é impossível evitar que genes desse tipo de árvore se espalhem por ecossistemas vizinhos através da polinização promovida por insetos ou até mesmo pelo vento. Há controvérsias, e incógnitas, sobre os danos provocados pela dispersão ao meio ambiente, mas uma maneira de evitar maiores problemas seria o desenvolvimento de árvores estéreis.

O ciclo se fecha e o argumento dos ambientalistas e cientistas mais cautelosos permanece o mesmo. Não há como garantir a esterilidade das sementes. Em se tratando de natureza, o instinto de sobrevivência e de evolução pode levar as plantas a debelarem os genes impostos pela tecnologia terminator para cumprirem o seu objetivo primordial: a perpetuação da espécie.

Nesta terça-feira, na COP-8, em Curitiba, o governo brasileiro se posicionou contrário à liberação do terminator. Semana ada, o Parlamento Europeu instruiu a delegação européia a também se opor à liberação da tecnologia e à aprovação do Artigo 8J conforme proposto em Granada. Entre os países que apóiam a comercialização das sementes estéreis estão Austrália e Nova Zelândia. Os Estados Unidos não participam oficialmente da Convenção, mas enviaram observadores que, segundo ativistas da ong Ban Terminator, fazem lobby junto aos governos para afrouxarem a moratória. Representantes das principais companhias de sementes também participam das negociações. Só a delegação brasileira é composta por 19 integrantes do setor de biotecnologia.

  • Carolina Elia 5l3b

Leia também 84q8

Análises
5 de junho de 2025

Greenwashing e os desafios da restauração ecológica e da Sustentabilidade Corporativa 3q21o

Exigências de métodos auditáveis, indicadores científicos confiáveis e certificações rigorosas precisaram ser implantadas, o que tornará imperativo que as empresas adotem práticas socioambientais verdadeiras e eficazes

Notícias
5 de junho de 2025

Governo cria três novas unidades de conservação na Mata Atlântica 2b5l3n

Criação da APA da Foz do Rio Doce e de duas reservas de desenvolvimento sustentável no Paraná somam mais de 47 mil hectares de novas áreas protegidas no bioma

Reportagens
5 de junho de 2025

Como as unidades de conservação podem resistir à crise climática? 512p5g

Projeto observa também a segurança de populações tradicionais e outras pessoas vivendo dentro ou ao redor dessas áreas

Mais de ((o))eco 6q6w3q

aves 5q1863

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 4o4w5q

Salada Verde

Plataforma aborda tráfico de animais em três países 4m829

Reportagens

O atobá quarentão que uniu gerações de pesquisadores 184h6e

Salada Verde

As incríveis revoadas de guarás no litoral paranaense 156fz

desmatamento 4y695i

Colunas

O segredo mais bem guardado da política climática brasileira 433a2j

Notícias

Iniciativa quer formar 1000 líderes pelo desmatamento zero no Brasil até 2030 55k4j

Reportagens

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 4h422r

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI n6j56

política ambiental 6v2p2j

Notícias

Governo cria três novas unidades de conservação na Mata Atlântica 2b5l3n

Reportagens

O adeus de Niède Guidon, a matriarca da Serra da Capivara 281z1u

Reportagens

Niède Guidon, a gigante da conservação e da pesquisa 2r3p24

Colunas

Verão em Realengo  6i1i14

mudanças climáticas 1j5e1m

Reportagens

Como as unidades de conservação podem resistir à crise climática? 512p5g

Colunas

O segredo mais bem guardado da política climática brasileira 433a2j

Colunas

Verão em Realengo  6i1i14

Salada Verde

Países do BRICS querem US$ 1,3 tri para financiar ações climáticas 1m2a3j

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.