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No limite do calcário 3t601v

Uma das regiões mais pobres de São Paulo abriga Mata Atlântica, cavernas milenares, e muito calcário. Entre as riquezas naturais ganha atenção só a que sobe nas cotações do mercado.

Gabriela Machado André ·
22 de outubro de 2007 · 18 anos atrás

No sudoeste de São Paulo, resistem o maior remanescente de Mata Atlântica do país e uma província espeleológica com centenas de cavernas. Mas o verdadeiro atrativo da região é o “filé” da reserva de calcário nacional, localizado exatamente embaixo das outras preciosidades naturais. A maior parte do cobiçado mineral está situada dentro do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), e na zona de amortecimento do Parque Estadual de Intervales (PEI). A pressão das mineradoras se soma aos impactos de outras irregularidades na região do parque e estão criando uma pegada de degradação cada vez mais difícil de reverter..

A mineração é assunto antigo no Continuum Ecológico de Paranapiacaba, que abrange dez municípios e quatro parques estaduais. Presente desde o século XVI, a exploração mineral começou com o ouro de aluvião na cidade de Iporanga. Seguiu-se o ouro primário em Apiaí no século XIX, a prata, o chumbo e o zinco, que tiveram grande saída até os anos 90. Mas já a partir de 60, a procura pelo calcário começou a crescer. Até hoje dentro do PETAR, duas áreas de lavra, concedidas antes da instituição do Parque, em 1958, são “veladas” por duas famílias. As ocupações irregulares foram instaladas a mando dos empreendedores, hoje cerceados pelas leis ambientais.

De acordo com o monitor ambiental Francisco Ferreira, as áreas pertencem às empresas de calcário Depetris e Pellizari, que, desativadas à mais de quinze anos deveriam ter sido desapropriadas e indenizadas pelo governo estadual. Mas, segundo Francisco as mineradoras continuaram, à revelia da regularidade, “marcando território” para reaverem seus direitos de exploração. Fornos e maquinários tomados pela ferrugem permanecem nos antigos locais de trabalho, e as duas pedreiras que somam quase sete hectares, reforçam o ar de abandono.

Outro ponto de pressão, de acordo com Francisco, é a existência de poligonais do Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM), dentro do PETAR. Essas demarcações, de uma maneira geral, constituem áreas de solicitação para pesquisas minerais, e são identificadas pelos interessados através de mapas, no site do orgão. Se o pedido tiver aprovação, após três anos de pesquisa ativa no local, uma concessão de lavra pode ser requerida. No caso do PETAR, o diretor geral do DNPM, João César Pinheiro, diz que as demarcações visíveis são relativas a direitos de lavra adquiridos antes da criação do Parque, mas afirma que juridicamente a ameça de exploração existe :

“Dependendo da data de requerimento da área, o proprietário, tem o direito como cidadão, de retomar a exploração. O DNPM não pode interferir nisso, pois é um assunto pendente entre o governo do estado e a mineradora”. A Secretaria de Meio Ambiente (SMA) de São Paulo, diz que após a instituição oficial dos limites do Parque em 1988, as empresas dotadas de concessões antigas foram impedidas de explorar. Isso porque não poderiam obter a licença ambiental necessária, concedida conjuntamente ao Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental (DAIA).

Manejo para um

“Mesmo com esse impedimento da SMA, o fato de as poligonais inexploráveis ainda serem reconhecidas pelo DNPM é um absurdo, e já representa uma forte pressão”, critica Francisco. Confirmando o perigo, uma placa com o nome das mineradoras foi instalada no inicio de outubro, na lateral de um dos os ao parque.

O PETAR – com 35.156 hectares – não possui um plano de manejo até hoje, o que dificulta a sua organização interna. Já o Parque de Intervales, com 41.705 hectares, teve os debates para seu plano de manejo iniciados apenas em setembro desse ano. A previsão é que fique pronto em dezembro. A razão da iniciativa foi principalmente discutir a delimitação da zona de amortecimento, que continha mineradoras instaladas em até 500 metros dos limites do parque.

A geóloga Paola Mihály, faz parte das discussões para o plano, e explicou ao Eco de que forma os impactos ambientais da mineração podem ser sentidos localmente, e na região de seu entorno:
“O bombeamento da água encontrada nas cavas, pode causar um rebaixamento permanente dos lençóis freáticos, além disso, os materiais soltos, se jogados em excesso nos rios causam assoreamentos e podem comprometer a qualidade da água.”

De acordo com o estudo da geóloga sueca Sarah Elfvendhal, datado de 2000, foram detectados vinte e sete compostos entre pesticidas e resíduos minerais tóxicos nas águas de rios que am pelo PETAR. Além dos distúrbios aquáticos, as mineradoras de cal, chamadas caieras, geram durante a extração, uma poeira branca que pode causar problemas respiratórios na população e inibir a fotossíntese de plantas. Mihály afirma que existem impactos inerentes às atividades exploratórias, mas se essas forem bem conduzidas, as interferências diminuem.

No entorno de Intervales, existem duas grandes empresas de calcário para cimento, três empresas caieras e outras menores em andamento. Segundo Mihály, as de menor porte “são “terríveis” pois causam degradação ao meio natural, já que algumas ainda estão em processo de regularização. As multas por mau funcionamento são cobradas desses empreendimentos, mas a geóloga explica que o valor não é suficiente para “botar medo” nas empresas, que já anexam o preço exigido ao lucro mensal, e continuam explorando.

João Pinheiro, do DNPM, se refere ao cenário de transformações físico-ambientais causado pelas mineradoras em atividade, como uma “cozinha suja”. “A mineiradora deixa uma impressão de desordem visual, mas a atividade não pode ser feita com desleixo, nem métodos insustentáveis”, diz. A sugestão do diretor é que uma cortina de eucaliptos seja plantada no entorno da atividade até que a “dispensa seja arrumada”.

Pinus e MST

O monitor Francisco Ferreira, diz que a região de Apiaí – terreno que abrange a maior parte do PETAR – é conhecida como o “vale da miséria”. Com um dos piores IDHs do Brasil, o local também é tido como o mais pobre do estado de São Paulo. Ferreira alega que por mais de 15 anos o governo estadual vem tentando implementar o turismo, mas a falta de planejamento, pessoal técnico e programas de médio e longo prazo fizeram com que a população desacreditasse na atividade.

“Esta realidade, faz com que as Prefeituras locais apostem em alternativas econômicas mais realistas, como a mineração, e a plantação desenfreada de pinus e eucalipto. Essas opções, além de gerarem empregos imediatos não necessitam de investimentos públicos elevados e têm retorno político imediato”. Para o monitor, os rios do PETAR podem sofrer com escassez de água, já que os pinus plantados perto de nascentes, fora do parque, absorvem a umidade local, deixando o solo vulnerável e seco.

Há ainda um assentamento do MST aprovado pelo INCRA, nos 7.767 hectares da Fazenda Vitória, que faz divisa com o PETAR. Cerca de cem famílias estão instaladas há um ano no local, e pouco antes disso, o Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais (DEPRM) havia sido contra a ocupação. O motivo principal era que mais de 80% da área estava dividida nas definições de Reserva Legal, Área de Preservação Permanente, e Floresta Originária. Segundo Ferreira, existem assentados em até seis quilômetros dos limites do parque.

“Nos assustamos com essa decisão, pois sempre discutíamos sobre anexar a Fazenda Vitória ao parque”, diz Valdemar dos Santos, também monitor ambiental do PETAR. Duas bacias hidrográficas – a dos rios Ribeira e Paranapanema – são abastecidas por nascentes que partem da fazenda, e agora se encontram vulneráveis a possíveis interferências feitas pelo grupo. O projeto de agroflorestas sustentáveis proposto pelo INCRA, é utópico segundo os monitores, e denúncias de impactos já foram feitas a polícia ambiental. Mas o local é de difícil o e a fiscalização não costuma entrar.

  • Gabriela Machado André 3t2d3q

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