Reportagens

Fechando o cerco 5d1v3h

Moratória à compra de soja plantada em áreas desmatadas vale por mais um ano. Setores de carne e de madeira adotarão medida semelhante nos próximos dias, diz o governo federal.

Aldem Bourscheit ·
17 de junho de 2008 · 17 anos atrás

Os maiores compradores de soja do País, governo federal e organizações não-governamentais am nesta terça um acordo que estende por mais um ano a moratória da soja. Ela começou em julho de 2006, sem o governo, quando as associações Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC) se comprometeram a não comercializar a oleaginosa vinda de áreas desmatadas na Amazônia por um período de dois anos. A soja é o peso-pesado das exportações e exerce forte pressão para a abertura de novas áreas de produção, tanto na Amazônia quanto no Cerrado.

Segundo dados sobre desmatamentos colhidos entre agosto/2005 e agosto/2007, baseados em imagens de satélite do Prodes/Inpe e vistorias em campo, cerca de 40 mil hectares de floresta tombaram nos quarenta municípios que mais plantam soja, no Mato Grosso, Pará e Rondônia. Isso contando apenas derrubadas com mais de cem hectares. Somando-se desmates menores, a devastação chega a quase 49 mil hectares, avisa Paulo Adário, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace. Mato Grosso lidera o corte de matas, com 33,5 mil hectares. Ainda não se sabe quanto das derrubas são ilegais ou autorizadas pelos governos. “Há muito desmatamento em áreas menores, para pecuária e grãos”, revela.


Conforme o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli, não foi verificado plantio de soja em todas essas áreas. Uma avaliação mais a fundo aconteceu em três municípios mato-grossenses que desmataram pouco mais de 8 mil hectares no período – Feliz Natal (2,2 mil ha), União do Sul (5,1 mil ha) e Vera (608 ha). Também não se viu soja. “Não tinha um só pé de soja nessas áreas, mas estavam desmatadas”, diz. 

Para Adário, o maior desafio é evitar plantios nas áreas abertas com a disparada dos preços das commodities no mercado internacional. Vários desmates aconteceram ao lado de lavouras de soja, projetando novos cultivos. “É pouco provável que plantem rosas ou tulipas nesses locais. O desmatamento na Amazônia vinha caindo por três anos. Agora, voltou a crescer, junto com os preços da oleaginosa”, lembrou Adário.

Em 2006, quando começou a moratória, a saca de soja era vendida por US$ 10; hoje vale US$ 23, em média. Esta semana a soja bateu recorde de cotação na BM&F, registrando quase 150% de alta nos últimos 24 meses, como divulgou o jornal Valor Econômico. O preço da arroba do boi subiu mais de 85% no mesmo período. Preços favoráveis estimulam desmatamentos. Complicando a situação da floresta tropical, a safra de grãos estadunidense deve sofrer quebra por excesso de chuvas, elevando a procura pelo produto verde-amarelo.

“Foi fundamental renovar a moratória nesse momento de alta dos preços das commodities e debates sobre crise dos alimentos. É uma mensagem clara para os produtores de que não será comprado produto de áreas desmatadas”, afirmou Afonso Champi, gerente de assuntos corporativos da Cargill.

Sinuca de bico maior é justamente evitar a compra de soja produzida em locais que perderam o verde desde o início da moratória. Conforme a Abiove, isso não será problema. “Ficaremos atentos para que nenhum de nossos associados adquira produtos dessas áreas. Soja plantada em área irregular será isolada”, disse Lovatelli, presidente da entidade. Abiove e ANEC representam as maiores compradoras de soja do País, como Bunge, Amaggi, Cargill.

Apesar das aparências, não foram só flores para a do acordo que estendeu a moratória da soja por mais um ano na Amazônia. A medida, na verdade, quase não sai. Tudo porque as compradoras de soja enviaram o texto ao Ministério do Meio Ambiente “em cima do laço” e sem consultar entidades civis. Além disso, as ongs queriam citar “fazendas desmatadas” e não “áreas desmatadas” como alvos da moratória. Isso ampliaria sua margem de atuação. Abiove e ANEC bateram pé e os ambientalistas não levaram.

Rastreabilidade

Adário, do Greenpeace, lembra que não há um sistema de rastreabilidade e nem certificação para a produção de soja. “O esforço é colocar sistemas para isso em prática, mas o prazo de um ano é curto. Talvez não dê para resolver todos os problemas, como a falta de cadastramento e de licenciamento para propriedades rurais”, ressalta. Segundo ele, Mato Grosso tem por volta de 120 mil fazendas, mas menos de dez mil registradas pelo governo.

A inexistência de métodos para rastrear a procedência da soja na Amazônia é um dos motivos que levam Glauber Silveira, presidente da Associação de Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) a não acreditar na efetividade da moratória. Para ele, em nenhum momento esta medida limitou a produção de soja na Amazônia, que, no caso de Mato Grosso, equivale a 1% da área de lavoura de grãos no estado. “Isso é um oba-oba de trading. Mesmo que o produtor tenha desmatado dentro do bioma, não tem como identificar. Tem produtor que nem sabe que existe isso”, revela Silveira.

A Aprosoja garante que ultimamente tem sido inviável abrir novas áreas para plantar soja. De acordo com o presidente, na última safra a área plantada foi de 5,7 milhões de hectares, contra 6,2 milhões da safra anterior. “Não é a moratória que impede a abertura de novas áreas, mas o custo desse trabalho. Mas no dia em que valer a pena, o produtor vai abrir mesmo. Se a lei brasileira permite que ele use 20% de sua área na Amazônia, é um direito dele desmatar”, afirma Silveira.

Carne e madeira

Completando três semanas à frente do Ministério do Meio Ambiente, o ministro Carlos Minc informou que começou nesta terça a notificação de frigoríficos e de madeireiras para que informem ao governo sobre seus fornecedores de carnes e toras. Eles têm 60 dias para rear os dados. Em julho, esses setores adotarão moratória semelhante a da soja, evitando insumos de novos locais desmatados. “Quem não se certificar será embargado, pois não pode haver concorrência desleal entre produtores legais e ilegais”, disse Minc.

Pelas características desses setores, como menos tecnologia e maior dispersão, o coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace avalia que concretizar uma moratória para carnes e madeiras será bem mais complicado. “A produção é mais difusa e menos ligada ao mercado internacional. O processo será mais complicado, mesmo começando pelos grandes frigoríficos”, disse.

O ministro também prometeu que a Amazônia finalmente terá um zoneamento-ecológico econômico (ZEE) em 2009. Isso distribuiria as terras entre voltadas à produção e para conservação, com potencial para reduzir os eternos conflitos de terra regionais. Acre e Rondônia têm ZEEs estaduais, enquanto Maranhão, Pará e Mato Grosso devem fechar a lição de casa este ano. “Sem regularização funciária não há política pública na Amazônia”, disse.

*Colaborou Andreia Fanzeres

  • Aldem Bourscheit 2tg

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

Leia também 84q8

Salada Verde
6 de junho de 2025

Em pronunciamento, Marina Silva sai em defesa do Licenciamento Ambiental 32i1x

“Não podemos permitir que, em nome da agilização das licenças ambientais, seja desferido um golpe mortal em nossa legislação”, discursou a ministra. Leia o discurso na íntegra

Análises
6 de junho de 2025

Governo do RS ignora perda anual de vegetação campestre para comemorar a ilusão do Pampa conservado 6w566i

Relatório que apontou queda no desmatamento do bioma ite limitação para avaliar campos, mas Governo do Estado vangloria-se de um suposto sucesso da sua política ambiental

Colunas
6 de junho de 2025

ONU reúne 2 mil cientistas para transformar conhecimento em ações políticas para o oceano 6k6n12

Especialistas de mais de cem países estão em Nice, na França, para definir ações prioritárias até 2030 para melhorar a saúde do oceano

Mais de ((o))eco 6q6w3q

moratória 323k60

Notícias

Projeto que cria moratória do desmatamento no Cerrado segue parado no Congresso 2f3x1m

Reportagens

A pesca dos meros não pode voltar, dizem pesquisadores 3ox2c

Salada Verde

Governo prorroga moratória da pesca de piracatinga 5i6e4

Vídeos

Vídeo: Por que a proibição de pesca é importante para a conservação do mero? por Jonas Leite 3x6e24

soja 6x1e13

Notícias

Organizações lançam manifesto em defesa da Moratória da Soja 4p3v63

Notícias

Agronegócio alega infração econômica e pede que Cade investigue Moratória da Soja 1r1g4d

Salada Verde

Expansão da soja no leste amazônico provocou perda de R$10 bi em serviços ambientais 27702q

Reportagens

Dinastia Amazônia 3e6266

desmatamento 4y695i

Análises

Governo do RS ignora perda anual de vegetação campestre para comemorar a ilusão do Pampa conservado 6w566i

Notícias

Ibama vai receber R$ 825,7 milhões do Fundo Amazônia para combate ao desmatamento 1h48d

Notícias

Morre Dalton Valeriano, responsável por modernizar o monitoramento do desmatamento no país 5q4d16

Colunas

O segredo mais bem guardado da política climática brasileira 433a2j

Ar Livre 6b3q3j

Notícias

O feitiço de Marrocos e1d2d

Notícias

Morte em Yosemite 6mo4s

Notícias

Calçado ideal 3x4n4f

Notícias

Cicloturismo 3d2r35

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.