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Agricultura financiada com fundos ambientais 343i5c

Lei de agosto de 2013 abre brecha para transferir recursos da responsabilidade da área ambiental ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

20 de janeiro de 2014 · 11 anos atrás
  • Guilherme Purvin b6j5b

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

 

Ambiental e agroambiental não são a mesma coisa. Foto: Agromoto
Ambiental e agroambiental não são a mesma coisa. Foto: Agromoto

Em 26 de agosto de 2013 foi editada a Lei 12.854, que tem por finalidade fomentar e incentivar “ações que promovam a recuperação florestal e a implantação de sistemas agroflorestais em áreas rurais desapropriadas e em áreas degradadas, nos casos que especifica”.

Não se trata de recuperação ecológica. Sua finalidade é a “implantação de sistemas agroflorestais” e, assim, a lei está mais afeta à pasta da Agricultura do que ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). A distinção é relevante. A recuperação florestal busca a otimização da produção econômica, pelo uso eficiente dos elementos abióticos da natureza (solo, ar, água) e da energia luminosa e térmica num espaço territorial delimitado.

Árvore, aqui, importa menos pelo seu papel ecológico do que por seu potencial econômico, consistente na captura de nutrientes do solo e conservação da fauna edáfica (animais que vivem diretamente no solo, como minhocas e nematódeos).

Édis MIlaré, sem negar o “inestimável patrimônio da biodiversidade”, lembra das “múltiplas utilidades da flora quando se busca a produção econômica sustentada: alimentos e forragens; óleos, fibras, resinas e assemelhados; elementos medicinais os mais diversos; cosméticos, indústria de móveis e da construção; combustíveis renováveis (biomassa), celulose e papel” e conclui que “a floresta em pé representou, e sempre representa, mais investimento e economia do que a floresta abatida” (Direito do Ambiente, 8ª Ed. São Paulo: RT, 2013, p.548).

Transferência

A lei fala em incentivo e em fomento de ações de recuperação florestal e implantação de sistemas agroflorestais

De acordo com o parágrafo único do art. 2º, da Lei n. 12.854/2013, as ações de reflorestamento deverão representar alternativa econômica e de segurança alimentar e energética para o público beneficiado.

A perspectiva, portanto, é agroambiental, e não-conservacionista.

Sistema Agroflorestal é gênero do qual fazem parte os sistemas agrossilvipastoril, o agropastoril, o silvipastoril, etc. Dentro da perspectiva do desenvolvimento rural, a implantação desses sistemas deve ocorrer em áreas alteradas por atividades agrícolas mal sucedidas, de modo a contribuir para a redução do desmatamento de novas áreas de florestal.

A lei fala em incentivo e em fomento de ações de recuperação florestal e implantação de sistemas agroflorestais, visando alternativas econômicas aos agricultores familiares, em especial, às famílias beneficiárias de programas de assentamento rural, pequenos produtores rurais, quilombolas e indígenas.

Estas medidas devem se dar “dentro dos programas e políticas públicas ambientais já existentes”. Isso significa que a lei não está criando uma política pública específica de recuperação florestal e implantação de sistemas agroflorestais, e sim buscando inserir tais ações em políticas já existentes.

Sem dúvida, o foco foi a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER. Instituída em janeiro de 2010, esta política visa promover o desenvolvimento rural sustentável, apoiando iniciativas econômicas que promovam as potencialidades e vocações regionais e locais, bem como aumentando a aumentar a produção, a qualidade e a produtividade das atividades e serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive agroextrativistas, florestais e artesanais.

As ações previstas na Lei n. 12.854/2013 estão dirigidas aos ocupantes de espaços territoriais específicos, seja qual for o título da ocupação: áreas de assentamento rural desapropriadas pelo Poder Público e áreas degradadas em posse de agricultores familiares assentados, de quilombolas ou de indígenas. Ou seja, essencialmente os mesmos beneficiários do PNATER, conforme art. 5º, I, da Lei n. 12.188/2010 (os assentados da reforma agrária, os povos indígenas, os remanescentes de quilombos e os demais povos e comunidades tradicionais).

Sendo remota a possibilidade de implementação destas ações por meio de incentivos fiscais, por conta da hipossuficiência econômica dos beneficiários (famílias assentadas, quilombolas e indígenas), o que se busca é o fomento das ações por meio de financiamento com recursos de fundos nacionais.

Prejuízo ambiental

(…) resta à área ambiental, cada vez mais desprestigiada, patrocinar qualquer política agrária à qual seja agregada a palavrinha mágica “sustentável”.

Neste ponto, evidencia-se novo golpe na área ambiental. Ocorre que a formulação e supervisão da PNATER são de competência do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ao o que os fundos a que se refere a Lei n. 12.854/2013 até hoje estavam afetos à área ambiental.

É o caso do Fundo Nacional de Mudança do Clima que, nos termos do art. 1º do Decreto n. 7.343/2010, vincula-se ao Ministério do Meio Ambiente e objetiva assegurar recursos para apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que visem à mitigação da mudança do clima e à adaptação à mudança do clima e seus efeitos.

Ou, ainda, do Fundo Amazônia, nome dado a uma conta específica do BNDES destinada a aplicações não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável no bioma amazônico. Hoje, cabe ao Ministério do Meio Ambiente definir os limites de captação de tais recursos, que deverão contemplar a gestão de florestas públicas e áreas protegidas; o controle, monitoramento e fiscalização ambiental; o manejo florestal sustentável; as atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da floresta; o Zoneamento Ecológico e Econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária; a conservação e uso sustentável da biodiversidade; e a recuperação de áreas desmatadas.

Tais recursos, gerenciados pelo MMA como visto, poderão agora migrar para o financiamento de programas do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Enquanto o orçamento destinado à área da agricultura permanece incólume, resta à área ambiental, cada vez mais desprestigiada, patrocinar qualquer política agrária à qual seja agregada a palavrinha mágica “sustentável”.

 

 

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