Análises

Camisea vê desaparecer seus peixes 6u3po

Gasoduto no Peru pode não rasgas a floresta com estradas, mas seus impactos já afetam populações de peixes e comunidades indígenas.

Glenn H. Shepard Jr. · Douglas W. YU ·
23 de fevereiro de 2012 · 13 anos atrás

Rio Urubamba, zona central do Peru, região de exploração de gás. (Crédito: Wikipedia)
Rio Urubamba, zona central do Peru, região de exploração de gás. (Crédito: Wikipedia)

Bruce Babbitt, ex-secretario de assuntos internos dos Estados Unidos, exerce grande influência na comunidade de conservação do meio ambiente. Em recente entrevista para a revista Nature, elogiou os benefícios do modelo “offshore-inland” de extração de gás na delicada região de Camisea, no Peru, onde um consórcio liderado pela PlusPetrol e Hunt Oil atualmente explora petróleo na floresta amazônica até as refinarias na costa do Pacifico, através dos Andes.

O modelo que não utiliza estradas e usa somente transporte aéreo e fluvial, defendido por Babbitt para fornecimento de gás, evita muito desmate provocado pela construção de estradas. Também alinha extração de hidrocarbono com conservação, uma vez que a cobertura florestal aumenta a segurança dos gasodutos.  No entanto, como afirma Cesar Gamboa, do Departamento Jurídico do Centro de Recursos Naturais e do Meio Ambiente, evitar desmatamento é somente um pequeno o.

O gasoduto em Camisea tem sido alvo de controvérsias, incluindo seis vazamentos significantes por dutos corroídos além de questões sobre a legalidade dos contratos e do efeito sustentável no longo prazo de um projeto que está alterando para sempre não somente Camisea e seu povo, mas também a matriz energética do Peru. Tudo para suprimento de, talvez, uma única década.

Diante do que foi publicado pela Nature, o ecologista Douglas Yu e eu chamamos a atenção para a série de impactos do hidrocarbono nos recursos naturais daquela região, bem como na vida dos povos indígenas. Durante a recente visita a Camisea, todos os indígenas entrevistados lamentaram o desaparecimento dos peixes, sua principal fonte de proteína. Embora eles culpem o tráfego marítimo e o vazamento de gás, nós também suspeitamos da pesca predatória causada pelo crescimento do comércio local.

Comerciantes vendem grandes quantidades de cerveja a populações indígenas. (Crédito: Glenn Shepard)
Comerciantes vendem grandes quantidades de cerveja a populações indígenas. (Crédito: Glenn Shepard)

Outra desastrosa conseqüência da extração do hidrocarbono é a degradação social destes povos. Sem planejamento das comunidades e controle social, a chegada de dinheiro está sendo gasta em bebedeiras e farra. O grande número de projetos financiados pelas companhias e pelos governos falhou por falta de visão: em uma visita pela região, detectamos contaminação no sistema de água encanada, falta de água, banheiros secos abandonados, lagos para criação de peixes destruídos e levados pela água nas estações chuvosas, barco hospital virado e sem uso.  O único projeto de infraestrutura de sucesso consistente instalado com o 1 bilhão de dólares de royalties da produção de gás recebido pelo governo regional nos últimos quatro anos são as estradas!

A lição que tiramos é que a conservação perante a extração petroquímica na Amazônia deve enfrentar pelo menos dois desafios: as companhias têm que implementar melhores condições de trabalho e as leis e regras devem ser mais severas para melhorar a saúde e a educação, com foco nas políticas indígenas. Essa é a chave. A degradação social causada pelo dinheiro mal gasto e o desperdício de projetos não somente destrói vidas, como também esvazia a capacidade de defesa dos 1,3 milhões de hectares de reserva florestal indígena, além das terras vizinhas a Camisea. Esse número cresce para dois milhões de hectares se as perfurações continuarem em Madre de Dios, onde a Hunt Oil atualmente faz prospecções.

Será uma tragédia se a política de hidrocarbono se sobrep às culturas indígenas e destruir sua comprovada habilidade em proteger a natureza. Sem um estudo minucioso dos desastrosos impactos em longo prazo, a utopia sem estradas defendida por Babbitt poderá se tornar uma miragem.


Douglas W. Yu. Escola de Ciências Biológicas, Universidade de East Anglia, Norwich, Reino Unido, é também parte do Laboratório de Recursos Genéticos e Evolução, Instituto de Zoologia de Kunming, Kunming, Yunnan, China e-mail: douglas.yu @ uea.ac.uk

 

Glenn H. Shepard é antropólogo, etnobotânico e cineasta especializado nos povos indígenas da Amazônia. Publicou mais de cinquenta artigos científicos e fez um documentário para a Discovery Channel, “Spirits of the Rainforest”, ganhador do Emmy. Pesquisa Etnologia Indígena no Museu Paraense Emilio Goeldi, no Pará e é autor do blog Notes from the Ethnoground.
  • Glenn H. Shepard Jr. 1i6m6g

    Antropólogo, etnobotânico e cineasta especializado nos povos indígenas da Amazônia. É autor do blog Notes from the Ethnogroun...

  • Douglas W. YU 2sc65

Leia também 84q8

Podcast
26 de maio de 2025

Entrando no Clima #47 – COPs precisam abrir espaço para falar de justiça climática 5t102s

Thaynah Gutierrez, consultora em adaptação climática e transição justa, explica como tais conceitos são tratados nas convenções. Falamos também de petróleo e licenciamento

Notícias
26 de maio de 2025

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Nova avaliação do ICMBio indica que país tem mais de um quarto dos primatas sob algum grau de ameaça. Três espécies estão sob risco crítico de desaparecer

Notícias
26 de maio de 2025

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2o3q1t

Fontes jurídicas esperam que a decisão reitere o reforço na proteção do bioma promovido pela nova legislação do Mato Grosso do Sul

Mais de ((o))eco 6q6w3q

clima e energia 4k2q1l

Notícias

Não cabe ao MMA definir o caminho da política energética brasileira, diz Marina Silva 1v3u43

Colunas

Nordeste Brasileiro: A Região esquecida no centro do debate climático 2p1x33

Colunas

Os desafios da diplomacia climática em 2025 3r3y3h

Reportagens

Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão   6m6n3w

aves 5q1863

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 4o4w5q

Salada Verde

Plataforma aborda tráfico de animais em três países 4m829

Reportagens

O atobá quarentão que uniu gerações de pesquisadores 184h6e

Salada Verde

As incríveis revoadas de guarás no litoral paranaense 156fz

conservação 4y3hz

Notícias

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2o3q1t

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 1a2m6g

Análises

Que semana, hein? 3c4zy

Análises

A importância da rede de colaboração em prol da conservação dos manguezais no litoral norte do Paraná 11p46

amazônia ia40

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 1a2m6g

Notícias

Degradação da Amazônia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo período 1b2369

Reportagens

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador s201v

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.