Análises

A indústria de produtos de origem animal, a destruição dos biomas brasileiros e a crise climática global 332cd

A pecuária bovina e o plantio de grãos para ração de animais como porcos, frangos e peixes mostra que a alimentação está no cerne desmatamento. É tempo de mudar

George Sturaro · Cristina Mendonça ·
25 de novembro de 2022 · 3 anos atrás

A expansão das áreas de pastagem para a pecuária bovina e das áreas para o plantio de grãos (como soja e milho) – em grande parte destinados à alimentação de animais em confinamento – é a grande vilã por trás da destruição dos biomas brasileiros. Estudos científicos e trabalhos investigativos de organizações da sociedade civil, dentre elas a Mercy For Animals (MFA), que vêm sendo realizados há décadas, não deixam dúvidas sobre isso. A Amazônia e o Cerrado estão sendo devastados para criar bois e para produzir ração para porcos, frangos, vacas de leite, galinhas poedeiras e peixes criados em cativeiro.

O rastro de destruição deixado pela pecuária bovina na Amazônia é imenso. Relatório publicado pela Mercy For Animals em 2020 revela que cerca de 75% de toda a área desmatada na Amazônia após 1970 estava coberta por pasto em 2018. Em termos comparativos, a área destruída é maior que a França continental, a Inglaterra e a Bélgica juntas, ou que o estado do Texas, o maior dos EUA. Por meio de estudo de casos, o relatório revelou também que existe
uma forte e constante relação entre o aumento da população de bovinos, o aumento da área de pastagem e o desmatamento ao longo do tempo. Não surpreende, portanto, que os municípios com os maiores rebanhos, como São Félix do Xingu e Altamira, no estado do Pará, são também os municípios com as maiores taxas de desmatamento. Esse quadro segue inalterado.

Os danos do desmatamento não se limitam à perda da biodiversidade e à destruição das condições e dos modos de vida de povos indígenas. O próprio equilíbrio climático global é por ele impactado gravemente, como vem advertindo ano após ano o Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês). Conforme apontado no relatório da Mercy For Animals, a responsabilidade do Brasil nessa área é significativa. Considerando as emissões de metano (CH4) decorrentes do processo de digestão dos bovinos e as emissões de dióxido de carbono (CO2) decorrentes do desmatamento para a abertura de áreas de pastagem, estima-se que a pecuária bovina tenha sido responsável por nada menos que 52% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do país em 2018.

É certo que a demanda por carne e outros produtos de origem animal impulsiona a expansão das atividades pecuárias e o cultivo de grãos para alimentar animais. No entanto, essa é apenas uma das peças na engrenagem do desmatamento. Na ponta inicial da cadeia, desempenhando um papel crucial, estão os investimentos e empréstimos que financiam as grandes corporações da indústria da carne, assim como os subsídios e outros incentivos
concedidos aos pecuaristas.

O volume de recursos públicos destinado a apoiar atividades pecuárias no Brasil é significativo. A pecuária bovina de corte, por exemplo, é a atividade econômica mais subsidiada pelo governo federal, tanto em termos absolutos quanto em termos proporcionais, conforme revelado no relatório Do Pasto ao Prato, do Instituto Escolhas. De 2007 a 2018, a atividade recebeu R$ 147,6 bilhões em subsídios, o que equivale a 79% do valor que gerou em arrecadação no período. Cabe lembrar ainda que, no Brasil, assim como em muitos outros países, a indústria da carne transfere para a sociedade grande parte dos custos dos seus impactos ambientais e sociais. Na prática, isso também representa um incentivo econômico.

O financiamento privado da indústria da carne no Brasil também mobiliza uma quantidade imensa de recursos, inclusive estrangeiros. As três maiores processadoras de carne bovina do país – a JBS, a Minerva e a Marfrig –, são empresas de capital aberto.

Segundo dados da plataforma Forest & Finance, grandes bancos e fundos de investimentos – como BTG Pactual, BlackRock, Vanguard e Fidelity Investments – possuem participação nessas empresas, que juntas respondem por aproximadamente 70% dos abates de bovinos criados na Amazônia, conforme apontado no relatório da Mercy For Animals. São, portanto, indiretamente responsáveis pelos impactos ambientais gerados por elas. Paradoxalmente,
muitos desses grandes bancos e fundos de investimentos que injetam recursos na indústria da carne possuem políticas ESG e compromissos públicos com o combate ao desmatamento e às mudanças climáticas. Isso representa no mínimo uma contradição, já que decisões de investimentos nesse setor podem gerar consequências danosas ao meio ambiente e à sociedade.

Para proteger e regenerar os biomas brasileiros e darmos uma contribuição decisiva para reverter a crise climática global, precisamos transformar nosso sistema alimentar. Isso significa redirecionar recursos públicos e privados para atividades que, ao mesmo tempo, sejam ambientalmente sustentáveis, socialmente justas e comivas com os animais. Isso não é apenas urgentemente necessário, é também possível e desejável. O Brasil reúne todas as
condições ambientais, técnicas e humanas para liderar essa revolução alimentar e assumir um protagonismo nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas (COP-27) e proteção da biodiversidade (COP-15). Trata-se de uma mudança de direção que é benéfica para as pessoas, para os animais, para o planeta e também para a economia, que ganhará muito com os “emprego verdes”. Não podemos ficar para trás.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • George Sturaro 52o2k

    Gerente de Investigações da Mercy For Animals no Brasil. Mestre em Relações Internacionais pela UFRGS, George acumula experiência também no âmbito acadêmico, tendo lecionado no período de 2011 a 2015 na UFRGS, na Unicuritiba e na PUC-PR.

  • Cristina Mendonça 2o32

    Atua como diretora executiva da Mercy for Animals no Brasil. Formada em Engenharia Química, Mestre em engenharia urbana e ambiental com especialização em MBA executivo de istração

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