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Albatrozes, petréis e a participação do Brasil em acordos ambientais 2y526h

Até 10 mil aves oceânicas morrem por ano em águas brasileiras ao interagirem com a pesca de espinhel. Mas país pode abandonar acordo que as protege.

Tatiana Neves · Leandra Gonçalves ·
20 de julho de 2016 · 9 anos atrás
Albatroz-de-sobrancelha-negra (Thalassarche melanophris). Foto: @Dimas Gianuca_Projeto Albatroz
Albatroz-de-sobrancelha-negra (Thalassarche melanophris). Foto: Dimas Gianuca/Projeto Albatroz

 

Os albatrozes e petréis formam o grupo de aves mais ameaçado de extinção do planeta. São magníficas aves migratórias, muito importantes para a manutenção da biodiversidade dos oceanos, que se reproduzem em ilhas distantes e vêm se alimentar em águas brasileiras. Longevas, podem viver por até 80 anos, mas sua taxa de fecundidade é lenta. Algumas colocam apenas um ovo a cada dois anos. Em seu ciclo de vida, muitas espécies dão voltas ao redor do mundo e estão sendo afetadas drasticamente pela atuação humana. Infelizmente, os albatrozes e petréis encontram no caminho uma armadilha involuntária: as embarcações de pesca de espinhel. Trata-se de uma técnica industrial, que utiliza como isca o mesmo alimento consumido pelas aves, gerando capturas não intencionais e a necessidade de um esforço internacional para reverter a diminuição das populações.

Em 2008 foi ratificada pelo Senado Federal a adesão do Brasil ao Acordo para a Conservação de Albatrozes e Petréis (ACAP). Atualmente, no entanto, a participação neste compromisso multilateral assumido com 12 países está sendo questionada. O ACAP foi incluído em uma lista com mais 33 organizações internacionais que podem deixar de ter delegações oficiais do país. A relação foi enviada pelo Ministério do Planejamento e está sendo analisada pelo Itamaraty.

Apesar de o Brasil estar entre os países que mais participam de Acordos e Organizações Internacionais, o ACAP foi classificado em algumas notícias como pouco conhecido, ou ainda, de forma pejorativa, irrelevante. Embora poucos saibam, até 10 mil aves oceânicas morrem por ano no país ao interagirem com a pesca de espinhel e serem fisgadas incidentalmente. É uma das mais altas taxas de mortalidade do mundo nestas circunstâncias. Também se estima que a cada cinco minutos um albatroz é capturado em alguma parte do planeta. A adesão do Brasil ao ACAP é estratégica devido à alta incidência de capturas na região. Mas é também crucial para não prejudicar um trabalho de décadas, realizado em conjunto por diversas instituições internacionais e nacionais.

Albatroz-viajeiro(DiomedeaExulans). Foto: Fabiano Peppes / Projeto Albatroz
Albatroz-viajeiro (DiomedeaExulans). Foto: Fabiano Peppes/Projeto Albatroz

Fomentar a realização da pesca sustentável e compatível com a proteção das espécies de aves marinhas ameaçadas também pode se reverter em potenciais vantagens de mercado, o que é fundamental para uma economia sustentável do século XXI. Considerando que a maior parte dos peixes provenientes da pesca com espinhel é exportada para mercados exigentes como o norte-americano e o europeu, a utilização de medidas de redução da captura incidental é um fator decisivo para garantir a entrada do pescado brasileiro. Vale notar que as pesquisas discutidas no ACAP subsidiam regulamentações adotadas pelos seus países membros. Por conta disto, o Brasil tem uma das leis mais modernas do mundo para a proteção de aves marinhas.

Atualmente fazem parte do acordo Argentina, Austrália, África do Sul, Brasil, Chile, Espanha, Equador, França, Nova Zelândia, Noruega, Peru, Reino Unido e Uruguai. Não se trata, portanto, de um acordo vinculado ao Mercosul ou a qualquer ideologia política. No total, 33 países possuem frotas pesqueiras de espinhel com potencial para capturar aves marinhas de forma incidental, o que demonstra que os esforços para evitar esta ameaça devem ser expandidos e permanentes.

É imperativo que o Ministro de Relações Exteriores José Serra se posicione em favor desta causa e do respeito pelas relações diplomáticas, em coerência com seu discurso de posse. O desenvolvimento da ciência e a conservação do meio ambiente devem ser vistos como investimentos contínuos. Qualquer recurso destinado a estas áreas, obviamente, deve ser utilizado de forma ética, transparente e produtiva, a exemplo do ACAP. As responsabilidades ambientais do Brasil não são meros gastos. Tratá-las assim seria jogar fora resultados que levaram anos para serem conquistados, desperdiçar oportunidades de crescimento econômico sustentável e correr o risco de descobrir os limites de degradação da natureza por havê-los ultraado.

Procellaria aequicnotialis. Foto: Fabiano Peppes / Projeto Albatroz
Pardela-preta (Procellaria aequicnotialis). Foto: Fabiano Peppes/Projeto Albatroz

 

 

*Tatiana Neves, bióloga e mestre em Oceanografia Biológica, diretora executiva do Instituto Albatroz e vice-presidente do Comitê Assessor do Acordo para a Conservação de Albatrozes e Petréis (ACAP)
leandra_goncalves *Leandra Gonçalves, bióloga, doutoranda em Relações Internacionais pela USP e presidente do Conselho istrativo do Instituto Albatroz

 

 

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    Professora no Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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Comentários 8 176j4t

  1. Parabéns, nós do Projeto Golfinho Rotador, como parceiros do Projeto Albatroz apoiaremos e divulgaremos a causa!


  2. Everardo diz:

    Albatrozes, petréis, coffee break, turismo e muita conversa!


    1. Cmte. Rolim diz:

      …fora o Cartão Fidelidade Vermelho da cia. aérea!!!


  3. Andreia diz:

    Existe alguma petição ou abaixo-assinado online pedindo que o Brasil dê a devida atenção à questão?


    1. Boa tarde Andreia,
      A petição foi criada recentemente. Por favor, nos ajude a divulgar: https://secure.avaaz.org/po/petition/Ministros_da
      Você também pode acompanhar o trabalho do Projeto Albatroz, que representa o ACAP no Brasil, em nossa página no facebook (palbatroz).


    2. Leonar diz:

      Andreia, a petição foi encerrada, mas existem outras formas de ajudar a conservação de albatrozes e petréis. Atualmente está aberta uma campanha do Albatroz Task Force (ATF) junto com o Projeto Albatroz para captar fundos e ser realizado um importante experimento científico que tem como objetivo evitar a captura das aves e também diminuir a poluição dos oceanos. A doação pode ser feita nesse link: https://experiment.com/projects/can-hookpods-and-….


      1. Leonar diz:

        Sobre o Acordo para a Conservação de Albatrozes e Petréis (ACAP) todas as informações e sua importância está explicada detalhadamente em seu site: http://www.acap.aq/.
        Nascido em Santos/SP, o Projeto Albatroz atua há mais de 25 anos na conservação de albatrozes e petréis. Outras quatro bases pelo litoral brasileiro dão e ao trabalho. Entre suas atividades estão a área técnica, a educação ambiental e políticas públicas. Sua coordenadora geral, Tatiana Neves foi eleita vice-presidente do Comitê Assessor do ACAP, que é o órgão técnico mais elevado do acordo internacional. Confira aqui o site do Projeto Albatroz: http://projetoalbatroz.org.br/.


        1. Leonar diz:

          Você também pode conhecer mais sobre o Albatroz Task Force (ATF) aqui: http://www.birdlife.org/news/tag/albatross-task-f….