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Desvendando as Unidades de Conservação Municipais do Cerrado 2r2q40

A expectativa é que os projetos e estudos sobre as UCs municipais tornem mais “visíveis” centenas de áreas oficiais de proteção que hoje se encontram à margem das estratégias de conservação da biodiversidade

Luiz Paulo Pinto ·
15 de agosto de 2019 · 6 anos atrás
Parque Natural Municipal do Ribeirão da Prata, em Posse, GO. Foto: Luiz Paulo Pinto.

Embora os municípios sejam parte integrante do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a contribuição das unidades de conservação (UCs) municipais para a proteção da biodiversidade no Cerrado e nos demais biomas no Brasil ainda é pouco conhecida. Sem uma avaliação adequada da rede de UCs municipais as estratégias e políticas ambientais continuarão com uma lacuna importante e subestimando o papel importante que os municípios têm na proteção da biodiversidade.

Esse cenário está mudando com a realização de estudos sobre as UCs municipais realizadas no país nos últimos cinco anos, principalmente na Mata Atlântica e no Cerrado. O projeto “Avaliação e Fortalecimento das Unidades de Conservação Municipais do Cerrado”, por exemplo, tem como objetivo dimensionar a representatividade e importância das UCs municipais para o sistema de proteção da biodiversidade no Cerrado.

O projeto tem o apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês para Critical Ecosystem Partnership Fund). Esse Fundo foi criado no início dos anos 2000 para apoiar ações e projetos de conservação nos chamados hotspots de biodiversidade, isto é, regiões únicas e ameaçadas no mundo pelo grande número de espécies endêmicas e, ao mesmo tempo, com elevado nível de perda da cobertura da vegetação nativa. O Fundo é um programa conjunto da Conservação Internacional, Agência sa para o Desenvolvimento, União Europeia, Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF, sigla em inglês), Governo do Japão e Banco Mundial. No Brasil, o CEPF é implementado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), instituição brasileira do terceiro setor dedicada a formar e capacitar pessoas, bem como fortalecer organizações nas áreas de manejo dos recursos naturais, gestão ambiental e territorial e outros temas relacionados à sustentabilidade.

“Um aspecto que chama a atenção é a proximidade das UCs municipais com os ambientes urbanos. Metade das UCs municipais registradas no Cerrado estão localizadas na malha urbana ou periurbana das sedes municipais.”

Até o momento, o estudo registrou 309 UCs municipais mantidas por 215 municípios em 11 estados inseridos no Cerrado. Esse conjunto de UCs municipais somam cerca de 4 milhões de hectares protegidos pelos municípios. Estão sendo consideradas as UCs municipais em conformidade com o SNUC (parques naturais, reservas biológicas, áreas de proteção ambiental etc.). As unidades que possuem proteção oficial e características similares a alguma categoria de manejo do SNUC, mesmo que ainda não tenham sido adequadas ao sistema nacional, também estão sendo consideradas. Foram registradas UCs municipais de 8 categorias de manejo das 12 definidas pelo SNUC. Parque Natural Municipal e Área de Proteção Ambiental Municipal predominam em número (79,6%) e área protegida (98%).

Um aspecto que chama a atenção é a proximidade das UCs municipais com os ambientes urbanos. Metade das UCs municipais registradas no Cerrado estão localizadas na malha urbana ou periurbana das sedes municipais. O resultado é similar àquele observado para as UCs municipais da Mata Atlântica. A forte pressão do processo de urbanização e as necessidades do grande contingente populacional das cidades por recursos naturais e ocupação do território ampliam os desafios para a conciliação entre a proteção da biodiversidade com o desenvolvimento da infraestrutura urbana e suas implicações sociais, econômicas e ambientais.

Os Parques Naturais Municipais e outras UCs podem desempenhar um papel muito importante para o município, além da proteção do patrimônio natural municipal, ao fornecer serviços ambientais para a sociedade como a proteção de mananciais para abastecimento de água, contribuir para a diminuição de riscos de desastres ocasionados por enchentes e desabamentos, proporcionar maior resiliência para enfretamento das mudanças do clima, e oferecer áreas para turismo, lazer e recreação que podem gerar bem-estar para as pessoas, assim como oportunidades de emprego e renda. Além disso, municípios que abrigam UCs municipais no seu território contribuem para a arrecadação de recursos financeiros obtidos através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com critérios ambientais, conhecido como ICMS Ecológico. A presença de UCs municipais, na maioria dos estados, são consideradas como um dos critérios para a distribuição do ICMS Ecológico.

“ Esse é um o essencial para fortalecer o planejamento, a definição das ações e estratégias de conservação, e o manejo integrado do sistema de proteção nacional da biodiversidade”.

Tendo em vista que as ações de conservação, na maioria das vezes, acontecem na escala local, a maior visibilidade das UCs municipais pode fortalecer uma agenda de proteção local da biodiversidade, estimulando o desenvolvimento de capacidades e recursos financeiros para a criação e implementação dos espaços protegidos istrados pelos municípios.

É nesse contexto que vem atuando o projeto “Áreas Protegidas e outras medidas de conservação baseadas em áreas no nível de governos locais”. Essa iniciativa, também conhecida “Áreas Protegidas Locais”, é um projeto do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, Ministério do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, Ministério do Ambiente do Equador e Ministério do Ambiente do Peru. O Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha (BMU, sigla em alemão) apoia o projeto por meio da Iniciativa Internacional para o Clima (IKI, sigla em alemão). A implementação da iniciativa nos quatro países é realizada pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, pelo ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). O objetivo é contribuir para o fortalecimento da gestão ambiental e a governança dos governos locais para a conservação da biodiversidade em UCs municipais e outras medidas de conservação.

A expectativa é que os projetos e estudos sobre as UCs municipais contribuam para ampliar o conhecimento sobre esse mecanismo de proteção pelos governos locais, tornando mais “visíveis” centenas de áreas oficiais de proteção que hoje se encontram à margem das estratégias de conservação da biodiversidade. As UCs municipais do Cerrado e da Mata Atlântica somam mais de 1.300 unidades, demonstrando a grande capilaridade e representação no sistema de proteção da biodiversidade desses biomas.

O aprimoramento das informações sobre as UCs municipais é fundamental também para termos uma visão mais completa do sistema de proteção contendo as UCs das três esferas político-istrativas – união, estados e municípios. Esse é um o essencial para fortalecer o planejamento, a definição das ações e estratégias de conservação, e o manejo integrado do sistema de proteção nacional da biodiversidade. Portanto, a continuidade da avaliação da rede de UCs de municipais no Cerrado e nos demais biomas é necessária para ampliar e consolidar as informações, além de reconhecer e valorizar a conservação da biodiversidade e manutenção de serviços ambientais proporcionado pelos governos locais.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

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    Luiz Paulo Pinto é biólogo e consultor da fundação SOS Mata Atlântica.

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