Análises

Pela transição energética Norte-Sul pactuada na COP30 5g4n1l

Uma tal prioridade técnico-econômica tanto levaria à substituição mais rápida das fontes energéticas predominantes, quanto ampliaria o leque das demais renováveis e superaria o ime Norte-Sul

Julio Lopes ·
23 de maio de 2025

Em todas as Conferências internacionais sobre a crise ambiental da civilização humana, as posições assumidas pelas nações do Norte e do Sul globais se opam, em confronto político-econômico de ambos sobre as soluções planetárias a serem adotadas.

As nações pertencentes ao chamado Norte global, caracterizadas por economias majoritariamente já desenvolvidas (segundo quaisquer padrões correntes, mesmo onde ainda persistam problemas quanto à desigualdade socioeconômica nelas, como EUA e União Europeia), têm resistido a assumirem a maior responsabilidade pelos problemas ambientais do Planeta, apesar de sua causa evidente no seu consumo absolutamente majoritário de recursos planetários.

As nações pertencentes ao chamado Sul global, caracterizadas por economias majoritariamente ainda em desenvolvimento, não desenvolvidas ou até subdesenvolvidas (segundo quaisquer padrões correntes, mesmo onde nelas ainda sejam preservadas formações fundamentais à absorção de CO2, como a floresta tropical amazônica ou o triângulo asiático de coral), têm temido assumirem a maior responsabilidade pela adoção de métodos necessários para se desenvolverem de modo distinto do predatório modelo, ao menos até então, seguido pelas nações desenvolvidas.

Foi assim desde a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente Humano em Estocolmo (1972), onde a polarização global se estabeleceu entre nações nortistas que, majoritariamente, se posicionaram pela responsabilidade igualmente distribuída pelo Planeta e exigindo a de preservação dos biomas climaticamente fundamentais por aquelas onde se situam; enquanto as nações sulistas, majoritariamente, se posicionaram por manter seu rumo desenvolvimentista, ainda que predatório, inclusive como pressão global para discussão de auxílios econômicos pelas nações desenvolvidas.

Apenas após 20 anos, durante a Conferência Internacional sobre Meio ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro (1992), o ime entre Norte e Sul globais alcançou uma fórmula básica para a sua superação: ao nela ser conceituado politicamente (pois já o era academicamente) o desenvolvimento sustentável que, extraído da noção econômica de sustentabilidade nas atividades pesqueiras, era proclamado como adoção de atividades presentemente comprometidas em não exterminar recursos atuais para gerações futuras, livres de maiores escassez e poluição ambientais.

Porém, embora a Conferência Rio-92 tenha celebrado as 2 primeiras Convenções, sobre Mudança Climática e Biodiversidade, por acordos entre as nações desenvolvidas (majoritárias no Norte global) e as então reunidas pelo G-77 (majoritariamente situadas no Sul global), também inaugurou a praxe internacional – continuada durante todas as Conferências posteriores, inclusive Acordo de Paris (2015) e em Baku (2024) – de prever transferências econômicas e tecnológicas do Norte ao Sul, sem cumprimento efetivo dos montantes previstos, nem fixando aplicações diretas deles em prol de um desenvolvimento sulista que, diferente do modelo econômico predatório tradicional, lhe assegurasse a sustentabilidade, agora definida como tão natural quanto social.

A rigor, do persistente ime Norte-Sul global advém todas as dificuldades que têm reduzido o alcance ou mesmo bloqueado avanços na pauta ambiental planetária. Afinal, o desenvolvimento sustentável se baseia na interdependência entre todos os quadrantes da Terra, reintegrando suas populações e climas regionais de modo coordenado no Mundo. Só assim haveria reintegração sustentável da Humanidade à Natureza em geral e um compromisso efetivo Norte-Sul continua sendo básico neste sentido.

Um foco energético para a COP30 1i206i

A comunidade científica acerta em destacar a necessidade da COP30 focar no tema da energia, cuja produção ainda largamente baseada em combustíveis fósseis é a fonte absolutamente maior do aquecimento global pela sua contínua liberação de gás carbônico (CO2) atmosférico (e suas consequências climáticas abrangentes das também negativas de exclusão socioeconômica, redução da biodiversidade e deslocamento populacional). Portanto, o critério para avaliar as decisões da COP30 será de como elas apontem para garantir e acelerar a transição energética mundial para ampliar produções energéticas renováveis pela Natureza, substituindo a ainda atual predominância mundial do petróleo e do carvão na geração de eletricidade.

Como a discussão de mudanças climáticas pela COP30 ocorre num momento em que, dentre as várias fontes renováveis de eletricidade (solar, eólica, geotérmica, biomassa, rios, marés, correntezas), a fornecida pelo hidrogênio, como elemento mais presente na Natureza, é tão tecnicamente dominada, quanto não gera CO2 (ou em quantidades pífias) quando separado da água por correntes elétricas e desde que advindas de outras fontes renováveis solares, eólicas, hídricas, oceânicas e geotermais. A junção destas fontes de correntes elétricas à separação do hidrogênio da água, como posterior fonte energética e armazenada, acarreta eletricidade de magnitude e sem carbonizar a atmosfera, ao menos em grau relevante.

Tal domínio tecnológico atual do hidrogênio obtido por fontes renováveis limpas de eletricidade na sua separação da água (denominado de H2V ou “hidrogênio verde”, por ser o único no qual a molécula de hidrogênio é obtida sem carbonização atmosférica ou outros danos ambientais) pode e deve ser o foco de uma transação política Norte-Sul que asseguraria o desenvolvimento sustentável das populações no Planeta.

À medida que o predomínio oceânico em sua composição (“hemisfério das águas”) e tropical em sua característica climática o torna mais suscetível às circulações de calor solar e, portanto, de movimentações atmosféricas e marítimas, o Sul é dum ponto de vista global o quadrante planetário mais apropriado à exploração das fontes renováveis pela Natureza – apesar delas não serem exclusivas de qualquer hemisfério. 

Neste sentido, focar no H2V (hidrogênio verde) para articular Norte e Sul globais, através de investimentos nortistas direcionados a fontes renováveis sulistas ajustadas para sua produção limpa e também direcionada do Sul ao Norte, resolveria o ime internacional crônico entre ambos:

– Solucionando o único problema técnico que impede ao H2V predominar sobre outras extrações de hidrogênio, todas com problemas de segurança e armazenamento ou captação e carbonização atmosférica: a geração elétrica em alta magnitude, cuja multiplicação de outras energias renováveis no Sul global seria assegurada pelo financiamento nortista de suas instalações e expansões sulistas.

– Solucionando a reciprocidade econômica-ecológica cuja indefinição sulista de aplicações tem, no mínimo, evitado investimentos nortistas em áreas socioeconômicas ou sendo restringidos a programas de preservação natural: a fixação de ajustes obrigatórios para H2V, pelas usinas energéticas renováveis financiadas e de cotas do hidrogênio separado para o Norte global, tornaria ambos os quadrantes planetários energeticamente interdependentes para a substituição efetiva dos combustíveis fósseis no Planeta.

Conclusões 3d3047

Cabe ao Brasil, não porque nossas hidrelétricas geram predominante energia renovável e limpa, mas porque nossa condição territorial e marítima nos torna aptos às várias fontes renováveis, postular à COP30, juntamente com o Sul global, pela articulação sinergética com o Norte global, sobre o hidrogênio verde como substituto mundial preferencial das energias finitas e sujas. Uma tal prioridade técnico-econômica tanto levaria à substituição mais rápida das fontes energéticas predominantes, quanto ampliaria o leque das demais renováveis e superaria o ime Norte-Sul se a arte política internacional articulasse ambos num compromisso mundial reciprocamente positivo de exploração do H2V

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Julio Lopes 3v3363

    Pesquisador Titular em Ciência e Tecnologia da Casa Rui Barbosa

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