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Calculando o incalculável 456o4x

Divulgada em março, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio foi recebida como profecia de fim dos tempos. A novidade está na metodologia usada pelos cientistas.

20 de abril de 2005 · 20 anos atrás
  • Flávia Velloso e João Teixeira da Costa 6b2x6v

  • Flávia Velloso f5e13

  • João Teixeira da Costa 2g4m49

A Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AM) é, na complexidade do tema e no aparato organizacional, uma tarefa comparável àquela dos painéis que vêm avaliando as mudanças climáticas. Mais de 1300 cientistas de 95 países foram mobilizados para preparar (e revisar) o relatório, encomendado em 2001 pelo secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan.

O aparato organizacional não é uma imposição burocrática, ou uma tentativa de criar empregos para os amigos; dada a amplitude do tema proposto, era necessário que um grande número de especialistas estivessem envolvidos no processo. Ao mesmo tempo, era preciso assegurar que o produto corresponderia ao consenso científico. As discussões em torno do problema do aquecimento global mostram o quanto isso é importante, pois é inevitável que um relatório desse tipo enfrente resistências daqueles cujos interesses econômicos ou políticos serão afetados. É preciso, portanto, mostrar que as conclusões têm o apoio da comunidade científica, e não se trata de alarmismo de um bando de eco-chatos, como freqüentemente alegam os céticos.

E o que dizem os cientistas? São vários os documentos no website da AM, mas o ponto de partida deve ser a mensagem da junta coordenadora (disponível em português). Aqui, por sinal, já surge um problema. A mensagem da junta não é um sumário da Avaliação, é uma interpretação das suas mensagens. Um crítico poderia questionar o ruído introduzido no processo por essa junta, mas parece razoável imaginar, até prova em contrário, que esse documento deve refletir o conteúdo da Avaliação.

O método usado na Avaliação pode assustar alguns ambientalistas pelo seu antropocentrismo, mas serve como boa base de discussão. A idéia é identificar os serviços que os ecossistemas prestam às populações humanas, para fazer um balanço das suas condições e recomendar linhas de ação para o futuro.

Alguns desses serviços são mais óbvios do que outros. As florestas, por exemplo, fornecem diversos benefícios. Alguns deles – madeira, lenha, produtos extrativos – têm valor econômico, mas outros não. O controle do clima através da captura de carbono e a proteção de mananciais são serviços de grande valor, mas que não têm preço.

Se esses benefícios tivessem valor monetário, dificilmente a destruição das florestas tropicais estaria ocorrendo no ritmo atual. Mas o fato é que o balanço dos serviços do ecossistema encontra-se altamente desequilibrado. Entre os 24 serviços elencados na Avaliação, os autores só identificaram melhora das condições em quatro. Na provisão básica de alimentos, observa-se um aumento substancial na produção das lavouras, na criação de animais e na aquacultura. Em compensação, a atividade pesqueira e a produção de alimentos não cultivados estão em claro declínio. E o aumento da produção de alimentos tem um alto custo ambiental, tanto em termos de ecossistemas destruídos pela expansão da agricultura, quanto pela poluição causada pelo uso excessivo de fertilizantes e defensivos.

Há perda de recursos genéticos em função da extinção de espécies, e perda de serviços bioquímicos e farmacêuticos, por causa das extinções e do plantio excessivo. Quanto à água doce, o seu uso não sustentável compromete os serviços de água potável e de geração de energia. Nos serviços de controle, o balanço é quase inteiramente negativo, com declínio na capacidade de controle natural da qualidade do ar, da erosão e de pragas, assim como na capacidade de polinização e na purificação da água e tratamento de resíduos.

Há ainda mais razões para alarme. Algumas das mudanças acima são irreversíveis – como a extinção de espécies, por exemplo. Em outros casos, como o da água doce, as estatísticas não parecem indicar uma catástrofe iminente, mas a sua distribuição irregular ao redor do globo significa que alguns estão bem-servidos, e outros não. O que é uma receita para o conflito. Finalmente, os cientistas que elaboraram o relatório alertam para a insuficiência do conhecimento científico sobre os sistemas naturais, que muitas vezes agem de maneira imprevisível. Diante dos caprichos da “máquina viva que é a Terra”, argumentam, é necessário agir com cautela – e avançar nas pesquisas.

As conclusões do estudo não são tão pessimistas quanto se poderia imaginar. Há muito que podemos fazer para reverter as tendências de uso insustentável dos serviços dos ecossistemas. O relatório divide as medidas em quatro categorias: economia, políticas públicas, comportamento individual e tecnologia. Todas são importantes, mas as econômicas merecem uma discussão adicional. É necessário fazer com que o valor dos serviços seja considerado em todas as transações, que sejam retirados os subsídios à pesca predatória e outras atividades que causam dano ao meio ambiente, e que se estabeleçam mecanismos de mercado para remunerar os proprietários de terra pelo manejo sustentável, e mecanismos de mercado para reduzir a emissão de poluentes e de carbono.

Há gente tentando colocar esses princípios em prática. No website Ecosystem Marketplace já é possível encontrar casos reais de uso de instrumentos de mercado na defesa da biodiversidade e no manejo de recursos naturais como a água, por exemplo. É verdade que se tratam ainda na sua maior parte de projetos pioneiros e que os valores envolvidos ainda são pequenos. Mas é preciso começar por aí para mostrar que esses instrumentos são viáveis. Quando o resto do mundo acordar para o imperativo da sustentabilidade, o território já estará ocupado por aqueles que souberam antecipar a oportunidade.

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