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Coisas de que o Brasil precisa saber 4r2y4a

Com tanta notícia ruim no front ambiental, é bom saber no cinqüentenário do livro Grande Sertão; Veredas que nos Gerais um parque com esse nome deu certo.

31 de maio de 2006 · 19 anos atrás
  • Verônica Theulen 4e1i27

Ao iniciar esta coluna tenho um conflito interno enorme. Acabo de escrever, olho para o texto e não sinto nada, simplesmente não gosto do que escrevi. Deparo-me com dados alarmantes sobre a constante destruição do Cerrado. Estou cheia de dados alarmantes, mostrando em números o caos que o Cerrado vive. Sinto-me cansada deste governo que não faz nada, mas também não difere de nenhum outro quando se trata de conservar o Cerrado. Para falar de conservação precisamos conquistar as pessoas, envolvê-las, seduzi-las, enfim, encantá-las. E dados alarmantes só afastam mais as pessoas de seus problemas.

Desisto do que estou escrevendo, afinal de contas acabo de voltar do Festival da América do Sul, dos confins de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, lá onde o Pantanal abre suas portas. Durante 8 dias foi arte e cultura por todos os lados. Descobri um país que não conhecia, um país diferente. Falar de conservação no meio desta programação festeira é uma enorme oportunidade, mas também um grande desafio. De um lado as pessoas são receptivas. De outro, estão acostumadas com arte, que é emoção pura. Não cabem ali notícias ruins, apenas as coisas belas.

Meu desafio foi falar de conservação como artista, como poeta, com arte, com beleza. Sem deixar de ser técnica. Por isso, neste ritmo, hoje quero falar de Cerrado, quero escrever que é um lugar encantador, onde as estações mesclam as notas, e no céu despontam os mais belos entardeceres, e quando a seca chega os tons de laranja pincelam o infinito.

Neste mês Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, completou 50 anos, com seu céu pesado de nuvens, um clássico que transborda cultura e beleza. Isso tem que ser comemorado. Nele se lê que os Gerais, caracterizados por possuir extensos campos de veredas, não tinham fim. Hoje, ados 50 anos, sabemos que os Gerais são bem finitos, muito mais finitos do que possamos imaginar, ou mesmo do que Guimarães Rosa, com toda a sua poderosa imaginação, imaginou. Mas eles continuam maravilhosos. Lamentavelmente quase todos os Gerais já se foram. Mas com o que sobrou ainda dá para falar de Gerais, nem que seja de um restinho só.

As descrições que usei vêm daquela que é considerada uma das obras mais fantásticas da literatura brasileira – Grande Sertão: Veredas, naturalmente. E, para nós, conservacionistas, repousam naquela que é a única unidade de conservação que protege os Gerais, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, criado em 1989, nos estados de Minas Gerais e Bahia. Lugar que resguarda maravilhas naturais, de beleza espantosa. As veredas que se misturam aos campos e protegem as mais lindas paisagens dos Gerais, a Vereda do Rio Preto, o rio Carinhanha, o Morro dos Três Irmãos, os lobos que namoram nos meses de maio, uma natureza preservada.

O Parque nasceu em 1989, resultado de um esforço conjunto do poder público e da vontade privada. Começou com o primeiro estudo conduzido pela Funatura, com a participação de Bráulio Dias, Maria Tereza Jorge Pádua, Paulo Antas e José Machado, que estiveram à frente de estudos para a seleção de áreas prioritárias para criação de unidades de conservação. Maria Tereza brigou muito para criá-lo. Mais tarde, em 2004, o Parque foi ampliado, assegurando a defesa de outras áreas fundamentais para a proteção dos Gerais. E neste processo, entre outras pessoas, ficamos devendo muito a Sergio Brant, do IBAMA, que esteve à frente de toda esta ampliação. Mas isso tudo não aparece, pouco se fala de seu trabalho, pouco se lembra, pouco se valoriza. Afinal de contas, isto é Brasil. Onde o presente quer desembocar no futuro sem as pessoas que fizeram o ado. Mas o Brasil também precisa saber que de vez em quando há conquistas.

A história do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, não pode esquecer da Lourdes Maria Ferreira, ecóloga, com um curriculum invejável de atividades em todo o Brasil, ela é cerratense nata. Nasceu, estudou e trabalhou no Cerrado. Conservacionista de princípios tem valentia e coragem. É daquelas que tocam grandes projetos na contramão das prioridades nacionais. Mas acima de tudo tem emoção. Ela é também daquelas que adoram o Cerrado. Sua história tem muito para ser contada, mas vou me restringir ao Parque Nacional Grande Sertão: Veredas. Esteve à frente da primeira, e única, conversão da dívida externa para conservação, quando ainda trabalhava na Funatura, num projeto que foi idealizado com muito esforço, dedicação e profissionalismo, um projeto de longo prazo, concebido para 20 anos de ações. São coisas boas de que o Brasil precisa saber.

Rio Preto, Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Foto: Elildo Carvalho Jr

Além de ter idealizado todo o Programa Grande Sertão Veredas e ter viabilizado este projeto de conversão da dívida externa, coordenou, em 1995, o projeto capacitação e vivência ambiental apoiado pela Fundação O Boticário de Proteção a Natureza. Este projeto foi inovador na área de capacitação no Cerrado, ou quem sabe o único com formato conservacionista. O grande objetivo foi à formação de massa crítica conscientizada, que se constituiriam em agentes multiplicadores do processo como um todo, ou seja, capacitar pessoas para dar continuidade ao processo de conservação neste país. O alvo do projeto foi o pessoal da região do Parque e interessados de todo o Brasil. Originalmente foi idealizado para capacitar uma única turma de 10 pessoas, ao final foram 3 turmas, totalizando 42 pessoas capacitadas de todo o Brasil. Mas o que realmente impressiona é que este projeto teve o apoio de U$7.000,00 dólares, que na época, equivalia a R$ 6.300,00 reais, isso mesmo, seis mil e trezentos reais, dividido em 6 parcelas. Quanta eficiência na gestão dos recursos, coisas que o Brasil precisa saber.

Por isso o Brasil precisa saber que, embora com muitas dificuldades, temos algumas experiências positivas. Há pessoas que dedicam parte ou totalidade das suas vidas pela conservação do Cerrado, entusiasmando pessoas.

O Brasil precisa saber que é possível fazer diferente, que é viável mudar o quadro atual, ter dados positivos para comemorar. Precisamos de coisas boas, de entusiasmo e encantamento, afinal de contas trabalhar com conservação da natureza é acima de tudo uma opção de vida, e precisamos ver resultados positivos. Por isso o Brasil precisa saber que, embora com muitas dificuldades, temos algumas experiências positivas. Há pessoas que dedicam parte ou totalidade das suas vidas pela conservação do Cerrado, entusiasmando pessoas. Mas há dias que precisamos nos voltar para aqueles dados assustadores, que muitas vezes sobrepõe às coisas boas, aqueles que foram desprezados no início deste texto, porque o Brasil também precisa saber disso.

*Esse texto foi editado em 05/04/2024 para repaginação

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