Colunas

Energias alternativas e veículos elétricos 1y584v

É urgente que mudemos – o quanto antes – a matriz energética mundial. Novas fontes de energia estão disponíveis para a sociedade; dependem somente de vontade política

16 de outubro de 2009 · 16 anos atrás
  • Carlos Gabaglia Penna 6e5r57

    Professor de Engenharia Ambiental da PUC-Rio, pós-graduado em Gerenciamento Ambiental pela Universidade de Tufts (EUA) e mest...

Eólica. Foto: Rodrigo Édipo.

O potencial de aplicação de energias alternativas é bastante elevado e, apesar da necessidade de melhorias técnicas na maioria delas (cujo exemplo mais nítido é o da fusão nuclear), a sociedade humana já poderia estar usando-as atualmente em larga escala. Um dos argumentos contrários enfatiza que elas são mais caras do que os combustíveis fósseis e as grandes barragens (para geração de energia elétrica) e, portanto, não poderiam competir com estas fontes. Em realidade, os maiores obstáculos não são técnicos ou econômicos, mas sim os lobbies de grandes empresas de energia, principalmente as de petróleo.

Bem, se desejamos livrar-nos da dependência de combustíveis fósseis, altamente poluentes e não renováveis, temos que investir maciçamente nessas novas fontes. Isso e políticas adequadas de governo, incluindo incentivos fiscais, tornarão os preços da “energia verde” íveis. A propósito, isso já está ocorrendo, como demonstra o extraordinário crescimento das energias renováveis nos últimos 10 anos.

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), a geração acumulada de energia eólica, solar e de ondas atingiu, em 2003, o equivalente à energia produzida por quase 10 milhões de toneladas de petróleo (medida em toneladas de óleo equivalente), um aumento de 4,2 vezes em relação a 1990. Somente a Europa utilizou, naquele ano, quase 47% dessas energias e a América do Sul apenas 0,7%. Os Estados Unidos respondem por 24,8% desse consumo, a Alemanha por 19,3%, a Espanha por 11,3%, a Dinamarca – com apenas 5,4 milhões de habitantes – por 5%, enquanto que o Brasil por míseros 0,05% (o México, p. ex., produz 14 vezes mais dessas energias do que o Brasil).

Como a capacidade instalada dessas fontes é ainda muito pequena em comparação com as tradicionais, sem dúvida os aumentos da geração energética de vento, sol, biomassa e outras são sempre expressivos em termos percentuais. Contudo, a evolução vertiginosa da utilização de fontes renováveis, que persiste alta há muitos anos, é um sinal animador da sua inadiável – e inevitável – adoção.

A produção de energia fotovoltaica (PV) – conversão de energia solar em eletricidade – cresceu 51% em 2007, atingindo 3.733 Megawatts (MW). De acordo com algumas estimativas, as instalações globais de células solares acumulam, desde 1996, mais de 9.740 MW, o suficiente para atender a demanda anual de mais de três milhões de lares europeus (J. L. Sawin, 2009). Em cinco anos, a produção global de PVs multiplicou-se por sete e a capacidade instalada por mais de cinco.

Placas solares. Foto: wikipédia.

Para acentuar a importância das células fotovoltaicas, Dr. Gerhard Knies, um físico alemão especialista nessa forma de energia, afirma que os desertos do mundo recebem, em apenas seis horas, mais energia solar do que a sociedade humana pode consumir em um ano.

A capacidade global de energia eólica alcançou 100.000 MW em abril de 2008. No final de 2007, o aumento dessa capacidade foi de 27% em relação ao ano anterior. A cada ano, novas instalações de energia de vento superam as do ano anterior em números absolutos. Nesse mesmo ano de 2007, as instalações de moinhos de vento cresceram 18% na União Europeia, o que correspondeu a 40% das novas instalações – de todas as fontes – ao longo do continente. A Alemanha é o país, no mundo, que gera a maior quantidade de energia eólica, seguida pelos EUA, cuja energia de vento é suficiente para abastecer 4,5 milhões de lares americanos (Sawin, 2009). Ventos foram responsáveis, em 2007, por 21% da produção de energia dinamarquesa.

O consumo de energia de biomassa, conforme a IEA, atingiu quase 1,1 bilhão de toneladas de petróleo equivalente em 2005, um aumento de 23,6% em referência a 1990. O Brasil foi responsável por 5,2% desse montante, pouco acima dos EUA (5,1%), mas bem abaixo da China, que produziu 20,2% da biomassa deste ano.

Os biocombustíveis têm sido alvo de grandes controvérsias. O rápido crescimento da sua produção, nos últimos anos, contribuiu para o aumento acentuado dos preços da soja, de alimentos e de grãos para a pecuária. Estudos do Worldwatch Institute sugerem que os custos ambientais dos biocombustíveis de primeira geração, produzidos em larga escala, podem superar os benefícios. Se tal produção é mecanizada, um sistema em alta no mundo, é indispensável que se considere a emissão de gases do efeito estufa (g.e.e.) através da fabricação, do transporte e da aplicação de pesticidas e fertilizantes químicos, do uso de combustíveis no maquinário, do bombeamento da água de irrigação, da operação da refinaria e do transporte do biocombustível, além, obviamente, do próprio uso.

Naturalmente, os danos ambientais serão bem mais elevados se o plantio dos vegetais (milho, soja etc.) for realizado às custas de ecossistemas nativos, principalmente florestas. No entanto, algumas estimativas para o biodiesel à base de soja indicam uma melhoria de 41% nas emissões de g.e.e. em comparação com o diesel convencional. O etanol produzido a partir do milho, que é o predominante nos EUA, é bem menos eficiente. O consumo de água representa um dos maiores gargalos para o biodiesel, pois a par da sua poluição (em função dos altos índices de fósforo e nitrogênio liberados nos corpos hídricos), sua produção demanda, para cada unidade de volume de biodiesel, até quatro vezes esse volume em água. Essa relação é bem maior – em até centenas de vezes – se considerarmos a água aplicada na irrigação.

“Uma grande esperança repousa sobre os biocombustíveis de terceira geração, fabricados com a utilização de algas.”

Uma grande esperança repousa sobre os biocombustíveis de terceira geração, fabricados com a utilização de algas. Microalgas são organismos unicelulares fotossintéticos que combinam energia solar com CO2 e outros nutrientes para a formação de uma biomassa rica em óleos naturais. Potencialmente, essas algas podem produzir até 100 vezes mais óleo por área do que culturas agrícolas usuais, como a de soja.

Em talvez duas ou três décadas, o hidrogênio (H) será uma fonte de energia abundante e totalmente limpa. Como enfatiza o engº Emilio Hoffmann G. Neto em Hidrogênio: evoluir sem poluir, “os veículos poderão ser pequenas usinas geradoras de energia e as próprias residências irão produzir a sua energia, transferindo [o superávit de] eletricidade para outras casas”. A liberação de hidrogênio por meio da hidrólise da água pode ser realizada com a utilização de fontes renováveis de energia.

Os veículos movidos a células de combustível (que alimentadas com H, liberam energia elétrica e água) poderão ter um motor elétrico em cada roda, ou seja, dispensarão os custosos e não muito eficientes sistemas de transmissão de motores a combustão (G. Neto). Os motores elétricos apresentam rendimentos bem superiores aos movidos a combustão, cuja eficiência é baixa, variando entre 13% e 25% para motores a gasolina e 30% e 35% para os a diesel.

Veículos elétricos são as alternativas ideais para se eliminar os impactos ambientais do sistema de transporte que utiliza combustíveis líquidos. Eles não emitem poluentes, ou seja, g.e.e. e gases e partículas que provocam danos à saúde humana e ao meio ambiente em centros urbanos, e podem ser recarregados diretamente da rede de energia elétrica. Suas baterias de íons de lítio receberão carga enquanto seus proprietários estiverem no trabalho ou durante a noite, quando a rede de energia é subutilizada. Essa demanda de energia não é maior do que a de uma máquina de lavar pratos.

Obviamente há ainda muitas questões a se resolver: por exemplo, como atender à demanda extra de eletricidade para um grande número de carros elétricos? O ideal é que essa expansão da oferta de eletricidade seja majoritariamente proporcionada por fontes modernas, como solar, eólica, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), resíduos agrícolas (biomassa), hidrogênio etc.

Carro elétrico. Ligue na tomada. Foto: Edurado Pegurier.

As perspectivas são bem maiores do que imaginam os céticos e aqueles que defendem apenas os interesses dos seus negócios, quando tentam desmoralizar as fontes limpas e renováveis. Um estudo recente mostra que a construção de centrais de energia solar em menos de 0,3% dos desertos do norte da África e do Oriente Médio geraria eletricidade suficiente para satisfazer as necessidades locais dessas regiões e ainda as da União Europeia. Existem planos de se construir centrais elétricas solares na Argélia e, através de cabos de 3.000 quilômetros, fornecer 6.000 MW à Alemanha. Uma fundação alemã trabalha com o potencial de 100 mil MW de energia solar nos desertos citados.

Uma empresa israelense-americana, denominada Better Place, está começando a vender veículos elétricos e a criar uma rede nacional de postos de recarga em Israel e na Dinamarca. Pretende atingir – em cada um dos países – cerca de 100.000 desses veículos no final do próximo ano. Os carros serão abastecidos por energia solar em Israel e eólica na Dinamarca. Better Place está discutindo a implantação de projetos semelhantes em 25 nações. As fabricantes de automóveis General Motors e Nissan-Renault planejam lançar carros elétricos dentro dos próximos dois anos.

As questões ambientais precisam estar, cada vez mais, no centro das decisões econômicas e sociais. Inquestionavelmente, um dos pontos cruciais é o de geração e fornecimento de energia. É urgente, portanto, que mudemos – o quanto antes – a matriz energética mundial, ou seja, que abandonemos, na maior velocidade possível, os combustíveis fósseis (o petróleo, p. ex., teria um uso muito mais nobre caso servisse apenas para a fabricação de bens duráveis e para outros usos industriais). Novas fontes de energia estão disponíveis para a sociedade; dependem somente de vontade política, isto é, de espírito público e determinação da sociedade.

*Editado às 01h53, do dia 24/04/2019, para melhoria da diagramação e recorte de fotografias. O texto não foi alterado.

 

Leia Também 

A Revolução Verde é insustentável

Colapso econômico ou ambiental?

Lixo urbano, desafios e tecnologias

 

Leia também 84q8

Colunas
3 de novembro de 2008

Lixo urbano, desafios e tecnologias 271k2j

Enquanto a montanha de lixo cresce, o Brasil segue sem uma política de resíduos sólidos. Outros países têm exemplos práticos para se resolver o problema. Por aqui, falta ação.

Colunas
27 de novembro de 2008

Colapso econômico ou ambiental? 2q1s5c

Economia tornou-se abstração, com fim em si mesma e dissociada da geração de empregos no mundo real. Frente à crise ambiental, ainda se estimula o consumo desenfreado

Colunas
16 de abril de 2009

A Revolução Verde é insustentável h365h

É inevitável rever a produção de alimentos e a agricultura orgânica é um dos caminhos. Alimentar a população humana não necessita de aumento contínuo da produção

Mais de ((o))eco 6q6w3q

carro elétrico 59922

Reportagens

Preconceito barra carro elétrico, diz estudo 3n2w52

Notícias

Sem mistério: carro elétrico é fácil de dirigir u2mz

Notícias

Grupo de engenheiros de Londrina cria o Fusca elétrico 1q6m5k

Notícias

Aperte o botão de “on” 656q4a

energia renovável 1g6r3c

Salada Verde

Peça musical ensina crianças do Rio sobre energias renováveis e carreira científica 2a305z

Salada Verde

Governo abre consulta pública sobre energias renováveis 4qd5l

Notícias

Renováveis sobem na matriz global (mas não fazem nem cócegas nos fósseis) 5e143g

Reportagens

Renováveis batem novo recorde, mesmo com queda em investimento 621pr

fauna 1xr1c

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 4o4w5q

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Salada Verde

Ação prende casal que capturou macaco-prego no Parque Nacional da Tijuca 6j353g

Salada Verde

Plataforma aborda tráfico de animais em três países 4m829

ibama 606926

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 1v428

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal h1y5h

Salada Verde

Assassinato de onça-pintada será investigado pela fiscalização federal 3l4w5s

Salada Verde

Processo contra Salles por contrabando de madeira volta ao STF y6b42

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 1 2p2l4m

  1. Elen diz:

    10 anos depois, e o texto continua extremamente atual. Parabéns pelo texto e obrigada por compartilhar