Colunas

Onça-Pintada: 3 décadas de publicações científicas 1b3t6c

O número expressivo e crescente de profissionais dedicados à pesquisa sobre onças no país mostra a liderança do Brasil na conservação da espécie

21 de dezembro de 2010 · 14 anos atrás
  • Silvio Marchini 5l2051

    Doutor em Conservação da Vida Silvestre, Empreendedor da Conservação (E-Cons), fundador da Escola da Amazônia e membro do Ins...

A onça Índia, imagem capturada por armadilha fotográfica dentro do Parque Nacional do Iguaçu. Foto: Projeto Parques do Iguaçu.

A onça ocupa uma posição excepcional nas mais diversas formas de registro feitas pelo homem, de pinturas rupestres à nossa cédula de 50 reais. Na literatura científica, porém, ela tem tido uma presença relativamente pouco expressiva. Somente nas últimas três décadas é que cientistas têm descrito os hábitos das onças na natureza. O zoólogo George Schaller fundou a literatura ecológica sobre a espécie e atualmente seu legado está mais presente no Brasil do que em qualquer outro país.

Em 1978, George Schaller e José Manuel Vasconcelos publicaram o artigo Jaguar Predation on Capybara (“Predação de Capivara por Onças”). O nome do periódico em que publicaram o artigo é quase impronunciável para a maioria dos brasileiros – Zeitschrift für Säugetierkunde – mas a publicação era resultado de pesquisas realizadas no Brasil, mais precisamente no Pantanal do Mato Grosso do Sul. Com o artigo, Schaller e Vasconcelos fundaram a era moderna da literatura ecológica sobre onças, tanto no Brasil quanto internacionalmente.

Não que as onças não tivessem atraído a atenção de estudiosos até então. Pelo contrário, o maior e mais fascinante predador terrestre do nosso país sempre teve destaque nas crônicas dos exploradores e naturalistas que se aventuravam pelo interior do Brasil. O primeiro relato sobre onças no país data de 1557 e foi feito pelo marinheiro alemão Hans Staden. Em seu livro Duas Viagens ao Brasil, Staden relata que “há também muitos tigres naquela terra, que estraçalham homens e causam muitos danos”. A obra de Staden e de outros exploradores do século XVI definiram a tônica do que viria a ser escrito sobre onças nos séculos seguintes: seus hábitos predatórios, principalmente quando percebidos como ameaça ao homem e seus animais domésticos, e sua perseguição por caçadores e fazendeiros. Entre os naturalistas dos séculos XVIII e XIX, notavelmente Rodrigues Ferreira, Spix, Wallace e Bates, a ecologia alimentar da onça também foi tema recorrente, embora descrições de caçadas à onça merecessem espaço significativo em suas crônicas.

“Foram justamente relatos de caçadas no Brasil, mais especificamente no Pantanal, que dominaram a literatura sobre onças nos primeiros três quartos do século XX.”

Foram justamente relatos de caçadas no Brasil, mais especificamente no Pantanal, que dominaram a literatura sobre onças nos primeiros três quartos do século XX. O primeiro e talvez mais influente autor desse período foi Theodore Roosevelt. Em 1913, o caçador e ex-presidente dos Estados Unidos se juntou a Cândido Rondon em uma expedição para desbravar o “selvagem oeste brasileiro”. Em sua agem pelo Pantanal, Roosevelt participou de caçadas à onça, as quais descreveu no ano seguinte em seu livro Nas Selvas do Brasil. Outro aventureiro lendário que deixou um registro detalhado de suas caçadas foi Sasha Siemel. Nascido na Letônia, Siemel ou parte de sua vida no Pantanal, onde ganhou notoriedade como o único homem branco capaz de caçar onças com zagaia (a zagaia é uma lança comprida que deve ser segurada com firmeza pelo caçador de modo que a onça, ao se lançar sobre ele, seja empalada). Em 1953, Siemel publicou suas memórias de empalador de onças no livro Tigreiro!. Finalmente, em 1976, Toni de Almeida publicou o livro Jaguar Hunting in the Mato Grosso and Bolivia. Almeida era caçador e guia de safáris de caça para estrangeiros, mas tinha o hábito de anotar o peso, o tamanho e o conteúdo estomacal das onças que matava. Foi o primeiro a fazer isso. Como resultado, seu livro forneceu a mais completa informação sobre biologia e ecologia de onças no Pantanal antes de Schaller.

Não é de se surpreender, portanto, que Schaller tenha escolhido o Pantanal para realizar o primeiro estudo científico sobre onças. Schaller veio ao Brasil em 1977 para estudar a ecologia da onça e suas presas, em um projeto conjunto entre a New York Zoological Society (hoje Wildlife Conservation Society – WCS) e o IBDF (hoje Ibama). Em 1978, o brasileiro Peter Crawshaw se tornou a contrapartida nacional no projeto. Juntos, eles foram os primeiros a usar colares com transmissores de rádio para investigar o movimento de onças. Em 1980, publicaram o artigo Movement Patterns of Jaguar. No mesmo ano, Schaller se mudou do país, deixando em seu lugar o americano Howard Quigley. Crawshaw e Quigley aram a trabalhar em uma fazenda em Miranda e juntos publicaram, entre 1984 e 1992, vários artigos sobre a onça pantaneira. Crawshaw continuou seu trabalho sobre onças e responde hoje por mais publicações sobre ecologia e conservação da espécie do que qualquer outro pesquisador.

Foi somente em 1986 que pesquisas sobre onças conduzidas em outros países começaram a ser publicadas. Naquele ano, o americano Alan Rabinowitz publicou dois artigos sobre ecologia e problemas de predação do gado doméstico em Belize, além do livro Jaguar, no qual descreve seu esforço para criar naquele país a primeira reserva dedicada à conservação das onças. Rabinowitz, que começou seu trabalho em Belize em 1983 a convite de Schaller, estabeleceu as bases para um programa duradouro de pesquisa, que hoje responde por boa parte das pesquisas em andamento. Também em 1986, o veterinário Rafael Hoogesteijn publicou seu primeiro artigo sobre a situação das onças na Venezuela. Hoogesteijn foi autor de várias publicações influentes nas duas décadas seguintes, entre elas o Manual sobre os Problemas de Predação Causados por Onças em Gado de Corte. Junto com outros pesquisadores também dedicados ao estudo da ecologia e conservação das onças em grandes fazendas de gado nos Lhanos venezuelanos, Hoogesteijn fez da Venezuela um dos países que mais contribuíram para a literatura científica sobre onças.

A partir de meados dos anos 90, México, Argentina, Bolívia e Estados Unidos aram a fazer contribuições importantes. Outros países que também produziram publicações são Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Panamá, Paraguai e Perú. Em 1999, a WCS e a Universidade Nacional Autônoma do México reuniram naquele país 30 especialistas em onças, representando 10 países, entre eles o Brasil, para apresentarem informação atualizada em diversas linhas de conhecimento sobre a espécie. Os resultados foram publicados em 2002 no livro El Jaguar en el Nuevo Milenio, a maior compilação de artigos sobre onças em um só volume já publicada. Não obstante, o Brasil, berço da pesquisa sobre onças, continua sendo o país com maior número de publicações sobre a espécie. O número expressivo e crescente de profissionais dedicados à pesquisa sobre onças no país e o apoio de instituições nacionais e internacionais influentes tais como Pró-Carnívoros, Instituto Onça-Pintada, WCS e Panthera, sugerem que a liderança do Brasil na pesquisa, conservação e, consequentemente, literatura científica sobre onças vai continuar nos próximos anos. Trinta anos depois, o legado de George Schaller continua mais presente no Brasil do que em qualquer outro país.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

Leia Também 

George Schaller: “As pessoas querem amar a onça-pintada”

 

Leia também 84q8

Reportagens
9 de outubro de 2014

George Schaller: “As pessoas querem amar a onça-pintada” 1a5q1j

Em entrevista exclusiva a ((o))eco, o legendário biólogo reflete sobre a carreira, o amor pela conservação e por motivar as novas gerações.

Reportagens
19 de maio de 2025

Maior área contínua de Mata Atlântica pode ser mantida com apoio do turismo 1525x

O setor e outras economias que assegurem ambientes naturais e populações locais precisam de mais investimentos e incentivos

Reportagens
16 de maio de 2025

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador s201v

Nos últimos 30 anos, as três empresas que operaram o bloco 10 adotaram estratégias para fragmentar as comunidades e torná-las dependentes de suas atividades. Mas organizações indígenas resistem a essa pressão

Mais de ((o))eco 6q6w3q

onças-pintadas 49e2k

Salada Verde

Onças-pintadas diurnas filmadas em reservas privadas no sul da Amazônia 353d8

Salada Verde

Duas onças-pintadas são atropeladas em rodovia que corta parque estadual em SP 2dv5q

Notícias

Como os incêndios de 2020 afetaram onças-pintadas no Pantanal 1xf3y

Notícias

Onças encontradas mortas no Pantanal foram envenenadas por agrotóxico, conclui PF 264p4y

pesquisa 54495r

Reportagens

O quão pouco já vimos das profundezas do mar 6e6p51

Salada Verde

FUNBIO abre bolsas para financiar pesquisas de mestrandos e doutorandos 3s68j

Análises

Mudanças climáticas: do medo às atitudes conscientes 2a5y63

Notícias

9 em cada 10 brasileiros perceberam mudanças climáticas nos últimos anos, diz pesquisa 4g4l4r

pantanal 1v2d51

Análises

O que cai do mundo não volta mais 47361

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal h1y5h

Reportagens

Hidrovia trará mais desmate, agro e mineração ao Pantanal e ao Cerrado 3172c

English

The conservation of the lesser anteater in the Pantanal depends on protecting the giant armadillo 3t4n7

conservação 4y3hz

Reportagens

Maior área contínua de Mata Atlântica pode ser mantida com apoio do turismo 1525x

Salada Verde

Evento no RJ discute protagonismo da juventude no enfrentamento da crise climática 5o3n5g

Reportagens

Polícia do Amazonas aperta o cerco contra a exploração de animais silvestres 4b6y5s

Colunas

Leão XIV no cenário climático 711a2i

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.