Colunas

Margem de manobra ambiental do Executivo posta em prova 5m1647

Justiça reduz margem para governantes usarem seu poder discricionário e encontrarem brechas nas leis que regulam atividades de impacto.

15 de julho de 2014 · 11 anos atrás
  • Guilherme Purvin b6j5b

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

Condomínio Portal da Vila Inglesa, em Campos de Jordão. Uma intervenção em área de preservação permanente que levou o STJ a discutir a discricionariedade das decisões da istração Pública. Fonte: Anúncio
Condomínio Portal da Vila Inglesa, em Campos de Jordão. Uma intervenção em área de preservação permanente que levou o STJ a discutir a discricionariedade das decisões da istração Pública. Fonte: Anúncio

Até um tempo atrás, aproveitando a elasticidade do conceito de “discricionariedade”, os governantes conseguiam contornar todas as restrições impostas pela legislação ambiental e urbanística para atender aos interesses dos financiadores das suas campanhas políticas. Se uma lei, por exemplo, proibisse genericamente a construção de prédios numa região e, numa de suas disposições finais, previsse a remota possibilidade de sua construção, desde que caracterizado o interesse público e definidas compensações ambientais efetivas, tais disposições eram suficientes para esvaziar completamente a regra geral. Para tanto, bastaria ao governante de plantão declarar esse interesse público e fixar qualquer regrinha inócua para o empresário-cliente e o terreno estaria totalmente aplainado. Décadas e décadas de desmandos e imoralidade istrativa têm levado o Poder Judiciário brasileiro a reavaliar os limites da discricionariedade istrativa.

O conceito de discricionariedade diz respeito ao desempenho, pela istração, das funções que lhe são constitucional e legalmente atribuídas. O cumprimento destas funções poderá estar inteiramente delineado pelo sistema jurídico e, nesta hipótese, não disporá a istração de opções para o desempenho de suas funções: ela estará vinculada às regras fixadas em lei e só disporá de uma única forma para cumprir as exigências legais. No Direito Ambiental, encontramos diversas hipóteses de vinculação do , tanto no que diz respeito a aspectos materiais ou fáticos (exemplo: proibição de atividades que provoquem emissões sonoras acima de determinado índice em áreas residenciais após as 22 horas) como formais ou procedimentais (ex: realização de audiências públicas nos licenciamentos de atividades sujeitas a estudo prévio de impacto ambiental).

Poder limitado

“(…) a mudança de orientação de nossos tribunais é bastante salutar e vem colocar um basta no cheque em branco que o Poder Legislativo muitas vezes acaba por conceder ao Executivo quando se trata de defesa do meio ambiente.”

Por dizer respeito à proteção da vida em todas as suas formas, a istração Ambiental lida uma imensa gama de aspectos que exigem diálogo entre as mais diversas especialidades técnicas, dentre as quais Biologia, Engenharia Florestal, Saúde Pública, Engenharia Química, Medicina, etc. Seria desastroso, por exemplo, nos valer apenas da área da Engenharia Química, na busca de uma solução eficaz para a erradicação do mosquito transmissor da dengue ou no combate de pragas na agricultura – digamos, a aspersão na atmosfera de produtos altamente tóxicos e que tivessem eficiente propriedade inseticida. Por isso, é inevitável que seja dada à istração Ambiental determinada margem de discricionariedade para que, diante do caso concreto, decida qual a melhor solução, dentro das alternativas juridicamente válidas.

A discricionariedade, contudo, não é ilimitada. A doutrina de Direito istrativo está praticamente pacificada no que diz respeito ao estabelecimento de contornos precisos para o exercício do poder discricionário no que diz respeito a três aspectos: competência, finalidade e forma. A tendência jurisprudencial vem sendo no sentido de apreciar o mérito do ato istrativo ambiental para averiguar se foi atendida sua finalidade. O Superior Tribunal de Justiça tratou de forma bastante incisiva sobre o tema no AgRg no Agravo em Recurso Especial no. 476.067-SP, relatado pelo Ministro Humberto Martins. De acordo com a sentença de primeira instância, após constatar a ocorrência de intervenção em área de preservação permanente, laudo realizado por Engenheiro Agrônomo aventou a possibilidade de autorização para continuidade da obra “desde que o proprietário se comprometa em modificar o tipo de estrutura a ser utilizada no isolamento, substituindo o muro de alvenaria por mourões de madeira, o que possibilitaria um menor impacto àquelas áreas ciliares”. No entanto, o órgão da istração Ambiental expediu autorização especial em desacordo com as recomendações técnicas, mediante medidas compensatórias. Ao final, o STJ, prestigiando a solução preconizada no laudo de dano ambiental elaborado por Engenheiro Agrônomo, afirmou que “compete ao Poder Judiciário imiscuir-se no mérito do ato istrativo, ainda que discricionário, para averiguar os aspectos de legalidade do ato, mormente quando as questões de cunho eminentemente ambientais demostram a incúria da istração em salvaguardar o meio ambiente“.

A lógica adotada pelo STJ para delimitar o poder discricionário da istração ficou bastante clara no julgamento do Recurso Especial 127.607/PR (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 06.12.2011), cuja ementa é citada no acórdão anteriormente mencionado:

“…a simples utilização de conceitos indeterminados não é suficiente para conferir a qualquer escolha istrativa a correção. Ao contrário, a utilização deste tipo de técnica de construção normativa tem por escopo possibilitar que a istração identifique, na análise casuística, qual é a melhor escolha – que, por ser a melhor, é única”.

Na prática, considerando a infinidade de variáveis que concorrem em qualquer estudo ambiental (aspectos relacionados à biodiversidade, à saúde pública, à geomorfologia do solo, à hidrologia, à fauna, à segurança etc.) talvez a escolha do que pode ser considerado o melhor para o meio ambiente não seja algo assim tão fácil de ser feito, a ponto de se chegar à conclusão de que seria a “única escolha”. No entanto, não há como negar que a mudança de orientação de nossos tribunais é bastante salutar e vem colocar um basta no cheque em branco que o Poder Legislativo muitas vezes acaba por conceder ao Executivo quando se trata de defesa do meio ambiente.

 

Leia também
A guerra por água chegou aos estados
Regularização de reserva legal: que lei aplicar?
Juristas enviam carta à Dilma pelo veto total

 

 

 

Leia também 84q8

Colunas
27 de maio de 2025

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 1l5y71

No litoral pernambucano, mulheres negras das áreas de ecologia, evolução e ciências marinhas se reuniram para afirmar seus saberes, romper o isolamento acadêmico e construir um novo horizonte para a ciência com justiça, afeto e pertencimento

Podcast
26 de maio de 2025

Entrando no Clima #47 – COPs precisam abrir espaço para falar de justiça climática 5t102s

Thaynah Gutierrez, consultora em adaptação climática e transição justa, explica como tais conceitos são tratados nas convenções. Falamos também de petróleo e licenciamento

Notícias
26 de maio de 2025

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Nova avaliação do ICMBio indica que país tem mais de um quarto dos primatas sob algum grau de ameaça. Três espécies estão sob risco crítico de desaparecer

Mais de ((o))eco 6q6w3q

política ambiental 6v2p2j

Notícias

Transição energética entra de forma discreta na terceira carta da Presidência da COP30 425t72

Análises

Que semana, hein? 3c4zy

Análises

Pela transição energética Norte-Sul pactuada na COP30 5g4n1l

Notícias

Governo, ongs e sociedade civil se manifestam contra aprovação do PL do Licenciamento 352x2h

direito ambiental 4v5i3y

Colunas

BHP Billiton: Há bons motivos para se esperar justiça socioambiental em Londres p131k

Colunas

Primeiro parque nacional surgiu na Ásia 2861v

Colunas

Crise do princípio da precaução ambiental em tempos de emergência climática 164x5t

Notícias

Projeto de lei quer incluir direitos da natureza na legislação baiana 1j5q5y

leis 3z4a3b

Notícias

Podcast: Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda não pegou w2m4u

Colunas

Um exemplo alentador em que a lei foi cumprida 4rd4g

Colunas

STJ reconhece existência de injustiça ambiental no Brasil 4h1

Colunas

Agricultura financiada com fundos ambientais 343i5c

amazônia ia40

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 1a2m6g

Notícias

Degradação da Amazônia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo período 1b2369

Reportagens

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador s201v

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.