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Cuidado com as bicicletas na Holanda! 6s4q4o

Não é possível comparar os enormes benefícios econômicos, ambientais e de saúde pública do ciclismo com as suas poucas desvantagens

18 de julho de 2019 · 6 anos atrás
  • Marc Dourojeanni 2n2a18

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Bicicletas em Amesterdã. Foto: Kirk Fisher/Pixabay.

Holanda é bem conhecida pelas obras-primas de Rembrandt e Van Gogh, pelo seu território plano e a sua difícil coexistência com o mar ‒ seu nome oficial é Países Baixos ‒ tanto como pela sua história conturbada que deixou pegadas em todo o mundo e pelas suas belas cidades históricas. Assim o país recebe muitos visitantes que, embora saibam que lá não vão comer bem, esperam desfrutar do caráter bucólico das ruas à beira de canais com margens arborizadas. Mas, acabando de chegar em cidades como Amsterdã, Haia ou Utrecht, os turistas sofrem um verdadeiro choque visual e, às vezes, físico que os deixa um tanto perplexos. Acontece que todas essas cidades ‒ e, na verdade, todo o território da Holanda ‒ estão dominados por um redemoinho ciclístico que é um perigo presente e real para o visitante e que obstaculiza satisfazer o seu esperado desfrute.

Como bem se sabe, a Holanda é o país das bicicletas. Aparentemente há mais de 23 milhões delas, isto é, muito mais que o número de seus habitantes. Existem onde olhar. Obviamente nas ruas, mas também nas calçadas, dobradas dentro de trens, penduradas no rabo dos automóveis, em estacionamentos e casas onde ainda são encontrados em cozinhas, confundidas com utensílios ou decorando as paredes como se fossem obras de duvidosa arte. É provável que a principal razão para essa proliferação do ciclismo seja o fato de a Holanda ser o país mais plano da Europa, com um único morro de notáveis 321 metros de altura. O outro, embora a desculpa oficial seja a preservação do meio ambiente, é o espírito econômico que caracteriza seus habitantes. Para o visitante desavisado, o culto ao ciclismo holandês constitui um grande risco de ser atropelado por um desses artefatos, muitas vezes dirigido por robustos cidadãos e cidadãs que não se caracterizam pela sua paciência.

Jovem de bicicleta, ainda vestido com o traje formal usado para a cerimônia da defesa do seu doutorado. Foto: Marc Dourojeanni.

As cidades holandesas são antigas e, portanto, as ruas de seus centros históricos são estreitas. Mesmo assim, neles os carros, caminhões e enormes ônibus disputam o espaço com hordas de ciclistas, motociclistas ‒ além de outros veículos estranhos ‒ e com os pedestres, entre os quais os turistas. As rotas exclusivas para os ciclistas são mais largas que as agens, às vezes muito estreitas e interrompidas por árvores, onde os caminhantes têm o direito de transitar. Mas esse direito não é exclusivo e é muito comum que os ciclistas, com ou sem razão, também circulem e estacionem lá. O inverso não é verdadeiro, ou seja, se um pedestre entra ou cruza as pistas dos ciclistas, que nem sempre estão bem diferenciadas, é altamente provável que seja atropelado ou receba alguns insultos em neerlandês ‒ que não sendo uma linguagem particularmente melódica, se presta a torná-los mais expressivos. Os pedestres nativos já sabem disso e cuidam de si mesmos… mas os turistas desinformados e distraídos olhando monumentos e casas pitorescas ou, pior ainda, tirando fotos, são vítimas propícias. 

Ciclistas e motociclistas aparentemente têm o direito de atingir uma velocidade de até 40 quilômetros por hora e, muitos deles pedalam com uma mão no volante e a outra no telefone celular ou segurando uma garrafa ‒ de plástico ‒ ou um sorvete. Ou seja, eles não têm toda a capacidade disponível para evitar pedestres descuidados. Além de bicicletas e scooters, há um número expressivo de veículos elétricos que são extremamente silenciosos e que têm o direito de usar a estrada para ciclistas. Nos horários de pico, a densidade de ciclistas e motociclistas é esmagadora e, incidentalmente, ocorrem acidentes entre eles, especialmente quando algum pedala muito lento ou em ziguezague… pior ainda se excedeu-se na bebida alcoólica. As bicicletas não são apenas um problema para os pedestres. Os motoristas devem ser extremamente cautelosos para não interferir nas rotas de ciclismo, às vezes não facilmente distinguíveis. 

“Não há dúvida de que o pedestre, na Holanda, não é favorecido.”

Andar de bicicleta na Holanda tem outras peculiaridades. Muitas estradas têm ciclovias separadas, com semáforos e controles de tráfego. Em áreas muito congestionadas, os ciclistas circulam separados do tráfego por túneis e pontes, para garantir sua segurança e manter uma boa velocidade. Nestas ciclovias e nas rotundas existem sinais e indicações, por vezes com rotas alternativas. As pistas e ciclovias têm os mesmos sinais de trânsito que as pistas de automóvel. Assim como os estacionamentos são necessários para os carros, as bicicletas também precisam de um lugar para ficar durante as horas de estudo ou trabalho e nas estações de trem. E, de fato, há quilômetros quadrados de áreas de estacionamento de bicicletas, muitas vezes cobertas. O autor desta nota teve que andar dois quarteirões sob chuva, enquanto uma fileira interminável de bicicletas estacionadas estava sob o teto, na calçada. Não há dúvida de que o pedestre, na Holanda, não é favorecido. O ciclismo também revelou outro evento inesperado naquele país… há ladrões de bicicleta. Apenas em Amsterdã, cerca de 60.000 bicicletas são roubadas por ano, o que é considerado um fato de interesse turístico. Aparentemente não é visto como um crime sério. Também é evidente que nem todos os ciclistas respeitam as restrições impostas pela lei, embora sejam muito poucas. Assim como os ciclistas devem ser protegidos dos motoristas, os pedestres na Holanda devem ser bem mais protegidos dos ciclistas.

Tudo indica que o governo holandês está incentivando ainda mais o uso de bicicletas. Uma reportagem do ano ado disse que o governo investirá uns 400 milhões de dólares em infraestrutura cicloviária para, em três anos, ter mais 200 mil pessoas usando bicicletas. Quinze rotas seriam abertas como “rodovias de ciclistas” e 25.000 novos estacionamentos seriam criados, além de se melhorar instalações de armazenamento para esses veículos. Não só isso. Um crédito fiscal por quilômetro também seria concedido a empresas cujos funcionários optassem pela bicicleta. Em outras palavras, o turismo no futuro só poderá ser feito de bicicleta.

Vista parcial de um dentre muitos estacionamentos exclusivos para bicicleta em Amsterdam. Foto: Marc Dourojeanni.

Não obstante do fato que existe um conflito evidente e crescente entre pedestres e turistas  por um lado e ciclistas por outro lado, deve-se reconhecer que a Holanda deu mais um grande exemplo para o mundo, o que aumenta suas realizações únicas na gestão da água e na produtividade agropecuária, entre outras. Não é possível comparar os enormes benefícios econômicos, ambientais e de saúde pública do ciclismo com as suas poucas desvantagens. Países como o Brasil têm muito a aprender com a Holanda sobre esta questão, como em outros assuntos. Apenas se mantém a recomendação de que os turistas devem ter muito cuidado quando andam pelas ruas das antigas cidades daquele país.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

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Comentários 2 5d6d45

  1. muito legal seu conteudo parabens pelo seu site 🙂


  2. Tati diz:

    Autor roxo de inveja pq não pode ou não sabe pedalar….kkkkk