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Marketing não é capaz de reviver espécies extintas 6s3o4w

A empresa que anunciou o “renascimento” do extinto lobo-terrível criou, no máximo, um híbrido. E embora a notícia seja impressionante, há questões éticas, ecológicas e sociais em aberto

11 de abril de 2025
  • Francisco Figueiredo 4a275g

    Divulgador científico e diretor de estratégia da Agência Índica

A internet se alvoroçou com o “renascimento” do lobo-terrível, mas uma coisa ficou de lado nas matérias e discussões sobre isso: A justificativa utilizada pela empresa para reviver espécies extintas. 

Esse não é só um feito científico incrível, mas também uma campanha de marketing muito bem sucedida. De fato, o feito é impressionante, mas não chegaram nem perto de reviver uma espécie extinta, como fez parecer a mídia. 

Foram alterados 20 genes de um lobo cinzento, espécie com 5 milhões de anos de separação do lobo-terrível, para criar um animal que se assemelha, ao menos na aparência, ao lobo terrível. O problema é que nunca mapeamos 100% do gene do lobo terrível, e também não temos certeza de como eram todas as suas características externas – e muito menos seu comportamento. Foi criado um lobo cinzento, com alterações genéticas que o tornaram branco e maior. Não é uma “desextinção”. 

Acontece que esse tipo de alteração genética pode esbarrar em alguns limites éticos importantes, e precisa de uma justificativa forte para ser aceito como razoável. A justificativa utilizada pela empresa é a da preservação ambiental, da recuperação de habitats de outros animais, da preservação de espécies ainda vivas e do combate à crise climática. 

De fato, existem fortes evidências de que a extinção dos mamutes lanosos, por exemplo, desencadeou uma sequência de eventos que auxiliou na extinção de diversos animais que viviam no mesmo bioma que eles, bioma este que hoje não existe mais. A de-extinção de mamutes lanosos poderia, por exemplo, contribuir para uma certa “recuperação” deste bioma, que hoje conhecemos como permafrost, e é um grande estoque de carbono e metano. Assim, os mamutes lanosos poderiam nos ajudar a conter o avanço das mudanças climáticas, conforme atrasam o descongelamento do permafrost. 

Reintrodução de animais para recuperação de ecossistemas é um método conhecido e eficaz. Quando, na década de 1920, a caça extinguiu os lobos na região de Yellowstone, o crescimento acelerado na população de cervos (elk) desequilibrou drasticamente o ecossistema. Em 1995, os lobos cinzentos foram reintroduzidos na região, reduzindo a população de cervos e as áreas onde eles viviam, o que permitiu a regeneração de diversas espécies de plantas, beneficiando as margens dos rios e influenciando na população de pássaros, peixes, insetos e castores. Os lobos também reduziram a população de coiotes, beneficiando as raposas e os pequenos roedores. 

Neste sentido, não importa se o animal é um clone exato da espécie extinta ou apenas um parente próximo com características da espécie extinta, o que importa é que ele cumpra a função ecológica que era cumprida pela espécie. 

Não sei dizer se o lobo criado pela Colossal é capaz de cumprir a função ecológica do lobo-terrível, e talvez nem eles saibam. Também não sei se a reintrodução do lobo terrível na natureza teria algum impacto positivo como a dos mamutes ou dos lobos cinzentos em Yellowstone. O lobo foi escolhido como a primeira espécie a ser “revivida” por que era a mais fácil, já que temos um parente vivo muito parecido morfologicamente com ele, mas que, filogeneticamente, nem é tão próximo. 

Me ficam duas dúvidas: poderíamos chamar isso de solução baseada na natureza? Reintroduzir espécies ainda vivas em seus habitats é, mas recriar uma espécie extinta talvez não seja. E, além disso, será que, financeiramente, é uma solução lógica? 

É fato que, antes de levantar o mercado da sustentabilidade e da preservação, essa inovação levanta o mercado da atenção. Muita mídia foi produzida sobre o tema, muita gente gastou muito tempo nas redes sociais lendo sobre o tema. O mercado da atenção levanta muito dinheiro, e aí essa iniciativa arriscada, incerta, cara e complexa recebe mais investimento que iniciativas já eficazes e pragmáticas de preservação da natureza. É um problema? Talvez não, já que muito dinheiro destinado a esse tipo de projeto não chegaria em projetos menos “interessantes”. 

Pelo lado bom, é atenção e dinheiro na pauta ambiental, mesmo que tenham chegado lá por outras razões. Pelo lado ruim, o secretário do interior dos Estados Unidos comemorou o feito como uma grande solução para auxiliar na retirada de nomes da lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção. De fato, é interessante pra muita gente que não nos preocupemos com a preservação, já que podemos fazer espécies extintas “voltarem a vida”. Cai como uma luva pra quem não leva a conservação ambiental e o bom relacionamento com a natureza a sério. Afinal, ao invés de preservar, podemos destruir tudo e depois, se necessário, reviver o que matamos. 

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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