Colunas

‘Mito do gestor’ empobrecerá debate político nas eleições de 2018 435c3a

Além das habilidades de gestão, devemos perguntar que valores os candidatos usarão para governar e refletir se o Brasil será mais justo a partir destes valores

23 de abril de 2017 · 8 anos atrás
  • Paulo Barreto 1jx6d

    Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon.

Foto: Arquivo/Agência Brasil.
Foto: Arquivo/Agência Brasil.

Eu não sou um político. Sou um gestor”. Esse é um dos chavões de alguns dos novos políticos que querem se diferenciar do lamaçal da política brasileira. Embutido nele está a ideia de que o gestor é eficiente e objetivo – a gestão tem a resposta certa. Eu acreditava no mito do gestor como a solução definitiva dos problemas. Porém, ao fazer mestrado na Universidade de Yale aprendi que mais importante do que os métodos de gestão, são os valores que orientam as decisões. Precisamos discutir que valores devem orientar o Brasil. Conto aqui como desmistifiquei o mito do gestor e o que aprendi sobre valores.

No curso de “economia da gestão de recursos naturais“, aprendi a estimar custos e benefícios de projetos. Porém, é inviável estimar em termos monetários todos os custos e benefícios. Por exemplo, podemos estimar que uma hidrelétrica gerará “x” milhões de receita. Mas é impossível estimar o valor das “y” espécies que serão extintas pelo alagamento de um ecossistema único e do sofrimento dos índios que terão seus cemitérios alagados e das pessoas que serão deslocadas. O curso “métodos quantitativos para tomada de decisão” foi mais iluminador do que a economia. Aprendi técnicas que permitem organizar e comparar muitas variáveis além das financeiras. No caso da hidrelétrica, eu poderia comparar “x” de receita gerada, as perdas de “x” espécies extintas, “y” pessoas a serem deslocadas, “z” cemitérios e terras indígenas inundados. Mas os programas e cálculos matemáticos não decidem a relevância dessas variáveis. Eles criam um meio para o gestor revelar suas preferências, seus valores. O gestor decidirá se constrói ou não a hidrelétrica que alaga as terras indígenas e extingue espécies e desloca pessoas.

Aprendi sobre valores no curso “fundamentos de gestão e política de recursos naturais“. As necessidades básicas e a visão de mundo influenciam o que valorizamos, incluindo bem-estar, riqueza, poder, respeito, reputação, sabedoria e a afeição.

Seguindo no exemplo da hidrelétrica, se o gestor despreza os índios e outras espécies, construirá a obra em troca de votos de eleitores insensíveis para se manter no poder. Para deslegitimar os protestos dos índios e seus defensores, ele provavelmente usará a propaganda para mostrar como a obra trará desenvolvimento econômico e bem-estar para os eleitores. Disseminará que os índios são ignorantes, indolentes e, portanto, indignos de afeição e respeito da população dominante.

“Se o gestor acredita que os peixes e os índios valem mais do que dinheiro e poder, ele não construirá a hidrelétrica. Ele ou ela buscarão uma alternativa, que pode até custar mais

Se o gestor acredita que os peixes e os índios valem mais do que dinheiro e poder, ele não construirá a hidrelétrica. Ele ou ela buscarão uma alternativa, que pode até custar mais. Ele explicará para seus eleitores, por exemplo, que seria indigno destruir um povo e seu conhecimento para ter energia mais barata.

O professor de “modelagem de política“, um gênio oriundo do MIT (Massachusetts Institute of Technology), também ilustrou a relevância dos valores. Durante o curso, ele mostrou a aplicação de matemática para o desenho e avaliação de políticas. Mas em sua última aula, intitulada a politicagem da modelagem de política, ele deixou os números de lado para contar que deputados americanos ficaram furiosos com o estudo dele que provou que distribuir seringas novas para usuários de drogas reduzia a disseminação de Aids. O trabalho era tão brilhante que ele ganhou um prêmio. Mas os deputados o convocaram para uma audiência pública e depois contrataram outros matemáticos para avaliar o estudo. Os revisores concluíram que a análise estava correta. Mas os políticos conservadores continuaram resistentes a adoção da abordagem. Eles achavam que viciados eram inúteis e pecadores e, portanto, mereciam o castigo da Aids. A pesquisa salvava vidas que os deputados não queriam salvar.

Os valores também determinam que problemas o gestor enxerga e quer resolver. Morar nos EUA durante o mestrado me permitiu refletir mais sobre o Brasil. Das observações diretas e leituras concluí que o maior problema brasileiro é a desigualdade social, que é uma das maiores do mundo. A desigualdade aumenta a violência, a depressão, a desconfiança e a desagregação social, entre outras mazelas.

No livro Uma História do Brasil, Thomas E. Skidmore aponta duas causas fundamentais da desigualdade no país. A distribuição de terra por meio das sesmarias e outras formas gerou concentração fundiária. A escravidão prolongada e a falta de investimentos nos negros libertos deixou uma enorme população vulnerável e sem posses. Os índios perderam terras ou foram expulsos para terras menos férteis. Decisões tão antigas ainda deixam suas marcas. A concentração fundiária ainda é alta e as diferenças de educação e saúde entre negros e brancos são enormes.

Se o país acreditar no mito do gestor, correremos o risco de empobrecer o debate nas próximas eleições. Além das habilidades de gestão, devemos perguntar que valores os candidatos usarão para governar e refletir se o Brasil será mais justo a partir destes valores.

 

Leia Também

Uma chance para os ex-financiadores de campanha provarem seu amor pelo Brasil

Como reverter o novo surto de desmatamento na Amazônia

Sua aposentadoria pode ser esturricada ou ir por água abaixo, literalmente

 

Leia também 84q8

Colunas
11 de novembro de 2015

Sua aposentadoria pode ser esturricada ou ir por água abaixo, literalmente 28232x

As mudanças climáticas criam um risco ambiental escondido nas empresas, às vezes com ajuda do governo, que pode arruinar seus investimentos.

Colunas
10 de outubro de 2016

Como reverter o novo surto de desmatamento na Amazônia 72m6r

Aumento de 24% na perda de floresta, levou o Ministério do Meio ambiente a promover um fértil debate sobre providências. Eis aqui alguns tiros certos

Colunas
12 de outubro de 2016

Uma chance para os ex-financiadores de campanha provarem seu amor pelo Brasil s1x25

Os bilhões que foram gastos para financiar políticos em 2014 poderiam ser revertidos para ajudar na meta de reflorestar 12 milhões de hectares

Mais de ((o))eco 6q6w3q

política ambiental 6v2p2j

Notícias

Degradação da Amazônia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo período 1b2369

Notícias

PV questiona no STF lei estadual que flexibiliza proteção ambiental em Rondônia 172e6b

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 1x2p2z

política 1x55f

Notícias

Ilegalidade atinge ao menos 58% do comércio de mercúrio no Brasil, mostra estudo 4l1u32

Reportagens

ados oito meses de governo, Lula ainda não decidiu se Brasil vai entrar na OCDE 426my

Notícias

Cai superintendente do Amazonas que pediu investigação contra Salles 325l1p

Salada Verde

Governo estuda a criação de um Ministério da Amazônia para acolher Pazuello 6v2q4d

amazônia ia40

Notícias

Degradação da Amazônia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo período 1b2369

Reportagens

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador s201v

Reportagens

Ao menos 6 milhões de cabeças de gado no Pará estão irregulares entre indiretos 1kd5e

Notícias

Cientistas descobrem espécie de peixe que vive solitária na Amazônia 4c5z3c

frases 423t2w

Notícias

Frases do Meio Ambiente – Joaquin Phoenix, ator 256sk

Notícias

Frases do Meio Ambiente – Marina Silva, política (06/11/2020) 6n4s66

Notícias

11 Frases do Meio Ambiente sobre Animais 282r21

Notícias

Frases do Meio Ambiente – David Attenborough, naturalista (01/10/2020) 5y5r3y

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 16 5m3u6i

  1. Flávio Zen diz:

    Olá Paulo, parece na verdade que você ainda não percebeu o momento político que o Brasil e o mundo ocidental a.

    Quando o mote “Eu não sou um político. Sou um gestor” se torna uma estratégia positiva no debate e nas campanhas, o recado é cristalino, o fantástico mundo de Bobby pintado pelos progressistas é a receita do desastre não importa a escala ou aplicação. Considerando o Brasil, vide a educação e o desastre que o Construtivismo e a militancia freireana conduziu, a tragédia na economia da Era PT com 14 milhões de desempregados atualmente, sendo considerado um dos maiores programas de inclusão na pobreza, só sendo comparado aos avanços na Venezuela e Cuba já consolidada.

    Em termos ambientais, nos ultimos 13 anos, graças ao capitalismo de compadres para a manutenção da base de apoio, tivemos o desmonte do IBAMA e paulatinamento do programa de conservação don pais, isso graças, depois do mensalão, ao esquartejamento do estado para o financiamento de partidos amigos, ditaduras aliadas e empreiteiras de estimação… Destacando é caro que a farra das hidreletricas na Amazonia serviu para financiar PT, PMDB e partidos aliados, assim como outros esquemas envolveram o PSDB, que sempre soube participar sem aparecer…é a esquerda limpinha por assim dizer.

    Por isso é que “Eu não sou um político. Sou um gestor” dá votos e projeção, pois progressistas vão sempre procurar a dimensão dialógica e a negociação equânime de direitos, enquanto nada fazem, a não ser é claro, aumentar o tamanho do estado para manter os amigos militantes, espoliar a classe trabalhadora e distribuir as migalhas aos miseráveis que produz…. De fato, mesmo o Doria, terá muito trabalho quando for descoberto como o Cavalo de Troia do PSDB.


  2. Truda tá correto diz:

    Campanha anti-Doria, pro-Marina, muito mal camuflada!!! Motivo: vai que a Marina ganha…ela adora arrumar cargo pra ONGueiro! Foi assim quando foi iInistra…Montiel e Marquesini no Ibama, Capobianco, Tasso e Muriel no MMA, e por aíi vai. Colunista tá querendo ganhar pontinho com a Chefa!!!! http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,O…


    1. José Truda diz:

      Pow que honra, ganhei um fã-clube! 🙂 🙂 Algum dia me contas quem és, juro não espalhar!


  3. Silvana diz:

    Nos faltam valores, virtudes e vergonha social.


  4. Nelson diz:

  5. PR.PR diz:

    Truda sempre vem com essa esquerdopatia! É um coxinha mal dormido! Acha mesmo que existe meritocracia e gestão profissional na Banânia ou na Paulistânia de Dória e Alckmin? Hahahaha. Parabéns!


    1. MG.MG diz:

      Tava demorando a aparecer mais uma faceta do PR. Resta agora saber se é PSOL ou REDE! Além disso, aposto que mesmo negando em público, deve estar também preocupado com o Amigo.


  6. José Truda diz:

    Francamente essa correlação entre gestão e cegueira ambiental me parece uma rematada bobagem. Discordo. Estado precisa de gestão mais do que precisa de politicagem. Meritocracia, carreira, eficiência, tudo precisando de bons gestores e técnicos e não de aspones partidários que espraiam a bandidagem política em toda a estrutura estatal até o décimo-quinto escalão… vamos debater gestão e gestores sim!


  7. JOSE ARMANDO diz:

    O COCHINA DE DORIA SE VALE DE ESE ARGUMENTO BARATO E INSUSTENTAVEL…. SE TORNA UM FEROZ CRITICO DO PT E NO DICE SOBRE OS CAPOS TUCANOS QUE TEM POST DOUTORADO EN CAIXA DOIS E INMORAL ESE CAMARADA,, UN AUTENTICO COHINHA GOLPISTA


    1. José Truda diz:

      Golpista é estrangeiro que vem aqui querer dar sermão sobre a política (nacional e ambiental) brasileira. Já não chega os esquerdóides autóctones que quase destruíram o país inteiro, agora tenos de aturar os importados… é dose.


  8. Everardo diz:

    1. José Truda diz:

      Tenho grande respeito e iração pelo autor do artigo. Mas que tem um ar de ET da Macega nessa argumentação, lá isso tem. Marina Silva é uma maldição a pairar sobre a gestão ambiental brasileira, porque tem quem confunda as aleivosias e generalidades dela com ambientalismo ou proposta de gestão ambiental. E não é uma coisa nem outra, como aprendi muito tardiamente.


      1. pull the bag diz:

        Truda, vc que tem voz ativa e conhece por dentro…comente a "cooptação" (por falta de melhor termo) que rola nos órgãos ambientais na hora de escolher os cargos de chefia…


        1. José Truda diz:

          Desculpa, tchê, não pesquei qual o foco da tua pergunta…? Me ajuda, estou velho! 🙂


  9. valore$$$ diz:

    Nos últimos anos, os "valores" usados para governar tem sido aqueles oriundos das empreiteiras!!!!


  10. robson diz:

    Ótimo artigo, Paulo. Explicitamente: os valores que guiam parte do eleitorado, da ilibada classe média-alta e dos formadores de opinião é o dinheiro – e o receio de perdê-lo. "É a economia, estúpido", dizem.

    Fica uma sugestão ao terceiro setor brasileiro: devemos adotar o discurso dos donos do poder (a monetização) para 'convencê-los', ou buscar novos modos para que nosso discurso seja de fato adotado pela sociedade como um todo?