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O desafio de combater as vulnerabilidades climáticas 3w5h4v

As consequências dos desastres "naturais" não são apenas de origem natural. Decorrem de mau uso do solo e outras vulnerabilidades decorrentes da infraestrutura política, econômica e social

6 de janeiro de 2025
  • Carlos Bocuhy 74u54

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

António Guterres, secretário-geral da ONU, em sua mensagem de Ano Novo, afirmou que amos por uma “década de calor mortal”. Apesar dos tempos difíceis, reiterou sua fé na humanidade, mas sem deixar de pedir aos países que “saiam desse caminho para a ruína”.

A ONU aposta na capacidade de informação para melhor explicar a humanidade sobre os riscos envolvidos. Uma das maiores necessidades hoje é o esclarecer os riscos do caminho da ruína, o aquecimento global e suas pré-vulnerabilidades.

Vivemos a realidade sinérgica de um mundo interconectado. As crises ambientais, sociais e econômicas estão profundamente interligadas. Há um acirramento das condições climáticas. Isso potencializa eventos naturais e, de outro lado, há uma conjuntura de vulnerabilidades pré-existentes provocadas pela ação humana que envolvem aspectos físicos, estruturais, econômicos e sociais.

Um artigo de opinião assinado por 30 climatologistas e publicado pelo Le Monde afirma que se concentrar apenas no papel das mudanças climáticas tende tornar invisíveis outras causas fundamentais dos desastres naturais.   

Afirmam os especialistas: “Os danos humanos e materiais causados por um desastre climático nunca são o resultado apenas do evento climático extremo. Ocorrem quando tal evento é combinado com uma vulnerabilidade pré-existente, por exemplo, populações em situação de precariedade econômica e social, idosos, jovens e/ou com saúde precária, infraestrutura mal adaptada, serviços de saúde e resgate mal preparados ou mal equipados”.

Essa é uma verdade evidente. As consequências dos desastres “naturais” não são apenas de origem natural. Decorrem de mau uso do solo e outras vulnerabilidades decorrentes da infraestrutura política, econômica e social, que “não se desenvolveram para proteger a vida e a dignidade das pessoas, atendendo às suas necessidades básicas”.

Os pesquisadores chamam a atenção para a necessidade de líderes preparados. As autoridades, tomadoras de decisão, precisam perceber com honestidade o que torna a humanidade vulnerável a eventos climáticos extremos, de forma a diagnosticar e reduzir as fontes de vulnerabilidade.

Se essa responsabilidade não for assumida, a sociedade humana não estará preparada para os eventos climáticos do futuro, que possuem prognósticos mais graves. Assim, reduzir a fragilidade nos territórios é um ponto essencial para a adaptação climática.

Segundo Lincon Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), “o aspecto da vulnerabilidade, ou seja, o grau de suscetibilidade de uma cidade, uma comunidade, frente a essas ameaças, também depende de outros fatores como infraestrutura e capacidade econômica, social, disponibilidade de recursos para preparação frente aos desastres. Então, a combinação desses fatores é o que determina o risco climático”, aponta.

De acordo com especialistas em desastres, ex-funcionários da National Oceanic and Atmospheric istration (NOAA) e estudos científicos, a verdade sobre o aumento dos impactos climáticos, considerando pré-vulnerabilidades, está em outro lugar: com o tempo, a migração para áreas propensas a riscos aumentou, colocando mais pessoas e propriedades em perigo. Os desastres são mais caros porque há mais para destruir.

Se a situação das pré-vulnerabilidades sofre contínuas pioras, de outro lado os efeitos climáticos sobre os territórios ganham maiores previsões de risco.

O relatório da World Weather Attribution em parceria com a Climate Central, publicado em dezembro de 2024, traz constatações preocupantes. O relatório começa por considerar 2024 o mais quente da história: “As temperaturas recordes alimentaram ondas de calor implacáveis, secas, incêndios florestais, tempestades e inundações que mataram milhares de pessoas e forçaram milhões a deixar suas casas”.

O estudo pontua 41 dias de calor extremo, a morte de pelo menos 3.700 pessoas e o deslocamento de milhões em 26 eventos climáticos mais impactantes entre os 219 registrados durante 2024. E revela que “as mudanças climáticas desempenharam um papel maior do que o El Niño em alimentar esses eventos, incluindo a seca histórica na Amazônia”. Isso é consistente com o fato de que, à medida que o planeta aquece, a influência das mudanças climáticas se sobrepõe cada vez mais a outros fenômenos naturais que afetam o clima.

Para além dos territórios que abrigam grandes populações com vulnerabilidades pré-existentes, decorrente de sucessivas gestões públicas irresponsáveis, temos no Brasil o gigantesco desafio de proteger elementos essenciais que dão sustentação à vida, ecossistemas vitais, seja para manutenção da água, da agricultura ou atividades econômicas.

Um desses é o motor vivo, agitado e respirante da Amazônia. Além de transpor água para prover chuvas para o continente sul-americano, abriga centenas de comunidades indígenas, milhões de espécies animais e vegetais e 400 bilhões de árvores, além de número incontável de outros seres vivos que ainda precisam ser descobertos, catalogados e estudados, além de armazenar abundância de carbono, evitando que este venha a aquecer o planeta.

Cientistas têm alertado que, com a destruição continuada da floresta por desmatamento criminoso, sua imensa máquina de produzir umidade e fazer chuva possa quebrar, fazendo com que o resto da floresta murche e se degrade em savana, relegando o continente a intenso processo de desertificação.

Esse é um dos patamares perigosíssimos para onde a sociedade brasileira está sendo gradualmente lançada. As secas de 2024, que atingiram duramente as principais bacias hidrográficas do Oeste do Brasil, nos dão uma amostra dos impactos da desertificação em curso.

Assim, somam-se elementos naturais, aquecimento global e o paradigma extra de combater o avanço das vulnerabilidades pré-existentes. Dessa forma, o combate aos impactos das mudanças climáticas traz consigo o desafio de enfrentar as causas da piora continuada nos territórios, que ocorre sob as vistas grossas, ou estimulada por gestores irresponsáveis.

Além da eficiência no combate ao desmatamento, os instrumentos de ordenamento territorial devem ser repensados para o saneamento das inúmeras lacunas insustentáveis, como por exemplo a ocupação desregrada das várzeas, de encostas inabitáveis e áreas litorâneas de influência das crescentes e intrusivas marés.

A vulnerabilidade climática está intrinsecamente ligada a processos de governança do território. Tem se tornado insustentável pelo motor avassalador da devastação florestal pelo agronegócio predador; e na atuação especulativa e ambiciosa do setor imobiliário, alimentada ainda por elementos sociais como pobreza e a decorrente precariedade dos assentamentos humanos.           

Adentramos 2025. Estamos dentro dessa era cada vez mais perigosa, causada pelo homem com o lançamento de gases efeito estufa, que potencializa mais e mais os impactos sobre o universo das pré-vulnerabilidades.

Vale perguntar aos gestores das cidades, dos estados e da União, aos deputados e senadores, vereadores e setores econômicos predadores: o que estão fazendo para conter o imenso rol de pré-vulnerabilidades que vêm sendo continuamente ampliada no Brasil? É preciso sair do caminho da ruína, como afirmou Antonio Guterres.

É uma fase perigosa para um mundo incauto.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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Comentários 1 2p2l4m

  1. Artur Lima diz:

    Falta os governos fazerem a conta e perceberem que as mortes e o prejuízo econômico que vem com essa destruição vai, se não hoje em um futuro próximo, além de qualquer retorno possível pelos combustíveis fósseis. Uma pesquisa dirigida pela Greenpeace concluiu que todo dia os danos ambientais custam 8 BILHÕES de dólares globalmente.