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Para entender a Mata Atlântica 3f5w59

A Ferro e Fogo não sai da minha mesa de cabeceira, mas não concordo cem por cento com seu autor. Sou um incorrigível otimista, vejo hoje uma Mata Atlântica mais protegida e mais amada que há 25 anos

27 de maio de 2020 · 5 anos atrás
  • Pedro da Cunha e Menezes 5y1z13

    Fundador da Trilha Transcarioca e Diretor da Rede Brasileira de Trilhas.

Travessia do Carrasco, na trilha transmatiqueira. Foto: Hugo de Castro.

Logo que a quarentena do Covid 19 começou, recebi uma dessas listas de facebook que mandava listar os dez melhores livros que levaria para o isolamento comigo. Comecei logo e, sem pestanejar, escrevi Crime e Castigo, Casa de Pensão, A Ilustre Casa de Ramires, Capitão de Longo Curso, Feliz Ano Novo, Disgrace, Casa Grande e Senzala, Amor nos Tempos do Cólera, O Negro No Futebol Brasileiro e A Ferro e Fogo.

É lista difícil de fazer. Talvez se a reescrevesse agora os escolhidos seriam outros, pois é impossível encaixar em uma só dezena toda uma literatura consumida em 55 anos de estrada. Mesmo assim, tira aqui, acrescenta ali, um desses livros marcou muito minha vida e minhas escolhas. Publicada em 1995, a obra magistral de Warren Dean não é um romance, não é história, nem tampouco é poesia. A Ferro e Fogo é uma saga, a saga da Floresta mais bonita, mais diversificada e mais amada de todas: a Mata Atlântica.

Da dezena de livros que primeiro selecionei e dos dez ou doze que depois me penitenciei por não tê-los incluído na lista, o único que reli durante esses dias pandêmicos foi “A Ferro e Fogo”. Não vou aqui fazer sua resenha ou resumir seu conteúdo. Apenas deixo registrado que quem não o leu dificilmente terá noção da importância da Mata Atlântica para a história e para a formação cultural do Brasil e dos Brasileiros. Ela não é apenas uma floresta, é personagem central de nosso país.

Nas suas bordas e sobre o território tomado a ela a força de machado e queimadas vivem mais de 70% dos Brasileiros e é produzido parte preponderante do nosso PIB. Do seu seio foi extraído o pau vermelho, usado para as tinturas europeias e de quem pegamos emprestado o nome de batismo de nosso país.

Em seu livro Dean mostra com riqueza de detalhes como, em apenas 500 anos, reduzimos essa exuberante floresta a cerca de 10% de sua área original. Embora seu livro seja de uma beleza única, Dean não é otimista. Há um quarto de século, ele não previa um futuro alvissareiro para nossa amada mata e, na penúltima página, dá uma pista de um dos porquês de tantos maus presságios: “A contemplação da natureza tem tido poucos adeptos no Brasil”.

Capa de ‘A Ferro e Fogo”, de Warren Dean. Reprodução.

Com efeito, a máxima “conhecer para conservar” demorou a ser aplicada no Brasil. Talvez essa seja uma das razões pelas quais tardamos tanto para ter um grupo grande e coeso de conservacionistas em nosso país.

A Ferro e Fogo não sai da minha mesa de cabeceira, mas não concordo cem por cento com seu autor. Sou um incorrigível otimista. Nesse sentido, vejo hoje uma Mata Atlântica mais protegida e mais amada que há 25 anos. Em oposição ao protagonismo de madeireiros e carvoeiros de outrora, hoje também temos uma leva de heróis contemporâneos como Márcia Hirota, Mário Mantovani, Germano Woehl, Miguel Milano, Augusto Rushi, Clóvis Borges e outros tantos milhares de cidadãos (ou seriam florestãos) que em suas lutas individuais ou coletivas dão o sangue por essa Floresta que tanto amamos. São grandes, empresários que criam fundações para ajudar na sua conservação, são proprietários de terra que as transformam em RPPNs, são profissionais da conservação que se esforçam em seu manejo e proteção, são voluntários que ajudam em seu reflorestamento e tarefas correlatas, são jornalistas, bombeiros, policiais, procuradores, permacultores, pousadeiros e outros profissionais que formam uma liga de amigos da Mata Atlântica, cada vez mais coesa e forte.

Especificamente, no tocante à contemplação e o desfrute, muito avançou desde a publicação do livro de Dean. Novas unidades de conservação foram criadas e, com elas novas oportunidades de recreação em contato com a Mata Atlântica. Em 2004 é fundada a Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA), a partir de 2005 os observadores de pássaros am a se congregar em torno do AVISTAR Brasil, em 2006 é fundada a Confederação Brasileira de Caminhadas (ANDA BRASIL), em 2012 o ICMBio inicia uma política de implementação de trilhas e inaugura o projeto Travessias, a partir de 2016 é deslanchada uma política robusta de concessões de uso público em unidades de conservação. Em 2019, a visitação às unidades de conservação federal somou mais de 15 milhões de pessoas. Floresta da Tijuca e Iguaçu, os dois Parques mais visitados estão, ambos. na Mata Atlântica.

“Aos poucos o ideal que Dean não ousou sonhar, vai se delineando como algo possível”.

O aumento da procura da nossa Floresta para atividades de recreação criou as condições para que, em 2018, o MMA, em conjunto com a Sociedade Civil, colocasse em prática uma nova ferramenta de conservação. Trata-se de uma estrutura de lazer, que gera emprego e renda e promove a conectividade de paisagens.

São as trilhas de longo curso, agrupadas sob a Rede Brasileira de Trilhas, que tem como um dos seus objetivos basilares de longo prazo, conectar todas as unidades de conservação do Brasil, facilitando assim o fluxo genético entre áreas núcleo e outros fragmentos florestais relevantes. E é precisamente na tão fragmentada Mata Atlântica onde as trilhas da REDE estão em mais avançado estágio de implementação. Nas margens do rio Paraná a Rota dos Pioneiros se expande para conectar o Parque Nacional da Ilha Grande ao Parque Nacional do Iguaçu. Já, no litoral Brasileiro, a grande Trilha Oiapoque x Chui, com seus dois ramais (costeiro e serrano) conta hoje com mais de 2.000 quilômetros implementados desde o extremo sul da Mata Atlântica, nas Florestas Nacionais de Canela e São Francisco até o Parque Nacional de Ubajara, no Ceará, ando por longos trechos contínuos já implementados, como o Caminho das Araucárias, a Trilha Transmantiqueira, a Trilha Transcarioca, a Travessia dos Estados, o Caminho da Ilha de Santa Catarina e os Caminhos da Serra do Mar entre outros.

Aos poucos o ideal que Dean não ousou sonhar, vai se delineando como algo possível. Unidos Governo, sociedade civil organizada e cidadania vão trilhando no sentido de apontar para uma rede de núcleos de mata conservada conectados por corredores revegetados. E, assim, avançamos juntos nesse exercício de caminhar para conservar. A Trilha é longa, mas o objetivo é meritório e, vamos combinar, a caminhada tem seus encantos.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

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Comentários 1 2p2l4m

  1. James Miyamoto diz:

    Olá, Pedro,
    Tudo bem?
    Quanto tempo!
    Entre em contato, por favor!
    Saúde! Grande abraço, James