Colunas

Pensando como ancestrais para salvar o planeta 7096m

Para pensar de forma ancestral, o Brasil terá que abandonar nocivas ilusões petroleiras e a destruidora ambição do agronegócio predador

15 de julho de 2024
  • Carlos Bocuhy 74u54

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

O professor de filosofia na Universidade de Georgetown, Olúfémi Táíwò, afirma que só iremos trilhar o caminho da sustentabilidade planetária se pudermos pensar como os ancestrais. 

A inversão cronológica de Táíwò reveste de responsabilidade ancestral o presente, com vistas ao futuro e às futuras gerações. Problematiza a sustentabilidade a partir de novos pensamentos sobre obstáculos hoje existentes, de forma a “descobrir algumas dimensões desconhecidas de problemas antigos”. 

O fio unificador é suprido por um impulso humanista fundamental que volta esse princípio para questões de justiça, equidade e afirmação da dignidade humana”, afirma. 

Os prognósticos climáticos são, por vezes, aterradores. Por exemplo, as populações que teriam seu território completamente destruído, com o desaparecimento dos países insulares diante da elevação do nível do mar em decorrência da mudança climática. Um cordel de tantas gerações que se veem privadas de futuro.

A lógica professada por Tàíwò nos remete à clareza ancestral contida na defesa da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), que vem sendo liderada pela pequena nação Vanuatu, arquipélago de ilhas no Pacífico Sul, próximo à Nova Zelândia. 

As nações da AOSIS deram início à lógica da reparação por perdas e danos há mais de 30 anos, durante os primeiros encontros climáticos globais. Propam que os mais afetados pelas mudanças climáticas deveriam receber financiamento e apoio dos países que mais emitiram Gases Efeito Estufa (GEE), mudando o clima. O que a demanda dos AOSIS gerar de resultados poderá, quem sabe, impulsionar esforços para a dificílima manutenção da temperatura global. 

Vanuatu significa “nossa terra para sempre”. É considerado o país com maior índice de felicidade do mundo, de acordo com o Happy Planet Index.  “A felicidade é apenas uma consequência de quão respeitosos somos com a natureza, em como gerenciamos a terra, em como gerenciamos a água”, afirma Marcel Merthelorong, romancista local. Vanuatu, o país sempre à beira do desastre que é um dos mais felizes do mundo – BBC News Brasil

Vanuatu e seus pequenos países associados estão pensando e agindo como os ancestrais. Sua proposta nas cúpulas globais tem sido coerente e lúcida. Tem atravessado épocas de diferentes intensidades diplomáticas. 

No limiar dos anos 90, quando celulares eram do tamanho de tijolos e notebooks pesavam como paralelepípedos, o mundo estava em ebulição política e cultural. O Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas nasceu em 1988, mesmo ano em que  o Brasil sacralizou, em sua Constituição, o pensamento ancestral como salvaguarda do futuro: o dever de todos para garantir o meio ambiente equilibrado para as atuais e futuras gerações.  

Em fevereiro de 1991, em Chantilly, na Virgínia (EUA), começou a surgir o pacto climático global. O local isolado foi escolhido por George Bush para manter afastada a forte pressão das ONGs, conforme relatou Philippe Sands, advogado da delegação da pequena Santa Lúcia. 

Nesse espaço, Vanuatu firmou-se como liderança entre os Estados insulares ameaçados pela mudança climática. A clareza de sua proposta sobre perdas e danos persiste nas atuais conferências climáticas, tendo sido instituído como fundo (em que pese com recursos muito aquém do necessário) durante a COP28 de Dubai, visando prevenir consequências das mudanças climáticas que vão além da capacidade de adaptação.   

Quando olhamos sob a mesma ótica a destruição que se abateu sobre o Rio Grande do Sul – especialmente diante das constatações do World Weather Attribution (WWA) de que a mudança climática provocada pela ação humana contribuiu para dobrar o risco de ocorrência do evento extremo de chuvas na região – percebemos que a luta de Vanuatu deve ser encampada fortemente pelo Brasil. 

Obviamente isso implicará melhores respostas para evitar queimadas e eliminar combustíveis fósseis da matriz energética, situações que ainda não contam com integral vontade política do atual governo, diante das ambições por petróleo e gás, e a sanha do agro-PIB devastador, interesses antagônicos à sustentabilidade.  

Não resta dúvida de que o fluxo econômico no Brasil tem demonstrado tendências de, prioritariamente, atender expectativas políticas de governos e da espoliação insustentável do território, inadequado para abordar questões de equidade e garantir as futuras gerações. Dessa forma, a atual postura brasileira divorcia-se dos princípios protetivos constitucionais e demonstra ser insuficiente para exercer o perfil ético necessário para conter a ganância predatória dos petroestados e das Oil Sisters. 

Vinte corporações, como Chevron e ExxonMobil, e países como China e Arábia Saudita são responsáveis por 60% de todas as emissões acumuladas de carbono. Há dados, inclusive colhidos por tribunais, de que os líderes da indústria de petróleo e gás sabiam, desde pelo menos 1982, que as mudanças climáticas são impulsionadas por suas atividades, quando os próprios pesquisadores da Exxon ajudaram a vincular as emissões de carbono ao aumento das temperaturas. Conscientemente tomaram decisões que levaram a essa crise. 

As digitais da responsabilidade sobre mudanças climáticas é difusa, mas sua proporcionalidade possui comprovação científica, apesar da recusa dos países e corporações responsáveis em assumir  compromissos na reparação de perdas e danos. 

O maior desafio humanitário que já existiu está posto à mesa de um desarticulado multilateralismo global. Espera-se por processo regenerativo, o que exigirá senso ético diante das crescentes injustiças a que estão sendo submetidas especialmente as populações mais vulneráveis. 

É preciso ressaltar o modus operandi dos petroestados e das corporações de combustíveis fósseis, o que por vezes se vislumbra também dentro do próprio governo brasileiro. 

Segundo pesquisa do conceituado think tank Influence MapInfluenceMap Como a indústria do petróleo tem sustentado o domínio do mercado através da influência política -, a cartilha para se opor às alternativas aos combustíveis fósseis possui método bem definido e a, essencialmente, por três linhas de argumentação, reconhecidas como uma espécie de negacionismo orquestrado: ceticismo em relação à solução, que lança dúvidas sobre a eficácia das fontes alternativas de energia, enfatizando incertezas para dar sobrevida aos combustíveis fósseis; neutralidade política, que defende direitos de escolha do consumidor, soluções de mercado e baixa intervenção governamental, o que enfraquece políticas públicas;  e ibilidade e segurança energética, que questiona custos e viabilidade da transição, não importa o quanto seja importante para a humanidade.    

A lógica do lobby é inversa à responsabilidade ancestral proposta por Tàíwò e defendida por Vanuatu e seus parceiros ameaçados de desaparecimento. Defende falsas premissas para garantir a continuidade da matriz fóssil, semeando incertezas e defendendo uma inaceitável sobreposição de escolhas individuais e econômicas aos direitos fundamentais de vida para os seres vivos. Um verdadeiro estado de saque ao presente e o sacrifício do futuro, mesmo quando o clima já apresenta sinais de convulsão.      

A Conferência Climática COP29 ocorrerá no Azerbaijão em novembro deste ano. Discutirá, de forma prioritária, o financiamento climático. O Brasil chegará à conferência de Baku levando na bagagem os desastres de Petrópolis (RJ), São Sebastião (SP) e do Rio Grande do Sul, da biodiversidade do Pantanal, seca na Amazônia, fragilização dos Rios Voadores e episódios de calor extremo, entre tantos outros impactos.       

O maior desafio humanitário que já existiu está posto à mesa de um desarticulado multilateralismo global. Espera-se por processo regenerativo, o que exigirá senso ético diante das crescentes injustiças a que estão sendo submetidas especialmente as populações mais vulneráveis. 

Para pensar de forma ancestral e honrar suas vítimas, o Brasil terá que alinhar-se à pequena Vanuatu e suas propostas humanitárias, abandonando nocivas ilusões petroleiras e a destruidora ambição do agronegócio predador.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Leia também 84q8

Colunas
17 de junho de 2024

Amnésia climática 524a37

Os governos esquecem os acordos iniciados que poderiam salvar milhões de vidas e alimentam o aumento da extração e uso de combustíveis fósseis

Notícias
10 de julho de 2024

Crise climática pode reduzir drasticamente o nascimento de tubarões h6f1c

Experimento científico revela que efeitos do aquecimento e acidificação do oceano poderá resultar num declínio de 81% para 11% na sobrevivência de embriões de tubarão até 2100

Reportagens
2 de julho de 2024

Calor extremo: como a crise climática impacta trabalhadores na América Latina 5o696a

Eventos climáticos extremos e aumento das temperaturas colocam em risco saúde dos trabalhadores e demandam medidas de adaptação

Mais de ((o))eco 6q6w3q

combustíveis fósseis 1x6i4l

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Notícias

Em carta, presidência da COP30 fala em “preparar-se para o imponderável” s59g

Reportagens

ExxonMobil consolida ‘petroestado’ em meio a denúncias ambientais na Guiana 383x29

Análises

Brasil: potência ambiental 486l5y

mudanças climáticas 1j5e1m

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 4q306r

Notícias

Chuvas aumentaram em 10 vezes o desmatamento causado por eventos extremos no RS z1f4h

Salada Verde

Evento no RJ discute protagonismo da juventude no enfrentamento da crise climática 5o3n5g

política ambiental 6v2p2j

Salada Verde

Veja como votou cada senador no projeto que implode o licenciamento ambiental 224w5g

Notícias

Com mudanças de última hora, projeto-bomba do Licenciamento é aprovado no Senado 4h5y5t

Notícias

Degradação da Amazônia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo período 1b2369

Notícias

PV questiona no STF lei estadual que flexibiliza proteção ambiental em Rondônia 172e6b

ICS 3m682z

Salada Verde

Veja como votou cada senador no projeto que implode o licenciamento ambiental 224w5g

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 4q306r

Notícias

Cerrado perdeu 1.786 hectares de vegetação nativa por dia em 2024, mostra Mapbiomas 47294g

Notícias

Governo Federal embarga 544 propriedades com ilícitos ambientais em Altamira 3p2m6o

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.