Colunas

Rumos equivocados para um Brasil sustentável e promissor 54q6c

A culpa sempre é dos outros. O governo nunca quis dialogar, somar, construir. Muito pelo contrário, desde o início briga, confronta e nega as verdades que para eles são inconvenientes

15 de setembro de 2019 · 6 anos atrás
  • Suzana Padua 6c4o4r

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

Eles arão, mas sobrará política ambiental de pé? Foto: Marcos Corrêa/PR.

As áreas socioambientais do Brasil, que são a maior riqueza do país, estão sendo dizimadas sobre nossos olhares. A biodiversidade, quase nem mencionada pelo governo atual, é uma riqueza do Brasil e do planeta, agrade ou não ao presidente. Tivemos a sorte de nascer no Brasil, que tem aproximadamente 20% de toda a vida do planeta e o maior reservatório de água doce. Doce também deveria ser a responsabilidade por proteger tamanho patrimônio. Mas não tem sido assim – tudo está em risco de arder e a culpa é nossa.

A sensação é de impotência diante de tanta barbárie. Muitos ambientalistas encontram-se estupefatos, pois se veem sob escrutínio de críticas infundadas, mas que muitos brasileiros desinformados acreditam. A competência tem sido ignorada, seja advinda de profissionais de carreira, principalmente aqueles ligados a órgãos ambientais como ICMBio e IBAMA, seja dos que trabalham em organizações não governamentais (ONGs), estes últimos responsabilizados por tudo de errado que ocorre no país.

É como a metáfora do sapo na água quente. Quando a água esquenta de repente o sapo consegue sentir e pula fora rapidamente. Mas, se aquecer lentamente, custa a perceber e acaba morrendo. Na verdade esse governo ferveu a água de tal jeito que só nos resta pular. Mas, para onde? O pensamento e a ação precisam ser estratégicos porque as barbaridades têm sido diárias e inusitadas. Cada dia um susto novo.

Há uma ruptura geral de todos os processos anteriores, pois muito do que havia levado anos a se concretizar, como a construção do Fundo Amazônia, forma encontrada para que os países ricos contribuíssem para a manutenção da floresta em pé, tem sido desmantelado – demolido! A negociação para que este Fundo se materializasse levou anos e se deve ao empenho de muitos, capitaneado pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A questão ambiental seguiu seu curso, com inúmeros problemas, mas independentemente do viés partidário ou ideológico, sempre visando a proteção da riqueza natural brasileira. Isso porque está esse patrimônio acima de interesses pessoais. Prova disso foi a carta entrega ao presidente da Câmara no dia 28/8/2019, assinada por todos os ex-ministros do Meio Ambiente, solicitando uma suspensão de projetos de leis e outras iniciativas legislativas que aumentem o desmatamento. As falas dos ex-ministros foram contundentes – todos mencionaram a importância de se proteger a biodiversidade por ser um bem inestimável do país. E ficou clara na fala de todos a revolta com o que está ocorrendo com a descontinuidade de frentes de trabalho que eram eficazes e bem sucedidas.

“A culpa sempre é dos outros”.

A culpa sempre é dos outros. O governo nunca quis dialogar, somar, construir. Muito pelo contrário, desde o início briga, confronta e nega as verdades que para eles são inconvenientes, como foi com os dados de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Tem agido assim com as leis que mudam de acordo com seus interesses pessoais e familiares, negam comprovações científicas e estão colocando o Brasil contra países com enorme potencial de se travar negociações benéficas para todos. A estratégia do governo é a de brigar com todos. Até o agronegócio está sendo mais ambientalista que o próprio governo, pois compreende que se leva tempo para se construir uma legitimidade que é indispensável para que o livre comércio venha a progredir e a proliferar.

A descontinuidade do Fundo Amazônia, a não aceitação de verbas externas com medo da perda de soberania é inaceitável principalmente diante da escassez de recursos para se extinguir o fogo ateado em consequência de sinais e ações inconsequentes dos governantes. Soberania se conquista com trabalho sério e de qualidade. Mas um país que ignora a ciência e age com impulsividade, com ímpetos impensados e sem embasamento teórico ou na experiência adquirida, não pode ser levado a sério.

O que não condiz com o que a cúpula governamental, principalmente as preconcepções do Presidente Bolsonaro e de seu ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, é porque é de esquerda. Tudo é rotulado, desqualificado e combatido sem antes haver uma ponderação do que é melhor para o país. O presidente fala sem pensar ou não pensa no falar. Já o ministro tem o dom da retórica vazia e com grande habilidade distorce verdades. Assusta como descredencia o que vinha sendo feito, desconstruindo processos e transferindo responsabilidades.

“Governos, por piores que sejam, são transitórios. Mas o que se perde na natureza é para sempre”.

Exemplos são inúmeros, mas o mais surpreendente foi com o presidente do INPE, Ricardo Galvão, cujo ado é impecável e de qualidade inquestionável. Chamado de mentiroso, por apresentar dados de desmatamento que não interessavam ser divulgados pelo governo, Galvão foi corajoso em não pedir demissão como forma de mostrar que nada tinha a esconder, até ser exonerado do cargo.

Desde o início desse governo vários servidores públicos foram transferidos ou humilhados ao cumprirem suas funções, como os de controle de áreas sendo desmatadas, por exemplo, largamente noticiado pela mídia. Se o profissional é bom, aí mesmo corre o risco de ser afastado de sua área de competência, pois quanto mais medíocre mais fácil de ser manipulado.

Na verdade, essa sempre foi a tônica do país, que nunca levou educação a sério. Gente que pensa é perigoso. E isso está agora mais evidente do que nunca. O CNPq corre o risco de fechar as portas por falta de verbas, bolsas estão sendo cortadas, universidades públicas encontram-se sem condições de funcionar efetivamente e escolas públicas vão de mal a pior. Ora, sem educação, sem pesquisa e sem incentivos ao empreendedorismo, o país fica à mercê de um governo que tem como manobra chamar atenção todos os dias para algo estapafúrdio, enquanto aprova medidas alarmantes para o futuro do país. Quer aprovar, por exemplo, uma desoneração fiscal para ruralistas devedores, que soma R$ 83 bilhões em 10 anos, o que seria R$ 8.3 bilhões/ano, enquanto o orçamento aprovado para o Ministério do Meio Ambiente é de R$ 2.8 bilhões anuais. Faz sentido?

É lastimável. É triste. É desolador. Mas, a força da natureza que defendemos precisa estar presente em nossa missão em nosso olhar focado na busca de soluções construtivas. Governos, por piores que sejam, são transitórios. Mas o que se perde na natureza é para sempre.

 

Leia Também

Plástico, como seria bom voltar no tempo e desinventá-lo

O mito da ideia do progresso

Não há mal que dure para sempre

 

 

 

Leia também 84q8

Colunas
24 de abril de 2019

Não há mal que dure para sempre 483k58

Nada é efetivo contra um establishment que simplesmente decidiu não ler, não escutar e não ver; que se sente acima de tudo e que é acompanhado pela inércia cega de grande parte da sociedade

Colunas
29 de março de 2016

O mito da ideia do progresso f4p6n

Ganância - um dos problemas ambientais mais graves e a ilusão de um progresso redentor que a todos salvará.

Colunas
12 de janeiro de 2017

Plástico, como seria bom voltar no tempo e desinventá-lo 2by5z

Descoberta de mil e uma utilidades, tornou-se também uma praga ambiental, pois é um material que não se deteriora e costuma acabar em rios e mares

Mais de ((o))eco 6q6w3q

ibama 606926

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 1v428

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal h1y5h

Salada Verde

Assassinato de onça-pintada será investigado pela fiscalização federal 3l4w5s

Salada Verde

Processo contra Salles por contrabando de madeira volta ao STF y6b42

icmbio 6g5b6d

Notícias

Conheça os oito parques nacionais mais visitados em 2024 i3e6y

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 1v428

Salada Verde

Enquete mantém alta rejeição a rebaixamento da Serra do Itajaí de parque para floresta nacional 6x6124

Análises

O direito dos Mbya Guarani de manejar seu território sobreposto pela Rebio Bom Jesus 6w3p1f

política ambiental 6v2p2j

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 1x2p2z

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 4q306r

Reportagens

Maior área contínua de Mata Atlântica pode ser mantida com apoio do turismo 1525x

Caixa Postal 352x2y

Análises

Os oportunistas da notícia 152q3o

Análises

O MT Ilegal 14525b

Análises

Cadâ a pressa da licença ambiental? 6m2x2h

Análises

Biomas esquecidos 4z2q5k

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 15 4i3a1d

  1. Jair diz:

    O movimento ambientalista do qual vocês fazem parte nasceu das ideias neo-marxistas da Escola de Frankfurt e do movimento da contracultura que foi influenciado pelo primeiro. Proteger a natureza e manejar a mesma com responsabilidade é possível. Essa retórica socialista e comunista não contribui para a proteção dos recursos naturais. Vocês vivem em castelos de ouro porque trabalharam bastante e conquistaram seus patrimônios. As ideias do movimento ambientalista contribui apenas para dar mais poder aos estados tirânicos e contribuir para a agenda da Nova Ordem Mundial pregada pela ONU.


  2. José Carlos diz:

    Doutoraem educação ambiental, masde conta pública não entende absolutamente nada! Mais uma que acha que dinheiro público da em árvore. O penúltimo parágrafo é lastimável. Fala do problema mas esquece (não sabe?) a causa.

    Depois falam da falta de diálogo. Os ambientalistas sempre trataram os que não são do meio como bandidos. A lei do retorno tarda mas não falha!


    1. Darci diz:

      É verdade, tem q acabar com a mamata do agronegócio, sempre atrás de desonerações, anistias e subsídios. Ficam andando com seus carrões pagos com dinheiro do povo (desonerações) não fazem nada e vivem vomitando bobagem como se fosse sabedoria. São o atraso, se acham locomotiva qdo são poita.


  3. Teu texto está excelente Suzana! Parabéns! É triste demais o que está acontecendo! Lutar pelas questões ambientais sempre foi difícil, mas agora, a luta torna-se praticamente imobilizante diante da falta de um diálogo sério e com bases sólidas entre governo e sociedade. Enquanto isto, a vida silvestre sofre, morre, se esvai de forma acelerada e assustadora. E a visão ultraada e utilitarista de meio ambiente retorna forte! A de que meio ambiente é um grande armazém de mercadorias a ser explorado… Está mais do que na hora de efetivamente fazermos algo, mas fazer o quê?


  4. Arthur Dent diz:

    Texto verídico. Mas não aponta nenhuma saída, nenhuma ação.
    Esse diagnóstico não foi iluminado por Suzana Pádua – é conteúdo de quase todos os textos dO Eco em 2019.
    O que este texto, enfim, acrescenta?
    Todos os ambientalistas e líderes, de Suzana Pádua a Maria Teresa Jorge Pádua, de Bráullio Dias a Truda, têm contatos com membros desse atual governo – bem como tinham com os antigos.
    Que tal se acionarem sua rede de contatos e influenciarem os donos de poder?
    Porque, sinceramente, choramingos não vão nos ajudar em nada – exceto textos legaizinhos e indignados para quotar nas redes sociais.


    1. Flávio Lamas diz:

      Arthur, infelizmente desde o processo eleitoral que levou Bolsonaro à vitória, o movimento ambientalista brasileiro queimou pontes — isolou-se, achando que se eleito ele se curvaria. Assim, jogou o então candidato no colo do agronegócio, a quem ele se mostra grato hoje, mesmo à custa de uma política com visão unilateral, desprezando gente boa e importante. Claro que há interesses também, e interessados reclamam, usando dados e fatos ao bel prazer. Se quisermos algum avanço, é preciso construir pontes. Recentemente vi uma chuva de pancadaria sobre o pesquisador Evaristo Miranda, um cientista de respeito e com trabalho sério. Mais uma ponte queimada. Lamento, mas pelo jeito teremos apenas chororô da nossa turminha.


      1. Zen diz:

        Qual é sua turminha, Flávio?


  5. Ludmila diz:

    Parabéns pelo texto, Suzana, preciso e corajoso!! Inspiração e liderança para todxs no GT diversidade e gênero no PACTO!! Seguimos!


    1. Clodoaldo diz:

      Escreve "todxs" já sabemos qie tipo é…


      1. Tigrão diz:

        Argumentação tosca, confere;
        Escatologia, confere;
        Ignorância, confere;
        Falta de educação, confere;
        Escatologia, confere;
        Erros de português, confere;
        Homossexualidade enrustida mal dissimulada, confere;
        Bozólôko confirmado!


  6. Ana Paula Balderi diz:

    Muito bom vou compartilhar, pois a leitura vai ajudar muitas pessoas a refletirem sobre a importância da natureza e seu importante valor


  7. J. C. Bicca-Marques diz:

    Excelente, Suzana! PARABÉNS! Leitura obrigatória para todos os que se preocupam de verdade com o futuro do Brasil!


  8. atual234014103 diz:

  9. Zysman Neiman diz:

    Mais que nunca estamos juntos, Suzana!!
    Vamos superar esse período sombrio e, como sempre, avançar nossa luta!

    Abs,

    Zysman Neiman