Análises

Acossados pela urbanização e o cativeiro 4az1z

Os dois Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) de Manaus amparam animais que sobreviveram a tiros e ao confinamento.

Marcio Isensee e Sá ·
16 de maio de 2013 · 12 anos atrás

O Gavião-Real que chegou ao Sauim-castanheiras baleado no pescoço. Sua recuperação levou um ano e permitiu que ele fosse devolvido à natureza. Fotos: Marcio Isensee. | Clique para ampliar
O Gavião-Real que chegou ao Sauim-castanheiras baleado no pescoço. Sua recuperação levou um ano e permitiu que ele fosse devolvido à natureza. Fotos: Marcio Isensee. | Clique para ampliar

Manaus é hoje a 10ª maior região metropolitana do Brasil com 2.2 milhões de habitantes, segundo o IBGE. O coração da Amazônia, como gosta de ser conhecida, é ao mesmo tempo grande centro econômico e ferida na floresta. Sofre com trânsito caótico, poluição dos igarapés, rios e bacias, especulação imobiliária e crescimento horizontal que adentra a mata. A fauna que habita seu entorno sofre com o atrito da cidade, com a caça e o tráfico ilegal de animais.

Para amenizar esse conflito em que sempre perdem os animais, Manaus mantém dois Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS), cuja função e acolher animais resgatados pelos órgãos ambientais ou entregues pela população. Um deles está dentro do Refúgio da Vida Silvestre Sauim-Castanheiras, uma Unidade de Conservação de proteção integral, gerida pelo Município. O outro se encontra dentro da sede do IBAMA na cidade. Com poucos recursos, os veterinários e tratadores desses centros realizam um trabalho formidável de cuidar de ferimentos físicos e traumas, na tentativa de reintroduzir os animais à natureza.

Manaus cresce a uma taxa de 2% ao ano e o surgimento de novos empreendimentos imobiliários é inevitável.
Manaus cresce a uma taxa de 2% ao ano e o surgimento de novos empreendimentos imobiliários é inevitável.

Sem recursos

Entrada do Refúgio da Vida Silvestre Sauim-Castanheiras, uma UC de Proteção Integral com 95 hectares que abriga um CETAS.
Entrada do Refúgio da Vida Silvestre Sauim-Castanheiras, uma UC de Proteção Integral com 95 hectares que abriga um CETAS.

“Nossas dificuldades são muitas. A maior talvez seja falta de profissionais disponíveis. Faltam veterinários, biólogos e tratadores em número suficiente”, diz Diogo Cesar Lagroteria, único veterinário do Ibama no estado do Amazonas. Ele é obrigado a dividir seu tempo entre trabalhos istrativos, de fiscalização e de cuidar dos animais do CETAS/Ibama. Diogo sonha com o engajamento e parceria de universidades, instituições de pesquisa e iniciativa privada como uma saída para fortalecer os centros, mas esta não é a realidade. “Com a falta de gente, estrutura e verba, fica difícil desenvolver um trabalho que não seja quase sempre emergencial”, diz.

O outro CETAS de Manaus, o Saium-Castanheiras sofre das mesmas mazelas. A estrutura deste centro é satisfatória, mas também esbarra na falta de pessoal e verbas para manutenção e melhorias. Segundo o veterinário responsável, Laérzio Chiesorin Neto, o Saium-Castanheiras tem 18 funcionários, dos quais apenas 1 veterinário e 3 tratadores. Esse paranaense que escolheu dedicar a vida ao tratamento de animais amazônicos levou a reportagem de ((o))eco para um tour que mostrou parte dos 170 animais “hospedados” neste CETAS. Sob os cuidados da sua equipe, há cobras, araras e macacos, além de um belíssimo Gavião-Real.

 

Diogo Lagroteria segura um filhote de Macaco-Barrigudo.
Diogo Lagroteria segura um filhote de Macaco-Barrigudo.

(Esquerda) Laérzio e um Macaco-de-Cheiro. Esse tipo de animal é frequente no CETAS, pois são capturados para “estimação” e depois de adultos renegados. (Direita) Diogo Lagroteria segura um filhote de Macaco-Barrigudo.

Um dos problemas recentes do Sauim-Castanheira decorre de modificações na legislação ambiental promovidas pela Lei Complementar 140 (Dez/2011). por ela, a competência da gestão da fauna divide atribuições entre união, estado e municípios. Katia Schweickardt, secretária municipal de Meio Ambiente, vê com preocupação a situação do CETAS Sauim-castanheiras: “o município está saindo da gestão da fauna”, disse. “Para cuidar dos animais a gente precisa de recursos. (…) A gente [o município] entrou em entendimento com o governo do estado e vamos apoiar a manutenção do CETAS se o estado assumir itens como alimentação, medicação dos animais e quadro funcional”.

“Sortudos” e “azarados”

O CETAS Sauim-castanheiras recebe com maior frequência macacos (principalmente macaco-prego) de pessoas que os pegaram filhotes para criar e descobriram que, quando crescem, se tornam agressivos. Outro caso é o de animais que foram feridos por pessoas. Uma cobra Jiboia chegou ao refúgio esfaqueada e lá estava se recuperando para ser devolvida à floresta. Um gavião-real se recuperava de um tiro no pescoço. O animal foi resgatado na BR-174 e ninguém sabe a causa do tiro, mas a recuperação demorou 1 ano (logo após a visita de ((o))eco, o Gavião foi solto na mata). “Infelizmente o animal não foi marcado ou monitorado, mas parecia apto e a expectativa é de que se vire bem na mata”, disse Laerzio. Desde 2009, o Sauim-Castanheiras já atendeu mais de 3.200 animais, com uma taxa de retorno à natureza perto de 70%.

Um periquito sem os olhos, arrancados em cativeiro.
Um periquito sem os olhos, arrancados em cativeiro.
Filhote de Onça-Parda de 6 meses. A reintrodução deste animal na natureza é praticamente impossível.
Filhote de Onça-Parda de 6 meses. A reintrodução deste animal na natureza é praticamente impossível.

Mas a sorte não sorri para todos. O filhote de onça-parda teve sua mãe abatida por caçadores e chegou ao CETAS do Ibama em boas condições de saúde, com aproximadamente 2 meses de idade. Agora com 6 meses, as chances de ser reintroduzido na natureza são mínimas. O felino aprende suas habilidades de caçador com a mãe e o filhote não teve essa chance. Segundo Diogo Lagroteria, uma onça em cativeiro está “ecologicamente morta”. Esta pequena onça-parda está fadada a longa espera por um lugar em um zoológico ou por um criador autorizado.

Clique nas imagens para ampliá-las e ler as legendas


*Matéria editada em 17/05/2013 às 15h22

 

 

Leia também
Manejo de fauna, manejo de gente
Em Manaus, a fauna visita a cidade
Fauna abundante, conservação às avessas

 

 

 

  • Marcio Isensee e Sá 502d6e

    Marcio Isensee e Sá é comunicador e gestor de conteúdo, especializado em jornalismo e audiovisual socioambiental. Atua na lid...

Leia também 84q8

English
2 de junho de 2025

Protected areas along an Amazon highway in sight of land grabbing, deforestation and fire 6f4c67

Finishing the pavement of BR-319 in Brazil could unleash an environmental destruction capable of irreversibly changing the world's climate

Análises
2 de junho de 2025

Em boa hora 6b1t6

Aprovação da Lei do Mar pela Câmara de Deputados ganha relevância internacional após o reconhecimento da ampliação da Plataforma Continental na Margem Equatorial

Salada Verde
2 de junho de 2025

Países do BRICS querem US$ 1,3 tri para financiar ações climáticas 1m2a3j

Os recursos podem vir de reformas de bancos multilaterais, maiores financiamentos, capital privado e um fundo florestal

Mais de ((o))eco 6q6w3q

conservação 4y3hz

Notícias

Zoos e aquários podem investir mais em conservação, aponta ong 1u5h6i

Fotografia

Galeria: Veja como foram os atos contra o PL da Devastação 6g1o27

Notícias

Tribunal de Justiça do RS desobriga companhia de isolar fios para evitar choques em bugios 48634p

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI n6j56

fauna 1xr1c

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 3o3249

Colunas

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 1l5y71

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 4o4w5q

amazônia ia40

Notícias

Onda de apoio a Marina Silva após ataques sofridos no Senado une ministras, governadoras e sociedade civil 3h52q

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 386zf

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 1a2m6g

Capa 5w1yx

Fotografia

A Catedral de Mármore 4f25l

Fotografia

Um monte entre as nuvens 623h3o

Fotografia

Uma praia sem mar 1v4hp

Fotografia

Preikestolen, o Púlpito de Pedra 2v645l

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.