Reportagens

Plantar é lindo 4e2on

No Brasil é raro as pessoas zelarem pelo espaço público. Mas em Brasília, boa parte das árvores foi plantada pela população. Ainda que com alguns tropeços.

Carolina Mourão ·
9 de março de 2006 · 19 anos atrás

“Eu o o dia naquela função de agachar, levantar, erguer a enxada, cavar. Vou e volto. Pego água longe várias vezes, bom demais”. É assim que o aposentado Adilson Ribeiro, de 73 anos, define a atividade física que exerce há mais de 15 anos: plantar mudas de árvores pela capital — sem autorização e sem incomodar ninguém. “Planto uma por semana. Graças às minhas árvores, eu ainda tenho saúde”.

Adilson me levou até a primogênita. “Esta castanheira já fez 16 anos, é meu bebê. No aniversário, em novembro, coloco uma fita ao redor do tronco e dou uma adubada na largura da sombra. Ela me conhece, dá sinais quando eu chego”, garante.

Fazendo as contas, Adilson já plantou pelo menos 720 árvores nos últimos 15 anos. E se o hábito parece coisa de maluco, então Brasília é um hospício. Muita gente faz a mesma coisa, pelos mais diferentes motivos. Não se sabe de onde veio essa idéia que contaminou parte da população, mas Adilson arrisca uma teoria: “Provavelmente veio da mania de cultivar primeiro pequenas toiceiras, que evoluiu para a necessidade de sombras na cidade, que é muito clara. Depois também veio o alarme de que o meio ambiente precisa de uma força”.

Tiasadhora Dias da Silva o faz por preocupação com a formação ambiental da filha, Marissol (na foto, à direita), de 10 anos. Compra mudas, sempre do cerrado, nos viveiros dos arredores da capital desde que a filha tinha 4 anos. “Não são baratinhas. Pago 40, 50 reais num ipê, mas vale à pena. A Marissol a a semana inteira contando os dias para plantar a muda que a gente compra na semana anterior. É ela quem molha, põe no sol e até conversa enquanto ainda está lá em casa, no jarro”, conta.

Segundo Marissol, as amigas também curtem o programa. “Minhas amigas do prédio esperam a minha mãe descer com a mudinha no sábado de manhã. São as crianças que escolhem o lugar, e se a minha mãe achar que está bom, a gente planta. Depois a gente fica vigiando se ninguém tira a proteção. Eu tenho já mais de 250 árvores e a gente agora está plantando mais longe”, contabiliza com orgulho.

O que a mãe da Marissol não sabia é que algumas ongs ajudam a incentivar o plantio voluntário de mudas nativas do cerrado na capital, e cobram muito menos por elas. Uma delas é o Instituto Vida Verde (IVV). A presidente, Ivone Baracat, acredita que as árvores são o pulmão e a beleza de Brasília. “É o prazer estético que estimula o plantio, o desfrute da paisagem, o prazer do homem com o meio”, diz. O IVV já plantou mais de 30 mil mudas nativas com ajuda de voluntários na Área de Proteção Ambiental (APA) Gama Cabeça de Veado, com 25 mil hectares.

A APA inclui os bairros Lago Sul e Park Way, o Catetinho, núcleos rurais, córregos, a cidade-invasão Candangolândia, a reserva ecológica da Universidade de Brasília (UnB), o Jardim Botânico, a Fazenda Água Limpa (da UnB), o Zoológico e o Aeroporto. Mas sofre com a poluição das águas, dos lençóis freáticos, com a invasão e grilagem de terras públicas, com depósitos de entulhos, de lixo e de animais mortos. Essas ameaças, só plantio de árvores não resolve.

Problemas

Ozanam Coelho, diretor do Departamento de Parques e Jardins da Novacap, afirma que não há um dado sobre o número de árvores plantadas pela população, mas está certo que ultraa a marca de 6 mil por ano. Ele diz que apesar do plantio aleatório de mudas ser um “gesto de amor espontâneo louvável”, representa, na maioria das vezes, um problema. “O plantio é algo técnico, exige o mínimo de orientação. Quase sempre as árvores plantadas pela população são frutíferas e não pertencem ao cerrado. A sombra dos abacateiros para os carros, na época da safra, vira uma ameaça à lanternagem”, diz, ao listar uma série de exemplos.

“Outras vezes querem plantar uma árvore em uma cova de roseira. Vai dar problema. Acontece também do cidadão tirar uma muda de ipê, que fica careca uma parte do ano, e substitui-la por uma mangueira. O fícus é uma praga: todo mundo planta, cresce rápido e dá uma ótima sombra, até a raiz levantar a estrutura do prédio. Sobra pra gente acudir” reclama Ozanam. Ele conta que recentemente a Novacap se envolveu em um litígio entre moradores de um prédio. O objeto da briga era uma espécie frutífera que atrai morcegos. “Eles não fazem nada, só barulho, muito cocô e assustam as pessoas. A árvore frutífera, a calapura, estava muito perto do prédio e os morcegos estavam entrando nos apartamentos. Tivemos de fazer um acordo com parte dos moradores que eram a favor da árvore para poder cortá-la”, explica.

Mesmo assim, Ozanam reforça: “O ideal é trocar as espécies prediletas por outras do cerrado. A participação da população no plantio é importantíssima. A gente só pede que a telefonem antes para receber orientação sobre onde plantar, a distância certa e a espécie ideal. Daremos todo o apoio. Nos viveiros particulares uma muda de ipê pode custar 50 reais, enquanto a gente vende por 1 ou 2 reais. Plantar é lindo demais”.

Para quem concorda e quer tentar, o telefone da Novacap é (61) 3233-8099.

  • Carolina Mourão 6a3r5j

Leia também 84q8

Salada Verde
30 de maio de 2025

Sociedade civil protesta contra PL que quer acabar com o licenciamento 6n1v2o

Mobilização ocorre em ao menos 12 capitais. Protestos estão marcados para ocorrer neste domingo e marcam o início da semana do meio ambiente

Salada Verde
30 de maio de 2025

Chance de aquecimento da Terra ultraar 1,5°C aumentou, mostra estudo 3263y

Países caminham para que a principal meta do Acordo de Paris seja descumprida. Chance de que o aquecimento fique entre 1,5ºC e 1,9ºC em pelo menos um dos próximo cinco anos é de 86%, diz ONU

Reportagens
30 de maio de 2025

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 4h422r

Há 300 anos vivendo no bioma, modo de vida fecheiro envolve a criação de gado para subsistência e a proteção da vegetação nativa

Mais de ((o))eco 6q6w3q

clima e energia 4k2q1l

Notícias

Não cabe ao MMA definir o caminho da política energética brasileira, diz Marina Silva 1v3u43

Colunas

Nordeste Brasileiro: A Região esquecida no centro do debate climático 2p1x33

Colunas

Os desafios da diplomacia climática em 2025 3r3y3h

Reportagens

Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão   6m6n3w

ICS 3m682z

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI n6j56

Notícias

Transição energética entra de forma discreta na terceira carta da Presidência da COP30 425t72

Salada Verde

Veja como votou cada senador no projeto que implode o licenciamento ambiental 224w5g

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 4q306r

conservação 4y3hz

Notícias

Tribunal de Justiça do RS desobriga companhia de isolar fios para evitar choques em bugios 48634p

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI n6j56

Análises

O PL da Devastação e a falsa promessa do progresso 155t47

Reportagens

Ajustes em trilha podem melhorar sua função de corredor ecológico no Cerrado 3w201a

biodiversidade 17186n

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 3o3249

Colunas

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 1l5y71

Salada Verde

Brasil está entre os dez países líderes em projetos com créditos de biodiversidade 4z2f3x

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 1x2p2z

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.