Fotografia

O Brasil de Marcel Gautherot 4e3i6n

Na Amazônia ou no Sertão, Marcel Gautherot documentou como poucos o Brasil. Suas fotos em preto e branco tem como pano de fundo a atemporalidade dos problemas ambientais.

Adriano Gambarini ·
10 de novembro de 2007 · 18 anos atrás

Marcel Gautherot é um dos fotógrafos cuja obra mais me fascina. Seu livro “Bahia: Rio São Francisco, Recôncavo e Salvador” chegou às minhas mãos em 1996, às vésperas de minha segunda empreitada pelo Velho Chico.

Tal fascínio talvez se deva ao fato das primeiras fotografias que vi terem sido do interior sertanejo da Bahia, lugar por onde viajei quando ainda era mochileiro. Fiquei encantado com aquele olhar viajante, sua incondicional busca do documental regado de uma estética simples estimulando o imaginário do leitor. E um gosto inexplicável por viajar; a tríade de razões que eu sempre busquei no meu trabalho.

Nascido em Paris em 1910, Gautherot tornou-se arquiteto-decorador aos 18 anos. Com criações refinadas e de extremo bom gosto, viaja ao México para fotografar objetos de arte pré-colombiana, mas por conta própria visita a fazenda Tertlapayac, palco do filme ‘Viva México’. Seu olhar apurado e artístico na fotografia atrai interessados como Christian Zervos e Picasso, que pede uma série de cópias.

A curiosidade pelos trópicos e o gosto por viajar o faz percorrer vários caminhos, mas foi através da obra Jubiabá, de Jorge Amado, que Marcel se encanta com o Brasil. Em 1939, chega em Belém do Pará, com pouco dinheiro, sem nenhum roteiro a seguir, apenas a busca pelo inesperado. Ao preço de um relógio vendido, parte num barco a vapor pelas entranhas da Amazônia e se fascina pela população ribeirinha, igapós, castanhais. Mas a Amazônia também deixa marcas em suas entranhas, com uma malária que felizmente não faz muitos estragos.

Retorna para Segunda Guerra na Europa, mas em 1940 volta para o Rio de Janeiro, e a a conviver com Pierre Verger, Carybé, Mario de Andrade e Carlos Drummond, que chegou a defini-lo como ‘um dos mais notáveis documentadores da vida nacional’. A sua fotografia é sem preconceito, permeada de humanismo em quase todas as grandes regiões geoculturais do Brasil. Ao longo de sua vida como “Francês do Brasil”, documenta tudo que vê: seringais, rios e embarcações, a construção de Brasília, obras petrolíferas no interior do país, o Pelourinho baiano, feições, vestimentas, tradições.

Apesar de seu foco apontar toda esta estética documental das diversas manifestações culturais, rostos marcados pelo sol cultuando a fé em festas religiosas, ou mesmo os traços arquitetônicos barrocos e modernistas, encontramos muitas imagens onde o meio ambiente é pano de fundo, que embora ainda razoalvemente intacto, já prenuncia a natureza como uma fonte esgotável.

O Instituto Moreira Sales agrupa um dos maiores acervos do trabalho de Gautherot. Ao editar algumas fotos mais condizentes com esta seção, principalmente da Amazônia e do Rio São Francisco, encontrei novamente a atemporalidade dos problemas ambientais. Não fosse a monocromia das fotos em preto&branco, ou o formato quadrado resultante da boa e velha câmera Rolleyflex, as fotos de toras de madeira boiando num lago próximo a Manaus poderiam ar como uma fotografia recente. Provavelmente o olhar de Gautherot estava ainda imune aos preceitos catastróficos que hoje obrigatoriamente nos acompanha ao documentar o meio ambiente. Pois não há uma só região no Brasil em que possamos seguir em busca da beleza incondicional da natureza, sem nos deparar com a conclusão – o homem esteve aqui – no conceito pejorativo da expressão. Isto é triste, preocupante e ível de emergência.

  • Adriano Gambarini 3j386v

    É geólogo de formação, com especialização em Espeleologia. É fotografo profissional desde 92 e autor de 14 livros fotográfico...

Leia também 84q8

Reportagens
4 de junho de 2025

O adeus de Niède Guidon, a matriarca da Serra da Capivara 281z1u

Arqueóloga foi uma das principais forças para criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e mudou a compreensão sobre a ocupação humana das Américas

Reportagens
4 de junho de 2025

Niède Guidon, a gigante da conservação e da pesquisa 2r3p24

Em uma de suas últimas entrevistas, realizada em 2022, a arqueóloga franco-brasileira relembra sua trajetória para o Mulheres da Conservação

Colunas
4 de junho de 2025

Verão em Realengo  6i1i14

Na semana mundial do meio ambiente estaremos aqui caminhando e cantando, nos dias 06 e 07 de junho, uma sexta e um sábado, em dias muito úteis para essa jornada de transformação ecológica e energética

Mais de ((o))eco 6q6w3q

Eco – Fotografias 5e142k

Fotografia

O lirismo amazônico de Maria di Andrea Hagge 5f114g

Fotografia

Pantanal sob a ótica de Theo Allofs 5s73h

Fotografia

Jonny Gitti e seu simples olhar 1r2a3k

Fotografia

A Amazônia de George Leary Love 73t6u

mudanças climáticas 1j5e1m

Colunas

Verão em Realengo  6i1i14

Salada Verde

Países do BRICS querem US$ 1,3 tri para financiar ações climáticas 1m2a3j

Salada Verde

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 2651j

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 4o3a5d

oceanos 5b3867

Reportagens

O quão pouco já vimos das profundezas do mar 6e6p51

Salada Verde

APA Baleia Franca sob ataque: sociedade protesta contra tentativa de redução 4k2y6n

Notícias

Projeto quer reduzir APA da Baleia-Franca, em Santa Catarina v3z5v

Salada Verde

Trilha Transcarioca terá trecho oceânico até arquipélago das Cagarras 5a36r

aves 5q1863

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 4o4w5q

Salada Verde

Plataforma aborda tráfico de animais em três países 4m829

Reportagens

O atobá quarentão que uniu gerações de pesquisadores 184h6e

Salada Verde

As incríveis revoadas de guarás no litoral paranaense 156fz

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.