Uma ilha verde em São José dos Campos 4d3m2b

Um resquício de Mata Atlântica secundária insiste em sobreviver em plena São José dos Campos (SP), hoje um centro urbano de 600 mil habitantes e um pólo industrial que abriga nada menos do que a Embraer. A mata em questão já foi a ponta de um corredor verde de Mata Atlântica genuína com extensão de 24km, que desce a Serra do Mar e chega até a cidade de Paraibuna, litoral norte de São Paulo. Com a expansão pecuária e a urbanização local, esse trecho de mata de 5 hectares e meio (cerca de 55.000 metros quadrados) foi isolado do resto do corredor.

Ignorada pelo poder público até poucos anos atrás, a conservação desta área se beneficiou dos esforços incansáveis e solitários de Jairo Santos, 62 anos, treinador do time de futebol local. Autodidata, Seu Jairo, como é conhecido, conhece essa mata como a palma da mão. Ele sabe o nome de cada árvore e apelida os animais que ainda vivem por lá. Dentre eles, destaca-se o Sagui da Serra Escuro também chamado de Sagui do Vale do Paraíba, espécie originária da Mata Atlântica, ameaçada de extinção por perda de habitat.  Sua sobrevivência nesse pequeno pedaço de verde é um fenômeno raro. Esse sagui compete em desvantagem com o Sagui do Tufo Preto e o Sagui do Tufo Branco, espécies mais resistentes e adaptáveis ao meio urbano e que também costumam ser domesticadas.

O Sagui do Vale do Paraíba é tímido frente a presença humana, mas os alimentando regularmente Seu Jairo estabeleceu uma amizade com os bichos:

– Dou banana para eles duas vezes ao dia há mais de 10 anos, conheço todos os macaquinhos que vivem aqui, e eles me conhecem, se comunicam comigo quando chega a hora da refeição.

Apesar das boas intenções, essa aproximação não é boa para os animais, pois tende a fragilizar sua capacidade de obter alimentos por si próprios. Mesmo imperfeita, a atuação de Jairo é importante para a preservação da área. Ele trabalha dia e noite como guardião da sua integridade.

– Outro dia soube que um vizinho pegou um macaco e colocou numa gaiola. Eu fui lá tirar satisfações, mostrar quem é que manda aqui. Mas cheguei tarde, o saguizinho já estava sem dentes.

A Prefeitura de São José nomeou a área de Parque do Alambari e a Petrobrás, que a dutos pelo local, assumiu a responsabilidade de reflorestá-la e reconectá-la ao restante do corredor verde que se estende até Paraibuna. O processo começa em setembro deste ano. Até lá, o Sagui do Vale do Paraíba e as demais espécies deste fragmento contam apenas com a boa vontade de seu Jairo, que já educa a neta em suas incursões no interior da mata. “Não faço isso para ganhar coisa alguma, acho que cuidar do planeta é dever de cada um. Mas as pessoas esquecem. Por isso o mundo tá desse jeito. As pessoas preferem ver TV.

Sagui do Vale do Paraíba (Callithrix aurita) é uma espéciel originária da Mata Atlântica e faz parte da lista de espécies ameaçadas de extinção por perda de habitat natural.
Foto: Victor Moriyama

Vista aérea do local (via Google Earth)

O resquício de Mata Atlântica (veja balão em vermelho 'A') fazia parte do corredor verde remanescente do bioma que ligava a cidade de São José dos Campos e de Paraibuna.
Foto: Victor Moriyama

A Petrobrás Utiliza o espaço por onde a dutos submersos. Eles dificultarão o processo de reflorestamento, previsto para setembro de 2011, que será realizado pela própria empresa.
Foto: Victor Moriyama

A área é vizinha de uma fazenda de criação de gado.
Foto: Victor Moriyama

A expansão pecuária é um obstáculo à conservação de biomas naturais. Na região existe larga presença de gado leiteiro nos pastos das áreas rurais próximas a cidades do Vale do Paraíba.
Foto: Victor Moriyama

Seu Jairo observa a geografia do local, marcada por parcelas distintas. Na parte esquerda da imagem está localizada a área de Mata Atlântica, ao centro um pequeno pasto e ao lado direito, no topo do morro, casas que marcam o início da área urbana.
Foto: Victor Moriyama

Além do pasto, a vizinhança da fazenda altera o equilibrio do bioma atraindo animais exóticos à mata, que competem pela sobrevivência com os nativos.
Foto: Victor Moriyama

Sagui da Serra Escuro, também conhecido como Sagui do Vale do Paraíba. A travessia do resquício de mata para o corredor verde é limitada pela superexposição que o terreno oferece aos seus predadores naturais, aves de rapina como o gavião e o carcará.
Foto: Victor Moriyama

O Sagui do Vale do Paraíba faz parte da lista oficial do IBAMA dos primatas ameaçados de extinção.
Foto: Victor Moriyama

Seu Jairo percorre a cada dia um trecho da mata e por onde a recolhe lixo reciclável despejado no interior da mata. "O caminhão da reciclagem a em casa todas as segundas e sexta-feiras da semana. Por que alguém joga lixo na floresta?"
Foto: Victor Moriyama

Seu Jairo emite ruídos para interagir com os saguis. Eles respondem. Os animais sabem que os assovios significam comida.
Foto: Victor Moriyama

Os saguis se sentem tão à vontade próximos da família de Seu Jair que brincam no entorno da carranca artesanal.
Foto: Victor Moriyama

O Sagui do Vale da Paraíba se alimenta de insetos, resina de árvores e pequenos frutos. A floresta proporciona tudo que a espécie precisa.
Foto: Victor Moriyama

Bananas e outras frutas não fazem parte da dieta original proporcionada pelos ecossistemas da Mata Atlântica.
Foto: Victor Moriyama

Seu Jairo alimenta com bananas duas vezes ao dia o grupo de 7 saguis que vive na mata ao lado de sua casa.
Foto: Victor Moriyama

"Todo dia eu compro um cacho de banana, o dono do armazém até faz um desconto para mim".
Foto: Victor Moriyama

O processo de reprodução do Sagui do Vale do Paraíba é curioso. Nascem sempre gêmeos após um período de 144 dias de gestação.
Foto: Victor Moriyama

Esse sagui tem em média 50cm de comprimento, 30 dos quais só de cauda. Seu peso médio é de 400g.
Foto: Victor Moriyama

Se caracteriza pro sua cauda longa, negra com faixas brancas circulares. A pelagem é predominantemente preta com pontas brancas na crista. Uma mancha branca no peito também serve para identificar o animal.
Foto: Victor Moriyama

Foto: Victor Moriyama