Notícias

Em tempo de declínio de abelhas, alugar colmeia virou negócio 3f4v1p

Produtores rurais alugam abelhas para garantir produção de frutas. Pagam por colméia e o preço varia de acordo com a região do país.

Nanda Melonio ·
29 de junho de 2015 · 10 anos atrás

As abelhas são responsáveis pela polinização de 71% das espécies vegetais que suprem 90% da oferta de alimentos do mundo. Foto:
As abelhas são responsáveis pela polinização de 71% das espécies vegetais que suprem 90% da oferta de alimentos do mundo. Foto:

Elas trabalham todos os dias do ano, sem direito a benefícios ou folgas. São confinadas em pequenas casas de madeira ao longo das plantações e têm até sua mão de obra alugada. Parece um relato de escravidão rural, mas nada mais é do que uma prática legal e altamente recomendável: o uso de abelhas na produção agrícola.

Embora o vento, morcegos, borboletas, besouros e moscas também se encarreguem da polinização das flores, as abelhas são os principais agentes responsáveis pela formação dos frutos: estudo da FAO indica que 71% das espécies vegetais que suprem 90% da oferta de alimentos são polinizadas por elas.

Sabendo de sua importância neste processo, os agricultores têm alugado colmeias dos apicultores para aumentar a produtividade de frutas como maçã, melão e abacate. Só no Sul do Brasil, a estimativa é de que 60 mil exemplares sejam alugados por ano por produtores de maçã, por exemplo.

O preço do aluguel pode variar de acordo com a região do país. Enquanto no Sul, onde a prática é mais tradicional, os apicultores recebem de R$ 60 a R$ 80 por colméia pela prestação do serviço, há lugares em que a prática é mais recente e o preço menor. No Distrito Federal, por exemplo, a Associação Apícola local (API-DF) estima que o aluguel tenha começado há um ano.

“Dependendo da florada e da dimensão da área, um produtor aluga entre 10 e 20 colméias. O preço varia entre R$ 20 e R$ 30 por colmeia, mas como o serviço é relativamente recente, ainda é pouco procurado”, diz Rogério Matos, consultor da API-DF.

Já no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, o aluguel de colmeias é realizado há cerca de 30 anos, principalmente nos pomares de macieiras, pois algumas espécies da árvore dependem totalmente dos polinizadores para se reproduzir.

De acordo com Aroni Sattler, professor de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estima-se que 60 mil colméias de Apis melifera são utilizadas no período de polinização, que varia de 15 a 20 dias, geralmente no início da primavera, em uma área de aproximadamente 18 mil hectares.

Ele afirma que as abelhas podem ser utilizadas também em outras culturas, como é o caso do melão, canola, melancia, abóbora, pepino, dentre outros.

Um experimento feito pelo curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) mostra o quanto o uso de colméias extras pode ser benéfico na produção de frutas: normalmente, usa-se 2 ou 3 colméias de abelhas por hectare no estado, o que rende 35 toneladas de maçãs na área. Na experiência, foram utilizadas 6 colméias por hectare, o que fez com que a produtividade aumentasse para 79 toneladas.

Sattler diz que o número atual de colméias por hectare ainda é baixo: “teria que haver mais abelhas, mas o custo do aluguel é considerado alto pelos agricultores. Muitos atribuem a baixa produtividade a outros fatores, mas o principal é a ausência de polinizadores”.
 
Por que utilizar abelhas?

As abelhas são consideradas mais eficientes que os demais agentes polinizadores graças a uma característica batizada pelos cientistas de “fidelidade alimentícia”: enquanto borboletas abandonam as plantações para buscar flores silvestres, a abelha só deixa a área quando não há mais flores a visitar.

Além disso, são visitantes florais obrigatórios porque dependem de recursos das plantas como pólen, néctar, óleos e resinas durante todo o seu ciclo de vida: desde quando ainda são larvas, as abelhas são alimentadas com uma mistura de pólen e néctar, e os adultos buscam ativamente o alimento nas flores.

No entanto, o número de abelhas tem declinado bastante em todo o mundo nos últimos anos. Produtores, ambientalistas e pesquisadores estão alarmados com a Desordem do Colapso das Colônias (DCC). De acordo com estudo da pesquisadora Fábia de Mello Pereira, da Embrapa Meio Norte, “a DCC é caracterizada pela ausência de abelhas vivas ou mortas na colônia, mas com a presença de crias e alimento, podendo ser encontrado, em alguns, uma pequena quantidade de operárias e a rainha dentro da colmeia”.

As causas da DCC ainda são desconhecidas, mas o foco das pesquisas atualmente resume-se a três possibilidades: envenenamento por pesticidas; ataque de um novo parasita ou patógeno; e a combinação de fatores estressantes que deixam as abelhas com sistema imunológico vulnerável, levando-as ao colapso.
 
Uso indiscriminado de pesticidas

O professor Aroni Sattler afirma que até o cultivo da soja poderia ser beneficiado com as abelhas, chegando a ter um aumento de 15 a 20% de produtividade. No entanto, ele diz que “o modelo agrícola atual, com muito uso de defensivos, não beneficia a utilização de colmeias e os apicultores não gostam de colocar abelha na soja, por causa do alto risco de contaminação por utilização indiscriminada de agrotóxicos”.

Para ele, também falta uma parceria mais efetiva entre apicultores e produtores: “nem sempre as colmeias contam com uma população adequada para a área. Por outro lado, os agricultores também não fazem um manejo de controle de pragas na época apropriada. Há muito que melhorar na relação”.

Embora as abelhas não sejam o alvo dos pesticidas utilizados na agricultura, são altamente vulneráveis por forragearem nas áreas contaminadas. O consumo anual de agrotóxicos no Brasil é superior a 300 mil toneladas e, nos últimos 40 anos, aumentou em 700% – enquanto a área agrícola cresceu apenas 78% no mesmo período.

Além da toxicidade que leva à morte das abelhas, os pesticidas também podem provocar alterações comportamentais e fisiológicas nos insetos, o que pode causar sérios prejuízos na manutenção das colônias. Alguns agrotóxicos influenciam inclusive na percepção de estímulos ambientais como a atratividade das flores, o que acarreta em mudança das escolhas habitualmente feitas pela espécie.

O resultado final, que pode não ser facilmente reversível, é uma área com grande demanda por polinização durante o florescimento e pequena quantidade de polinizadores naturais, ou até mesmo o desaparecimento definitivo das abelhas.

 

 

Saiba Mais
O silêncio das abelhas

Leia Também
Ibama estuda proibir agrotóxicos nocivos às abelhas
Aplicativo permite documentar desaparecimento de abelhas
Campanha mundial para a proteção das abelhas
Desbancadas pelas africanas, abelhas sem ferrão ressurgem

 

 

 

  • Nanda Melonio 2w2i6q

    Nanda Melonio é jornalista formada pela UFPA e UERJ

Leia também 84q8

Salada Verde
6 de junho de 2025

Em pronunciamento, Marina Silva sai em defesa do Licenciamento Ambiental 32i1x

“Não podemos permitir que, em nome da agilização das licenças ambientais, seja desferido um golpe mortal em nossa legislação”, discursou a ministra. Leia o discurso na íntegra

Análises
6 de junho de 2025

Governo do RS ignora perda anual de vegetação campestre para comemorar a ilusão do Pampa conservado 6w566i

Relatório que apontou queda no desmatamento do bioma ite limitação para avaliar campos, mas Governo do Estado vangloria-se de um suposto sucesso da sua política ambiental

Colunas
6 de junho de 2025

ONU reúne 2 mil cientistas para transformar conhecimento em ações políticas para o oceano 6k6n12

Especialistas de mais de cem países estão em Nice, na França, para definir ações prioritárias até 2030 para melhorar a saúde do oceano

Mais de ((o))eco 6q6w3q

agricultura 6l3z6q

Notícias

Mais sustentabilidade e menos juros: a aposta do novo Plano Safra 2p346b

Notícias

Publicação faz diagnóstico da insegurança alimentar em países do Cone Sul 735764

Reportagens

Lebrão invade o Brasil no rastro do desmatamento 4v172

Salada Verde

Esforço nacional certifica inseto para controlar a mosca-da-fruta 4y6pz

alimentos 1k1s2c

Colunas

O sabor da Amazônia está mudando 5f662i

Vídeos

Multifacetadas, hortas urbanas de São Paulo contribuem para a saúde ambiental da cidade 1k1d58

Reportagens

Plantio sustentável de alimentos aponta possíveis soluções para as grandes cidades 355r6r

Análises

A indústria de produtos de origem animal, a destruição dos biomas brasileiros e a crise climática global 332cd

polinização 2j4r5o

Reportagens

Vegetação nativa exerce efeito protetor contra poluentes em remanescentes florestais 4a376r

Reportagens

Pesquisadores mapeiam municípios que devem restaurar vegetação para aumentar produção agrícola por polinização 4d5o6

Salada Verde

Live discute resgate de abelhas para a pesquisa, produção agrícola e conservação 64f5t

Reportagens

Subsídios para os agrotóxicos podem superar R$ 14,53 bilhões por ano 575f4j

ICS 3m682z

Análises

Governo do RS ignora perda anual de vegetação campestre para comemorar a ilusão do Pampa conservado 6w566i

Notícias

Ibama vai receber R$ 825,7 milhões do Fundo Amazônia para combate ao desmatamento 1h48d

Notícias

Morre Dalton Valeriano, responsável por modernizar o monitoramento do desmatamento no país 5q4d16

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI n6j56

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.