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A despedida da Lobinha 53n2h

Fêmea de lobo-guará que voltou a viver em liberdade morre atropelada, encerrando bruscamente projeto de pesquisa na Serra da Canastra

Vandré Fonseca ·
21 de janeiro de 2018 · 7 anos atrás
Foto: Rogério Cunha de Paula.
Lobo-guará fêmea foi morta 7 semanas após ser solta na natureza. Foto: Rogério Cunha de Paula.

A notícia foi divulgada em uma postagem em rede social. Às quatro horas da manhã de 14 de janeiro, a Lobinha, uma fêmea de lobo-guará reintroduzida no ambiente da Serra da Canastra (MG) fora atropelada em uma estrada rural, e estava morta.

A necropsia confirmou que o choque com uma motocicleta causou a fratura de cinco costelas, hemorragia e lesão no pulmão. Os dados transmitidos pelo colar, que havia dado o alerta de falecimento, indicaram que ela se arrastou para dentro de um cafezal e morreu cerca de 30 minutos depois.

“A nossa equipe está mais do que triste. Está devastada com essa tragédia”, dizia a postagem feita pelo biólogo Rogério Cunha de Paula em sua página pessoal. Rogério é coordenador do projeto e analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CENAP/ICMBio).

“Hoje digo que está muito difícil em acreditar que um dia os lobos conseguirão sobreviver a todas as ameaças que estão sujeitos. Mas logo recuperarei as forças e estabilidade emocional para continuar lutando para melhorar as condições de sobrevivência da espécie, na Serra da Canastra e onde for. Ontem minha filha me disse novamente ‘Se o lobo não desistiu de cuidar do Cerrado e de fazer esse mundo melhor, porque você vai desistir?’”, continuava a mensagem.

A Lobinha havia sido libertada em 2 de dezembro, com o colar que carregava o transmissor para ser monitorada. Ela havia sido resgatada ainda filhote, em Araraquara (SP), e ado um ano e meio em reabilitação. Parte desse tempo, esteve em uma clínica veterinária para diversos exames. E durante 358 dias foi treinada, em um recinto com 2,6 mil metros quadrados, para voltar à liberdade.

Ela servia a um projeto para desenvolver um protocolo de devolução de lobos-guarás à natureza, para situações em que o animal tenha sido retirado cedo do convívio dos pais e não tenha aprendido a se virar sozinho. Mas era também uma personagem, que deveria simbolizar um projeto de ecoturismo baseado em lobos-guará na Serra da Canastra.

Foto: Joares May Jr.
Foto: Joares May Jr.

A reabilitação da filhote de lobo-guará foi um projeto a partir uma ação do Plano de Ação para a Conservação do Lobo-Guará, coordenado pelo Cenap e executado em conjunto com o Instituto Pró-Carnívoros e a Universidade de Franca (UNIFRAN).

Além da morte, Rogério de Paula lamenta que a Lobinha tenha completado apenas parte da missão. Os pesquisadores tiveram sucesso na primeira parte do projeto, o treinamento. Os exames mostraram que ela tinha bom tônus muscular e estava com intestino e estômagos cheios, ou seja, estava se alimentando bem.

“A primeira fase, que foi o desenvolvimento desse protocolo, o conhecimento aprendido com relação à reabilitação, a dieta e tudo mais, isso a gente tem, isso foi um sucesso pela resposta dela com a soltura”, destaca o biólogo. Mas perguntas sobre a ecologia e o comportamento de um animal reintroduzido ainda permanecem.

Rogério de Paula conta que a Lobinha ainda estava em uma fase exploratória, não havia estabelecido um território. Além disso, eles aguardavam o período de reprodução da espécie na Serra da Canastra, entre fevereiro e abril, para saber se ela já encontraria um parceiro no primeiro ano.

“Todas essas questões ficaram sem resposta, que seriam da segunda fase do projeto”, ressalta o biólogo. Saber, por exemplo, quais variáveis que afetam a resposta do bicho na natureza, como as condições da paisagem ou aceitação dos proprietários de terras na região, e quais problemas podem ser encontrados após a soltura. “Um deles a gente acabou de descobrir pela dor, que foi o atropelamento”, diz.

Espécie vulnerável

Embora esteja classificado como Quase-Ameaçado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês), o lobo-guará tem o status de Vulnerável, na Lista Vermelha do ICMBio. É um canídeo de grande porte endêmico da América do Sul, encontrado desde a Argentina até o Cerrado.

O biólogo do ICMBio explica que, no Brasil, vive principalmente na área que vai do norte do estado de São Paulo, ando pelo centro e sul de Minas Gerais e sul do estado de Goiás. Mas o Cerrado, habitat do lobo-guará, é ameaçado pela expansão da agropecuária. Além disso, os três principais estados onde a espécie ocorre no país têm uma grande malha viária, aumentando o risco de atropelamentos, já que o lobo-guará se desloca muito.

Foto: Rogério Cunha de Paula.
Foto: Rogério Cunha de Paula.

“A principal área que eles ocupam hoje é destinada à agricultura, que é o que salva a economia do Brasil”, alerta o pesquisador. “Então essa velocidade de desmatamento do Cerrado, das áreas abertas dos campos, em geral, essa conversão é o que assusta. Então hoje a gente tem um tamanho de área com adequabilidade, com um grau de qualidade bom para o lobo, muito pequena.”

Em outros países, conforme ele conta, a situação é ainda pior. Na Bolívia, a espécie caminha para a extinção. No Paraguai e Argentina, a caça, a destruição do habitat e o atropelamentos são grandes ameaças.

A Serra da Canastra, segundo o biólogo, é a região do país com maior densidade da espécie. O local foi escolhido para a soltura de Lobinha por ser uma região com cidades pequenas e agricultura familiar, um ambiente mais equilibrado do que os grandes campos de cana e áreas de reflorestamento em São Paulo.

Além disso, já se conhece bastante sobre os hábitos alimentares dos lobos-guarás da Serra da Canastra. “Eu trabalho com lobo lá desde 1997, então a gente sabe o que os bichos comem, em que época comem determinado item, qual a questão territorial na hora da soltura, e também a curva de atividade do animal, que horas está repousando e que hora está ativo”, explica.

De acordo com ele, os lobos-guarás já foram muito caçados na região, como represália a ataques a galinhas. Se antes, eram mortos 30 ou até mais bichos por ano, hoje essa situação mudou e não há mais caça da espécie na região.

Após ser solta, a Lobinha deixou a área do recinto, território de outra fêmea monitorada, e começou a conhecer a região. Os pesquisadores estavam preocupados com cachorros das fazendas, que poderiam atacá-la. Atropelamento aparentemente não era um dos maiores riscos.

“Ela começou a rodar em estradas mais próximas às fazendas”, lembra Rogério Cunha de Paula. “Nunca imaginamos que ela pudesse ser atropelada em uma estrada rural aqui, que não tem nem como pegar alta velocidade. São estradas de terra, em época de chuva, então foi realmente uma surpresa muito desagradável para nós.”

Lobinha ganhando a liberdade. Foto: Rogério Cunha de Paula.
Lobinha ganhando a liberdade. Foto: Rogério Cunha de Paula.

 

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  • Vandré Fonseca vd27

    Jornalista especializado em Ciências e Meio Ambiente.

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Comentários 9 13o3e

  1. Alex Bager diz:

    A morte da Lobinha é a ponta do iceberg de um cenário aterrador que acontece todos os dias no Brasil. Na semana ada publiquei um post mostrando os dados do Sistema Urubu de 2017 (tivemos 7 lobos), ontem publiquei um post falando da Lobinha e cito que 62 lobos foram registrados no Sistema em 3 anos. E todos sabemos que esses números são completamente subestimados.

    Em resumo, o que aconteceu com a Lobinha, por toda a expectativa gerada, pela situação de ter ocorrido em uma estrada de terra, e tudo mais, tem de reforçar cada dia mais a nossa atuação neste tema.

    Nos últimos anos evoluímos muito na pesquisa e conhecimento de impactos de infraestrutura viária na biodiversidade brasileira, agora precisamos evoluir em traduzir todo esse conhecimento em políticas públicas e conservação efetiva.
    Se ficaram curiosos com os números, em no BAB para dar uma espiada (http://bab.empreendedor-academico.com.br)


  2. invejosAA diz:

    "Mas logo recuperarei as forças e estabilidade emocional para continuar lutando para melhorar as condições de sobrevivência da espécie…" por óbvio, afinal, vc ganha um salário pra isso! E considere-se um afortunado, pois tem muito colega seu sem essa possibilidade, estão condenados a trabalhos burocráticos


    1. Amante da Natureza diz:

      Lamentável seu comentário. Se você conhecesse o tempo dedicado a esse tipo de ação (que vai muito além da jornada de trabalho e obrigações do dia a dia de um escritório) além de sacrifícios pessoais e mesmo profissionais para fazer um projeto desse porte acontecer vocês que estão de acordo com esse tipo de comentário, repensariam aplaudir um pensamento imbecil como esse.


      1. invejosAA tb diz:

        Conheço vários servidores que trocariam fácil o serviço burocrático por uma lotação num desses "Centros Especializados" (aventuras, congressos, etc), mas isso é só pros membros da "inha"


    2. Alexandre diz:

      No nick já diz tudo: 'Invejos"…


      1. AAA diz:

        Invejoso pode ser…mentiroso não!


  3. Everardo diz:

    Neste caso eu discordo do Marc. A matéria não informa se foi dentro do Parque e fala de uma estrada rural. Pode ter sido um morador, o que mudaria totalmente o contexto do comentário dele. Continua uma fatalidade, mas não dá pra colocar tudo no mesmo balaio.


  4. Marc Dourojeanni diz:

    Morte anuncuada:

    Que triste coincidência! No mesmo numero do OEco está um artigo da minha autoria denunciando o mal uso de motocicletas no Parque Nacional Serra da Canastra


  5. Gisele diz:

    Nunca mais se teve notícias de lobos guarás pretos, como na matéria do link acima?