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Mercado regulado de carbono sem setor da agropecuária – prejuízo para o Brasil? 46v3y

Especialistas divergem no entendimento sobre a questão. Projeto de Lei que regulamenta mercado foi aprovado em Comissão no Senado e segue para Câmara

Cristiane Prizibisczki ·
5 de outubro de 2023 · 2 anos atrás

A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou por unanimidade nesta quarta-feira (4) o projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. A aprovação só foi possível depois de um acordo firmado com a Frente Parlamentar Agropecuária, que apresentou emendas à proposta. A última versão do texto – a aprovada – retira o setor do agro das obrigações previstas no mecanismo.

A notícia gerou reações tanto do lado daqueles que defendem a exclusão da agropecuária do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), quanto daqueles que a condenam. 

Bancada ruralista e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, estão entre os que defendem a exclusão. Os argumentos principais seriam a impossibilidade técnica de medir as emissões reais do setor e a inexistência de experiências de outros países nessa regulação.

Na condenação da saída do agro estão organizações que trabalham com questões ambientais e climáticas no Brasil. O argumento principal para a manutenção do agronegócio na regulação seria seu papel no total de gases estufa emitidos pelo país.

Para entender melhor a questão, ((o))eco ouviu dois especialistas sobre o assunto no Brasil. A eles foi feita a seguinte pergunta: “A agropecuária deveria entrar no mercado regulado de carbono?” Confira as respostas:

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“Primeiro, não tem nenhum país ou bloco do mundo cujo mercado de carbono tem fazenda nele. A Holanda tentou fazer isso daí com as vacas leiteiras e não conseguiu. A Nova Zelândia tentou fazer isso com a criação de ovelhas deles, que são importantes, e não conseguiu. 

Por quê? Porque eu não consigo trocar a vaca por uma vaca elétrica, ou uma plantação de arroz por uma plantação de arroz a hidrogênio. Eu não tenho essa troca. Eu não tenho como eliminar a emissão das fazendas por troca de equipamento, por exemplo.

Então, o mercado não é um instrumento para fazer isso acontecer. Se eu quero reduzir a emissão do agro, eu tenho que achar outros instrumentos, que podem ser econômicos, podem ser financeiros, podem ser leis, podem ser um monte de coisa. Mas não o mercado regulado de carbono.

Eu não tenho um instrumental técnico para medir a emissão de cada vaca e a qualidade de cada pasto. Eu vou ter que usar estatísticas em cima de estatísticas para isso. Fica frágil. Não é a mesma coisa que eu medir a emissão numa chaminé.

Todo mundo que trabalhou na elaboração dos desenhos de mercado de carbono sabe, você não coloca a fazenda dentro desse jeito. Acho que a bancada ruralista está gastando capital político à toa. Até agora, e durante um bom tempo, fazendas não seriam reguladas.”

Shigueo Watanabe Jr – Mestre em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e desenvolvedor de projetos voltados para redução de emissões de gases de efeito estufa desde 2004. Trabalha com a The Gold Standard Foundation apoiando desenvolvedores de projetos e realizando capacitação. Especialista Sênior do Instituto Talanoa

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“O PL aprovado hoje no Senado tinha tudo para ser um dos mais avançados do Mundo. Mas lá no artigo 1º exclui da regulação o setor responsável por 75% das emissões brasileiras – a agropecuária. Resultado: nasceu fadado a ser nanico. 

Nenhum outro mercado de carbono no mundo exclui o principal setor emissor da regulação. Em outros países que tem mercado regulado e não tem esse setor, é porque esse setor não é a principal fonte de emissões. Nos outros países a principal fonte de emissões é justamente os combustíveis fósseis, por isso que eles estão lá. 

Se a limitação fosse, de alguma maneira, a forma de calcular as emissões, isso poderia ser colocado como uma condicionante para entrar no mercado, assim como você tem uma previsão de salvaguardas para não prejudicar setores econômicos. 

A lei é uma lei que autoriza a inserção dos diversos setores da economia [no mercado de carbono regulado], então você poderia ter colocado, por exemplo, que [o agronegócio] só pode entrar no mercado quando tiver os sistemas de monitoramento estabelecidos ou algo parecido, mas não é isso que está ali. 

O que está ali é simplesmente deixar o setor inteiro fora logo no artigo 1º, como se ele não fosse um setor que pode ser regulado, então não é uma questão técnica. 

Aliás, quando é para poder gerar crédito de carbono, ou para provar que você tem redução de emissões, como tem feito, por exemplo, o setor sucroalcooleiro, para justificar o etanol, aí tem como medir, não é verdade?

Se o mercado de carbono é feito para ser um instrumento para reduzir as emissões, então, ele tem que pegar os principais setores da economia. É assim que funciona em todos os países que têm mercado de carbono. Você foca nos grandes emissores, nos setores e nos agentes grandes emissores.”

Tasso Azevedo – Engenheiro Florestal pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), coordenador geral do MapBiomas e do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Foi fundador do Imaflora e idealizador do Fundo Amazônia.

O PL 412/2022 tramitava em caráter terminativo no Senado, portanto, pode ser enviado diretamente para apreciação da Câmara, sem que e por votação no Plenário. O projeto só irá para votação se houver pedido neste sentido por parte dos senadores.

  • Cristiane Prizibisczki 1z1b3e

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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Comentários 1 2p2l4m

  1. Sadi diz:

    Vender carbono é igual vender vento, ar, poluído sem controle de quem é o produtor se as terras são do governo em comodato para o produtor rural.