Notícias

Sema indefere licença de usinas no rio Cuiabá 6k3557

Construção de complexo hidrelétrico afetaria a reprodução de peixes e provocaria a desapropriação de populações ribeirinhas e comunidades locais, aponta pasta

Michael Esquer ·
16 de maio de 2023 · 2 anos atrás

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) indeferiu, em caráter definitivo, o pedido de licença prévia (LP) para a implantação de seis pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) no rio Cuiabá, em Mato Grosso. A decisão consta em parecer técnico ao qual ((o))eco teve o, e ocorre após análise do EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) do empreendimento por uma comissão técnica da pasta instituída neste mês.

“Consideramos que o projeto proposto no processo de licenciamento ambiental […] não é viável ambiental, social e economicamente, tendo em vista o seu valor ambiental, cultural e econômico, pois há diversas atividades econômicas e consequentemente suas cadeias produtivas dependentes do rio Cuiabá”, diz trecho do parecer datado desta segunda-feira (15). Segundo a assessoria da Sema-MT, o edital de indeferimento e arquivamento definitivo será publicado já na próxima edição do Diário Oficial de Mato Grosso.

Sobre o eixo do EIA/RIMA que analisou a Flora e Fauna, o parecer técnico concluiu que, diante do estudo apresentado, caso ocorra a fragmentação das áreas de preservação permanente (APP) devido a execução das barragens, haverá redução de conectividade entre corredores ecológicos, o que “afetará a movimentação da fauna terrestre nas margens do rio Cuiabá”. 

O parecer relata que, com isso, também haverá a realocação de novas APPs, devido à formação do reservatório artificial das PCHs. “Tal fato, ocasionará desapropriação de populações ribeirinhas e de propriedades rurais seculares instaladas na região”. 

Segundo o documento, a constatação reforça que o empreendimento possui inviabilidade ambiental desde a sua concepção na fase de instalação, por conta da alteração nas margens do rio Cuiabá, que segundo o documento é o “grupo mais sensível para as alterações propostas”. 

Na análise dos impactos ambientais do empreendimento, o parecer menciona estudo contratado pela Agência Nacional de Águas (Ana) – investigação estudou o impacto de hidrelétricas na bacia do Alto Paraguai (Bap) – para caracterizar o rio Cuiabá como uma zona vermelha para a instalação de usinas hidrelétricas. “Ou seja, área de conflito com a pesca, […] de maior relevância para a manutenção do estoque pesqueiro”, diz o parecer. 

Os empreendedores apresentaram um estudo que se propõe a fazer a transposição de peixes no rio. Entretanto, a Sema-MT afirma que este trata-se de um documento simplista, e menciona exemplos onde o modelo não foi tão bem sucedido, como na Usina Hidrelétrica (UHE) de Itaipu – segundo o parecer, há registros de que na escada de peixes desta UHE 27 das 65 espécies de peixes registradas no rio Paraná foram capturadas, sendo que destas a maioria são espécies muito abundantes, com pouco valor comercial e, consequentemente, pouco pescadas. 

“A construção de barramentos e meios de transposição nos casos citados se configura como uma fonte adicional de impactos ao inviabilizar o sucesso da reprodução de indivíduos. Neste caso em especial, construir 6 PCHs em áreas comprovadamente importantes para a desova e crescimento de espécies migradoras, pode se considerar um crime ambiental. Pois essas espécies além de todo o papel ecológico que possuem no ambiente […] desempenham um importante papel na cadeia alimentar e sustentam toda a cadeia produtiva da pesca”, aponta o parecer técnico.

Entre impactos cumulativos e sinérgicos que o complexo potencialmente provocaria, a Sema-MT menciona: alteração do leito original do rio; alteração da velocidade e qualidade da água; ocupação do solo pela formação do lago; modificação sobre fauna e flora aquática; vazão residual no trecho seco do rio; e impactos socioambientais no turismo e pesca. 

“O empreendimento será causador de 42 impactos […]. Os impactos negativos representam 86% do total de impactos, contra 14% positivos”, enfatiza o parecer ao enfatizar a importância de analisar estes impactos a partir dos parâmetros de importância e magnitude. 

“Se observa, pelos estudos apresentados, que a intensa quantidade de impactos negativos que ocorrerão e a intensidade dos mesmos nos meios Físico, Biótico e Socioeconômico não justificam a quantidade de energia gerada (potência instalada de 146 MWh) pelos empreendimentos, tendo em vista que a contribuição para o sistema interligado nacional será ínfima”, completa o documento. 

Desdobramentos para o Pantanal 2h3x3a

Rio Cuiabá tem papel importante na regulação dos ciclos de cheia e vazante do Pantanal. Foto: Michael Esquer / ((o))eco

Os empreendedores do complexo hidrelétrico no rio Cuiabá, a Maturati Participações S.A. e a Meta Serviços e Projetos LTDA, buscavam junto a Sema-MT o licenciamento das seis pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) em um trecho de 190 km de seis municípios mato-grossenses: Cuiabá, Várzea Grande, Jangada, Nobres, Acorizal e Rosário Oeste. 

A invalidação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da lei estadual que proibia a construção de usinas no curso d’água, no início deste mês, tinha sido um sinal verde para que o licenciamento do complexo seguisse adiante. Entretanto, isso muda com a decisão da Sema-MT de indeferir e arquivar definitivamente o processo de licenciamento do empreendimento. 

Como mostrou ((o))eco, o estudo da Ana caracterizou o rio, que é também um dos principais formadores da planície de inundação do Pantanal, como zona vermelha para implantação de empreendimentos hidrelétricos, principalmente pelo papel importante de manutenção do bioma.

O estudo concluiu que 89% dos peixes do rio Cuiabá são de piracema, ou seja, são migradores, que transitam entre o curso d’água e o bioma. Além disso, o rio é responsável pela produção do maior número diário de ovos de peixes migradores durante a piracema entre todos os cursos d’água da Bap.

Para especialistas consultados por ((o))eco, a construção das usinas no rio ainda poderia interromper o fluxo de peixes entre o curso d’água e o Pantanal, reter em até 90% o transporte de sedimentos para o bioma, acelerar o processo de erosão das margens do rio e impactar a cadeia econômica das cidades que dependem da pesca na região.

  • Michael Esquer r5z6y

    Jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com agem pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas, na Colômbia, tem interesse na temática socioambiental e direitos humanos

Leia também 84q8

Notícias
9 de maio de 2023

Pantanal: STF invalida lei que protege rio Cuiabá 201a1p

Por 8 votos a 2, ministros votaram pela inconstitucionalidade da lei que proíbe a construção de usinas em rio estratégico para a manutenção do Pantanal

Reportagens
9 de maio de 2022

Rio Cuiabá: Ribeirinhos resistem à construção de usinas nas águas que abastecem o Pantanal 6p4j6l

Projeto que prevê a construção de 6 Pequenas Centrais Hidrelétricas ao longo do Rio Cuiabá foi segurado por projeto de lei. Indefinição sobre sanção ou processo na Justiça ainda ronda a questão

Reportagens
26 de outubro de 2022

No Pantanal, ribeirinhos resistem à erosão do rio Cuiabá 361d3

Enquanto se recuperam das queimadas de 2020, comunidades locais lutam pela permanência em suas terras, erodidas pela força de um dos principais rios formadores do bioma

Mais de ((o))eco 6q6w3q

pantanal 1v2d51

Notícias

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2o3q1t

Análises

O que cai do mundo não volta mais 47361

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal h1y5h

Reportagens

Hidrovia trará mais desmate, agro e mineração ao Pantanal e ao Cerrado 3172c

Rio Cuiabá 6m596

Análises

A questão da pesca e o falso discurso da sustentabilidade 6c512b

Salada Verde

Projeto de Mendes é mencionado em recurso para construção de usinas no rio Cuiabá 5z63n

Notícias

Pantanal: STF invalida lei que protege rio Cuiabá 201a1p

Reportagens

STF julgará se lei que veda hidrelétricas no rio Cuiabá é constitucional u4w17

mato grosso 2xs6l

Reportagens

Ao menos 6 milhões de cabeças de gado no Pará estão irregulares entre indiretos 1kd5e

Notícias

Empresa usa documentos falsos na disputa de terras em parque no MT 2h81o

English

Brazil: first national parks found contaminated with agrotoxins 485535

Reportagens

Até os primeiros parques nacionais estão contaminados por agrotóxicos 4y1f2i

política ambiental 6v2p2j

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WR 5v2y1s

Reportagens

Ribeirinhos e MPF querem cancelar licença para remover rochas em rio da Amazônia 131f37

Salada Verde

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 2651j

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 4o3a5d

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.