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Um sexto do território brasileiro não tem dono, aponta estudo 292n5

141 milhões de hectares não estão registradas nos bancos de dados do governo. Situação fundiária no Brasil favorece grilagem e impede implementação de políticas públicas

Sabrina Rodrigues ·
4 de julho de 2019 · 6 anos atrás
Quase 17% da área do Brasil não tem propriedade conhecida pelo Estado. Foto: Fernando Mafra/Flickr.

O governo não sabe quem é o dono de quase 17% do território nacional. A área conhecida como “terra de ninguém” ocupa 141 milhões dos 850 milhões de hectares existentes no país, é o que revela um estudo publicado em junho na revista científica Land Use Policy por um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. A pesquisa traz dados atualizados da malha fundiária descrita no Atlas da Agropecuária Brasileira que engloba todas as bases fundiárias disponibilizadas publicamente pelo governo brasileiro.

O artigo é resultado da colaboração rede de pesquisadores nacionais e internacionais — GeoLab da Esalq/USP;  Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp (IE/NEA); Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora); Royal Institute of Technology (KTH), da Suécia; Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA); Stockholm Environment Institute (SEI), da Suécia; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Os dados foram processados e organizados a partir de 18 bases de dados de terras públicas e privadas.

O estudo se pauta em três destaques: 1) Em terras sem donos, sem registros; 2) Sobreposições, uma área comum que existem entre duas ou mais unidades; 3) Terras não destinadas que não são conhecidas, polígonos que estão registrados nas bases oficiais do governo, mas que não têm destino. 

Para o Luís Fernando Guedes Pinto, gerente de Certificação Agrícola do imaflora e co-autor do artigo, dois são os motivos para que 141 milhões de hectares de terra não terem donos: “A gente hipotetiza duas situações: ou são pessoas, organizações, que estão se escondendo do governo, não querem ser vistos, por exemplo, proprietários de imóveis rurais que não se registraram no CAR. Quem não se registrou no CAR não quer ser visto por alguma razão, por ele ter alguma irregularidade ali. E a outra hipótese é a pessoa ou organização que o estado não encontrou, pode ser que ali exista uma comunidade tradicional, quilombolas, uma área protegida que o governo ainda não enxergou. Ou é gente que está fugindo do estado ou que o estado não conseguiu encontrar”, explica Luís Fernando.

As sobreposições são outro grande problema fundiário. Existem vários imóveis que se sobrepõem a diferentes tipos de terras. Segundo o artigo, nem terras públicas ou privadas escapam do problema: as sobreposições entre as terras públicas representam 48% do total sobreposto (171 milhões de hectares). Entre terras públicas e privadas, as sobreposições significam 50% (146 milhões de ha).

“Excetuando-se alguns problemas técnicos entre as bases de dados, as sobreposições de terras públicas com privadas ou de terra privadas entre si podem estar associadas a graves problemas fundiários, como grilagem de terras e corrupção de cartórios no registro da propriedade, entre outras causas associadas a conflitos ou ausência de governança adequada da gestão fundiária”, afirma um dos autores do artigo, Gerd Sparovek, professor do Geolab da Esalq-Usp.

As terras não destinadas são aquelas que o estado não decidiu o que vai fazer com ela. “Uma terra que está no banco de dados do governo pode ter dois destinos, o governo pode decidir tornar essa terra privada, mas ainda não decidiu o que vai fazer, a outra é tornar essa área protegida, tornar aquele espaço uma terra indígena, uma unidade de conservação, dar um destino. E a grilagem ocorre muito em terras públicas, tanto em áreas já destinadas como unidades de conservação ou terras indígenas, mas ocorre muito em áreas não destinadas que são as que o estado não decidiu o que vai fazer e que é um ótimo lugar para grilar uma terra. Então, a grilagem ocorre muito mais em terras não destinadas do que nesses vazios territoriais de não registros”, afirma Luís Fernando Guedes Pinto.

Concentração de terras

O estudo mostra que as terras privadas ocupam a maior parte do território nacional, com 44% da área do país. As terras públicas ocupam 36%. As terras indígenas cobrem apenas 13% (112 milhões de ha), as unidades de conservação, 11% (93 milhões de ha), já os quilombolas ocupam os ínfimos 0,4% do território do país, correspondendo a 3 milhões de hectares.

“Os quilombolas ocupam uma área mínima do território nacional. Os grandes imóveis são os que sozinhos ocupam a maior parte do território brasileiro, são os imóveis grandes. A gente não está contando os imóveis médios e pequenos. Então pegamos todos os imóveis e eles somados ocupam a maior parte do território brasileiro. Por enquanto, a gente enxerga apenas os imóveis, mas sabemos que vários imóveis têm o mesmo dono, a gente não consegue ver isso porque os dados tanto do CAR quanto do INCRA, a gente não consegue enxergar o CNPJ. Então a concentração de terra ainda é maior do que o que a gente consegue ver, porque o que a gente consegue ver é uma limitação da abertura e da transparência dos dados”, afirma Guedes Pinto.

O estudo conclui que a situação fundiária no país é ainda muito confusa e mal-organizada, favorecendo a grilagem e uma gestão ineficiente. “A situação fundiária brasileira é muito frágil, muito confusa e isso dificulta o desenvolvimento territorial, dificulta qualquer projeto de desenvolvimento sustentável e a formação de políticas de vários tipos.  Então, é urgente no Brasil ter uma base fundiária unificada, onde todo o nosso território esteja registrado e que ela seja limpa de dúvidas sobre quem é dono da terra. E a gente não sabe quem são os donos de vários pedaços de terra do Brasil”, afirma Luís Fernando. 

Saiba Mais

Artigo completo Who owns Brazilian lands?

 

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  • Sabrina Rodrigues ca2b

    Repórter especializada na cobertura diária de política ambiental. Escreveu para o site ((o)) eco de 2015 a 2020.

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