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Na mais disputada edição e pela primeira vez no Brasil, o XIX Congresso da Society For Conservation Biology foi uma verdadeira maratona para conservação.

Carolina Mourão ·
21 de julho de 2005 · 20 anos atrás

Mais de 1.600 pessoas de aproximadamente 70 países se encontraram entre os dias 15 e 19 de julho na UnB, Universidade de Brasília, em uma verdadeira maratona. Até uma ambulância foi colocada à disposição dos participantes. Talvez justamente por se tratar de uma prova de fôlego, foram os jovens que roubaram a cena no XIX Congresso Anual da Society For Conservation Biology.

Eles disputavam lugar nas palestras e colecionavam presenças. Quando os eventos aconteciam simultaneamente, estudavam os roteiros para assistir à melhor parte de cada um. Com enorme habilidade, ainda tinham tempo de namorar. Um beijinho aqui, outro ali, e já estavam atrasados para outra rodada. Nas salas, foram combativos, argumentaram exaustivamente, apontaram gráficos e metralharam expositores com argumentos.

Realizado pela primeira vez na América Latina, o Congresso teve recorde de público e recorde de brasileiros, com 500 inscritos. Mas nem o apelo tropical, os deliciosos lanches, os animados banhos de sol, as discutíveis instalações e uma noite de forró pé-de-serra tiraram a concentração dos participantes, que não perderam a objetividade: tentar entender os fatos e os problemas ambientais que mais preocupam o mundo, atualizar e trocar essas informações e pensar em soluções possíveis, cruzando todos os dados disponíveis. Tarefa braçal até hoje.

Um dos destaques este ano foi justamente um programa de computador que faz isso de um jeito mais eficiente. O c-Plan, ou Conservation Planning System, apresentado aos pesquisadores em uma das palestras, é um sistema que auxilia na avaliação das conseqüências de possíveis projetos de conservação de ecossistemas. O programa é alimentado com um conjunto grande de dados, auxiliados por tabelas de cores e códigos de leitura. Os dados podem ser variados, como a necessidade de conservação de um ecossistema, o número de indivíduos que se quer atingir, espaço ou localização. Essas informações são cruzadas, resultando na indicação de áreas prioritárias para conservação. O programa também faz simulações de impacto ambiental e perda de biomas em detrimento de outros. É possível por exemplo calcular a eficiência de uma ação ou elaborar uma lista prioritária para os mais diversos casos. Bem mais rápido do que no canetão.

“O sistema deve ser utilizado de forma que todas as espécies e ecossistemas sejam representados”, alertou Ricardo Machado, da Conservação Internacional Brasil. Segundo ele, no Brasil o c-Plan só é aplicado, por enquanto, em Goiás. Técnicos da Agência de Meio Ambiente de Goiânia foram capacitados e eleitas 40 áreas prioritárias de conservação, que ainda não estão protegidas. Agora, as ongs Conservação Internacional e WWF estão negociando essas áreas com o governo do Estado ao mesmo tempo em que atuam junto às comunidades que pressionam essas regiões. Na Austrália, onde foi criado há dez anos, o c-Plan rendeu o aumento de 1 milhão de hectares em áreas de conservação. O programa é gratuito e pode ser obtido junto ao Serviço de Parques da Austrália.

Outro instrumento que não é novidade mas ganhou um gás com o Congresso foi a lista de animais brasileiros ameaçados. Apesar de não estar na agenda oficial do Congresso, o lançamento do “livro vermelho” (Lista da fauna brasileira ameaçada de extinção), de Ângelo Machado , foi concorrido. A simpática presença do autor, em uma agradável noite no refúgio Oca da Tribo, foi brindada com rituais indígenas e luz de velas. As informações, atualizadas, foram revistas por 197 cientistas. O livro inclui espécies quase ameaçadas e deficientes em dados. “As listas vermelhas são um instrumento fundamental de política ambiental, devem ser íveis”, ressaltou Ângelo. As informações do livro fornecem subsídios para ações de fiscalização, criação de unidades de conservação e definição sobre aplicação de recursos técnicos, científicos, humanos e até financeiros em estratégias de recuperação de fauna ameaçada.

Na mesma ocasião, os exemplares do livro “Hot Spots Revisited” não foram suficientes para todos os interessados. Com 3,5 kg e 390 páginas, o cobiçado volume é uma reedição atualizada do livro Hot Spots, de 1999, primeiro grande estudo sobre as áreas naturais e biológicas mais ricas e ao mesmo tempo mais ameaçadas do mundo, consideradas insubstituíveis. Nesta edição, nove áreas a mais entraram no rol. Os “hot spots” somam agora 35, contando o leste da Austrália, que ainda está em processo de inclusão. Os dados impressionam: em 2,3% da superfície terrestre estão 40% dos vertebrados, 86% de todas as aves e 92% de todos os anfíbios. E tornam-se uma má notícia quando se sabe que justamente nestas áreas está a maior concentração de gente no mundo. São 2 bilhões de pessoas pressionando as últimas fronteiras naturais preservadas. “São números incríveis, assustadores”, ressaltou o primatólogo Russell Mittermeier, organizador do livro.

De volta ao Congresso, uma edição especial traduzida sobre Conservação no Brasil, publicada originalmente com 70 artigos em uma seção especial da revista Conservation Biology, cuja edição brasileira pinçou 25, fez sucesso entre os brasileiros. Trata-se do primeiro exemplar da nova revista científica brasileira, chamada Megadiversidade, que trimestralmente terá artigos que podem contribuir para a conservação da biodiversidade no Brasil. Grande dica para quem pegou o bonde andando sobre o assunto. A primeira edição é bem didática e completa, sem perder de vista o público especializado. Traz tudo sobre desafios e oportunidades na conservação das espécies brasileiras, soluções e mecanismos financeiros de investimentos, e um artigo sobre o complexo Amazônia muito bem contextualizado.

Uma ótima surpresa foi o anúncio feito pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas, IPÊ, de que vai inaugurar em 2007 a primeira Escola Superior do Meio Ambiente no Brasil. O IPÊ tem tradição em capacitação, e a proposta da escola é servir como ponto de referência nacional em estudos e aplicação da sustentabilidade e conservação socioambiental, fazendo a ponte entre a teoria e a prática. O stand do IPÊ com a maquete e a planta da escola chamou atenção de quem ava.

Um tema concorrido no Congresso da Biologia da Conservação foi o Cerrado. Um simpósio especial foi realizado sobre o tema, e deve resultar em um livro. Os especialistas descobriram uma boa nova: a aceitação dos proprietários de terras quanto à regulamentação de reservas legais dentro de suas áreas está aumentando. O ICMS Ecológico é o grande motivo. Ele estimula os municípios a criar ou defender a criação de unidades de conservação.

Outra vedete do Congresso foi a palestra de Daniel Janzen. Não bastasse ser uma sumidade em Ecologia Tropical, assunto que é foco das atenções no mundo por conta da Amazônia. Os 280 lugares não deram nem para o começo. Meia hora antes de começar, a sala já bombava 800 pessoas que se encaixaram onde dava.

A ambulância teve trabalho. A pressa e a quantidade de atividades levou gente a ar mal. Medicados, sempre acabavam voltando para a maratona. Não seria um problema de pressão, uma dor muscular, indigestão ou mesmo um desmaio que iria tirar esse pessoal de campo. Eles vivem sob a urgência de salvar o mundo.

  • Carolina Mourão 6a3r5j

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