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Valeu como ensaio 6e6417

Ibama alia-se a diversos órgãos federais para se fazer presente no litoral sul do Rio e coibir crimes ambientais. A questão é saber se a união é duradoura.

Andreia Fanzeres ·
10 de fevereiro de 2006 · 19 anos atrás

Se a idéia era chamar atenção, o Ibama conseguiu o que queria ao organizar uma mega operação de combate a crimes ambientais no sul do estado do Rio. Ao deslocar mais de 50 servidores e a própria gerência-executiva da capital fluminense para Angra dos Reis e Paraty durante uma semana, o Ibama se fez presente em peso para tentar resolver antigas pendências istrativas e de fiscalização numa região que, teoricamente, deveria estar mais do que protegida.

Teoricamente. Além de cinco unidades de conservação estaduais, a Costa Verde divide espaço com o Parque Nacional da Serra da Bocaina, a Área de Proteção Ambiental (APA) Cairuçu e a Estação Ecológica de Tamoios, mas nem por isso o governo tem conseguido evitar desmatamentos, introdução de espécies exóticas e construções irregulares em locais de extrema importância ecológica.

No cargo desde novembro de 2005, o gerente-executivo do Ibama no Rio, Rogério Rocco, percebeu o tamanho do problema quando visitou a região entre o Natal e o Ano Novo. Notou que boa parte das reclamações que chegavam a seu gabinete vinha de lá e em 30 dias montou a Operação Ceriá, no estilo “vamos recuperar o tempo perdido”. De realmente novo, Rocco considera que a retirada de 75 bois do alto da Serra da Bocaina foi um marco. “Ocupação com gado acontece em todos os parques. E através desta operação inauguramos um arranjo institucional que vai permitir acionar essa estrutura em qualquer momento. Em qualquer lugar”. Por enquanto isso é promessa, mas se der certo, será a maior contribuição que a Ceriá vai dar ao Rio.

A articulação a que Rocco se refere pode ser exemplificada num simples relato de Daniel Toffoli, que atua na fiscalização do Parque da Serra dos Órgãos e foi convocado para coordenar equipes técnicas na Costa Verde durante a semana que ou. Toffoli conhece bem a região porque foi chefe do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Ele diz que a parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) foi fundamental e a idéia é continuar. “Eles ajudaram cedendo caminhão para transporte do gado, além de fazerem as barreiras na estrada”. Com a economia de recursos para funções que podem ser desempenhadas por outras forças, como Exército, Ministério Público Estadual e Federal, prefeituras, Polícia Militar e Civil, o Ibama pretendia, também, conscientizar as demais esferas públicas para manter olhos sempre abertos em casos de crimes ambientais. “Tem gente da Polícia Rodoviária nos procurando para tirar dúvidas, alertando que o transporte de certas cargas, como areia, pode estar sendo feito de forma irregular. Acho que está havendo uma mudança de pensamento”, opina.

Seria bom que essa mudança envolvesse também órgãos como o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e a Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema), que ficaram de fora. As duas entidades são suspeitas de fornecer licenças ambientais fraudadas a empreendimentos que, na semana ada, foram alvo da Ceriá. Segundo Rocco, o governo estadual estava avisado. “Estamos permanentemente em diálogo, só que essa operação teve foco nas unidades de conservação federais. O objetivo era um fortalecimento institucional e solução de ivos existentes no Ibama”, esclarece.

Ilha Grande de fora

Isso explica, em parte, porque a Ilha Grande foi deixada de lado. A ilha é um dos locais que recebe mais turistas na Costa Verde e tem crescentes problemas ambientais. Mesmo assim, foi preterida já que as três unidades de conservação existentes ali são estaduais. Patrícia Gabai Venâncio, promotora do Ministério Público Estadual (MPE), apresenta pelo menos uma boa razão para que a operação asse por lá. “No Termo de Ajuste de Conduta (TAC) da Ilha Grande, assinado em 2002, o Ibama assumiu o compromisso de fazer um projeto de recifes artificiais para impedir a pesca de arrasto. Eles poderiam ter fiscalizado as embarcações”, sugere.

Em vez disso, apenas uma equipe do núcleo de educação ambiental apareceu para uma palestra. Sem entrega de folhetos ou divulgação prévia aos moradores e turistas da ilha, menos de 20 pessoas prestigiaram o evento: gente do próprio Ibama, Defesa Civil, Polícia Militar, e apenas duas crianças e alguns professores, num galpão com capacidade para 300 pessoas. Segundo um morador que estava lá, foi feita uma apresentação institucional e apresentados dois filmetes sobre educação ambiental. “aram tudo muito rápido e ainda ficaram falando em SNUC [Sistema Nacional de Unidades de Conservação], conselho gestor… aqui na Ilha Grande ninguém sabe o que é isso. Não foi nada didático”, reclama o morador.

Acordo sobre estrada

Resultados bem mais concretos devem contemplar uma polêmica que há anos se arrasta na região. Uma estrada que liga Paraty (RJ) a Cunha (SP), subindo a Serra do Mar. Trata-se de uma via considerada estratégica para a Eletronuclear, pois pode ser usada como rota de fuga em casos de acidentes, além de ser importante para diversos moradores do sul fluminense, especialmente os que precisam de atendimento médico em hospitais de grande porte, como os da cidade paulista de Guaratinguetá. Só que 9 dos 44 quilômetros dessa estrada estão em péssimo estado. Justamente onde ela atravessa o Parque Nacional da Serra da Bocaina. Como nem gente do próprio Ibama consegue ar direito por ali, a área da estrada é uma das portas de entrada para invasão de gado. “Aquela parte ainda está bastante preservada, mas atualmente não temos nenhuma presença ali, sequer uma guarita”, diz Dalton Novaes, chefe do parque.

Nos próximos 30 dias será criado um grupo de trabalho coordenado por Novaes para determinar as adequações técnicas do projeto do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) ao plano de manejo do parque. Por enquanto, ficou acertado que a pavimentação da estrada será feita com bloquetes inter-travados, que não tiram a permeabilidade do solo, e haverá duas portarias com cobrança de pedágio. Para permitir a agem de animais, a via será fechada durante a noite.

Vistorias técnicas

Além do debate das questões mais controvertidas, em todos os dias de operação foram feitas vistorias em construções irregulares dentro e fora das unidades de conservação federais. “Queremos que os procedimentos iniciados aqui terminem aqui”, explica Toffoli, que coordenou algumas equipes. Ele diz que, com apenas os funcionários do Ibama regional, seria impossível dar conta de tanta demanda.

Entre os casos mais absurdos de ocupação em áreas de preservação permanente, o Ibama visitou a residência de Beatriz Borges, erguida num costão rochoso dentro da APA de Tamoios, em Angra dos Reis, sem licença ambiental. Autuada no ano ado em R$ 100 mil, voltou a ser multada em R$ 300 mil em dezembro por desrespeito ao embargo. “Parece que agora estão respeitando o embargo e cabe à Justiça decidir pela sua demolição ou não”, explica Daniel Toffoli.

Casos assim são conhecidos há tempos, especialmente no Saco do Mamanguá, na área da Reserva Ecológica de Juatinga, estadual, e da APA Cairuçu, federal. Segundo a promotora Patrícia Gabai Venâncio, do MPE, em setembro de 2004 quinze casas de veraneio e mansões foram mapeadas e são hoje objeto de ações civis públicas. “Pedimos demolição e recomposição integral do meio ambiente em todos os casos”, explica. Para ela, esses empreendimentos se expandem porque os caiçaras, que por uma lei estadual têm o direito de viver dentro dessas unidades de conservação, vendem suas terras. “As populações nativas têm direito do uso, mas ele é inalienável”.

Bernardo Issa, analista ambiental do Parque Nacional da Tijuca, fez vistorias no Saco do Mamanguá e reconhece que escândalos como a construção da mansão do piloto de automobilismo Xandy Negrão não são novidade. Diz que suas equipes foram para a região procurar casos novos. Não demorou muito para encontrar no Ilhote Grande, com 24 mil metros quadrados, um início de construção, sem licença, de diversas casas. “Além de abrirem caminho usando pedras de um costão rochoso, a ilha teve 70% de sua área transformada em gramados, justamente na zona mais restritiva da APA Cairuçu”, informa. Segundo ele, o Ibama está elencando todos os crimes ambientais cometidos pelo responsável, para que sua punição seja exemplar.

A operação incentivou a articulação de diversas instituições mais do que representou mudanças drásticas na recuperação das áreas degradadas na Costa Verde. Prometia mais: integrar as unidades de conservação federais. No entanto, o gerente-executivo do Ibama, Rogério Rocco, preferiu deixar isso para o mês de março. “Vamos inaugurar novas instalações da Estação Ecológica (Esec) de Tamoios, que abrange 28 ilhas, com o lançamento de seu plano de manejo e o da APA Cairuçu”, diz. A intenção é instalar uma equipe nova de técnicos baseados na Esec para atuarem com mais agilidade na região, já que a sede da principal unidade de conservação, o parque da Bocaina, fica em São José do Barreiro (SP). “É fundamental que as outras áreas se beneficiem dessa estrutura no âmbito da unidade gestora, que é o Parque Nacional do Itatiaia (PNI), e que com isso o Ibama mantenha presença na região”, considera Walter Behr, chefe do PNI. Quando a poeira baixar, vamos ver o que ficou.

  • Andreia Fanzeres r4q3h

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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Comentários 1 2p2l4m

  1. cassia diz:

    O Ibama está sucateado e são poucos aqueles funcionários, poucos mesmo, que bravamente ainda resistem em se curvar diante deste governo corrupto e populista que ai está!!!!! Leis ambientais foram criadas não se sabe pra que, não é mesmo???
    Parabéns a estes poucos!