Reportagens

Florestas ocas 1q1f2f

Mesmo nas maiores reservas de Mata Atlântica de São Paulo, os animais minguam por causa da caça e do desmatamento. Estudo recente mostra um quadro crítico.

Aline Ribeiro ·
23 de fevereiro de 2006 · 19 anos atrás

A Mata Atlântica do estado de São Paulo está com a saúde abalada. E a ameaça não se restringe àqueles pequenos trechos de floresta confinados em cantos de fazenda. As grandes reservas e parques públicos, cuja função é proteger as maiores porções que sobraram, também estão a perigo.

Foi o que concluiu um estudo recente da Unesp de Rio Claro. Pesquisadores fizeram o levantamento da população de aves e mamíferos de grande porte em cinco parques e uma estação ecológica do estado. Em todos os locais analisados, os números referentes à densidade, à biomassa e ao tamanho das populações se mostraram alarmantes. “Existe um pré-conceito de que as florestas extensas e contínuas são bem preservadas. O trabalho reafirmou que isso não é verdade”, afirmou Mauro Galetti, membro do Laboratório de Biologia da Conservação (LaBIC) da Unesp e coordenador da pesquisa.

O Parque Estadual Jurupará, entre os municípios de Piedade e Ibiúna, é o que apresenta as piores condições. Dentro da unidade, em um raio de 1 km², vive uma média de 4,78 animais. No que diz respeito à biomassa (soma da massa de animais por km²), a situação é tão ruim quanto. “Chegamos ao valor de 9,24 kg por km², o que é muito pouco”, explica Rodrigo Nobre, mestrando em Ecologia de Agroecossistemas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), que participou do levantamento.

Entre as reservas pesquisadas, a fauna está em melhor situação na Estação Ecológica Juréia-Itatins, no litoral sul. Mas ainda longe do ideal. São 122,54 animais por km². “Lá temos uma grande quantidade de macacos-pregos, o que contribui para o a concentração total elevada”, explica Nobre. Alguns pontos da Estação Ecológica estão mais ameaçados, devido ao grande impacto das populações caiçaras que habitam a região. A caça e a retirada de palmito ilegal também são intensas, o que contribui ainda mais para a degradação da fauna.

No quesito biomassa, o Parque Estadual da Serra do Mar lidera o ranking, com 403,65 kg por km². O local concentra os animais maiores e, conseqüentemente, mais pesados. “A presença maciça de queixadas é responsável por este dado”, observa Nobre. Foi no Parque Estadual Carlos Botelho, na região sudoeste, que os biólogos encontraram a maior diversidade de animais. “A região abriga espécies importantes, como o muriqui, a jacutinga e o sagüi-da-serra-escura, que fazem parte da lista de espécies brasileiras em perigo de extinção”.

Efeitos da ocupação

Nada menos que 70% dos parques do estado de São Paulo são habitados de forma irregular. Os efeitos da ocupação sobre a saúde da fauna são incontestáveis. Falar em convivência harmônica entre humanos e a natureza “é como falar para uma metástase não virar um câncer”, diz o professor Mauro Galetti.

Um exemplo são espécies vegetais como o palmito juçara, avidamente procurado pelos mateiros e imprescindível para a sobrevivência de animais que se alimentam de frutos. Os que dependem dessa palmeira para sua alimentação correm sérios riscos de extinção, como mostra o estudo. “É um efeito cascata. Onde não tem alimento, não tem bicho. Assim, deixam de existir os agentes dispersores, responsáveis pela manutenção da mata”, explica Galetti, lembrando que quase 90% das árvores da Mata Atlântica dependem de animais para se disseminar.

Dois mil quilômetros

Realizado entre 2002 e 2005, o estudo envolveu oito pesquisadores e resultou em duas dissertações de mestrado e monografias. Foram mais de 2 mil quilômetros percorridos dentro dos parques estaduais Carlos Botelho, da Ilha do Cardoso, de Ilha Bela, do Jurupará, da Serra do Mar (porção norte), além da Estação Ecológica Juréia-Itatins. Essas regiões são as que mais apresentam riscos à fauna quando o assunto é caça. “Por outro lado, significam uma última chance de sobrevivência para espécies como o muriqui, a onça e a anta no estado”, comenta Galetti.

Nove espécies de mamíferos foram escolhidas para entrar na pesquisa: quatro primatas, dois roedores, um carnívoro e dois ungulados (cateto e queixada). São animais conhecidos como cinegéticos, ou seja, os preferidos dos caçadores. O que o estudo analisou foi o impacto da presença ou ausência desses bichos na mata, uma vez que todos eles têm papel fundamental para a manutenção da floresta. Em sua maioria frugívoros, contribuem essencialmente no processo de dispersão das espécies vegetais ao carregarem as sementes de um lugar para o outro – seja por meio das fezes ou levadas no próprio corpo.

Para a obtenção dos índices de densidade e biomassa de cada parque, os pesquisadores levaram em conta critérios como tamanho da área analisada, distância em que se encontra do oceano, pressão de caça e porcentagem de cobertura vegetal. O método utilizado durante o estudo chama-se, na linguagem técnica, transecção linear, que nada mais é que a relação entre o número de encontros visuais com cada espécie e a distância total percorrida nas trilhas e estradas. Durante os três anos de pesquisa, foram avistadas 428 aves e 297 mamíferos.

Nem um guarda

“Em todo o período da pesquisa não vimos um guarda sequer”, lamenta o professor Mauro Galetti. Ele acredita que o maior gargalo da preservação ambiental é o fato de a Polícia Militar não entrar no mato.

Luiz Roberto Numa de Oliveira, diretor da Divisão de Reservas e Parques Estaduais do Instituto Florestal, não dispõe de argumentos para contestar a afirmação de Galetti. “Nós realmente não temos capacidade operacional suficiente, principalmente em relação a recursos humanos”, diz. Ele garante que a situação vai melhorar. “Conseguimos negociar a contratação de mais 120 guarda-parques e 350 trabalhadores braçais”, informa. Os novos funcionários ficarão responsáveis por 90 unidades de conservação no estado. Ainda assim, o diretor ite que a quantidade não será satisfatória. “Precisaríamos de mais uns 150 para conseguir montar equipes de prevenção. Hoje temos ferramentas adequadas, como aeronaves para sobrevôos constantes. Mas só é possível constatar os danos depois de ocorridos”.

Oliveira não conhece ainda o estudo da Unesp, mas concorda com a necessidade de um sistema que otimize a conservação das áreas. “Em parceria com o WWF, estamos montando um projeto para melhorar a preservação. Depois de implementado, teremos condições de dizer que a nossa fauna está sendo protegida de forma efetiva”. Que seja breve, pois há cada vez menos fauna a proteger.

  • Aline Ribeiro 206834

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