Reportagens

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Relatório do Greenpeace diz que Brasil já sofre com mudanças climáticas. Cautelosos, cientistas dizem não haver dados suficientes para relacionar alguns desastres ao fenômeno.

Aline Ribeiro ·
24 de agosto de 2006 · 19 anos atrás

O Greenpeace lançou, na quarta-feira (dia 23), uma campanha para mobilizar a população e o governo sobre os impactos das mudanças climáticas no Brasil. O material, um compêndio de artigos científicos e depoimentos de pesquisadores tarimbados, relaciona o aquecimento global a catástrofes ambientais como secas prolongadas e inesperadas tempestades – que, segundo a ONG, já afetam a vida de milhares de brasileiros. “A razão de fazer toda essa documentação é mostrar que não falta informação tecno-científica para a gente atuar, falta o público saber o que está acontecendo e o governo tomar as providências”, diz o diretor de Campanha do Greenpeace, Marcelo Furtado.

Formada por relatório, documentário e exposição fotográfica, a campanha “Mudanças do Clima, Mudanças de Vidas” é uma estratégia global da organização para inserir países pobres, mas emissores de gases do efeito estufa nas metas de redução. “Acreditamos que grandes emissores, como Brasil, Índia e China, também têm sua parcela de responsabilidade e precisam ter metas de corte. Não podemos nos eximir, por exemplo, das emissões causadas pelo desmatamento da Amazônia”, destaca Furtado. A destruição dessa floresta é a principal fonte de liberação de gás carbônico no país, seguida da queima dos combustíveis fósseis.

Apesar de o tema não permitir afirmações categóricas, o relatório do Greenpeace aponta a estiagem no Paraná, o furacão Catarina no Rio Grande do Sul, a desertificação do semi-árido e a seca da Amazônia no ano ado como evidências dos efeitos das mudanças climáticas. O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Carlos Nobre, citado no relatório, explica a relação com mais cautela. “É possível que intensidade da seca da Amazônia esteja ligada às mudanças climáticas. Isso não significa, porém, que deixaria de existir sem o aquecimento global. No caso do furacão Catarina, o fator principal para sua ocorrência não foi, sem dúvida, a temperatura do oceano Atlântico, mas a configuração favorável dos ventos.” 

O geógrafo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Francisco Aquino, também citado no relatório, diz que os efeitos das mudanças climáticas são sentidos em todo o planeta. Não identifica, no entanto, alguns dos eventos climáticos mencionados no documento como efeitos diretos do aquecimento global. “O tornado que atingiu o Sul do país foi um sinal de alerta das mudanças climáticas, mas explicar cientificamente a relação entre eles ainda é discutível. Gostaria de afirmar com certeza, mas isso ainda é assunto para prêmio Nobel.”

O físico Gylvan Meira Filho, da Universidade de São Paulo (USP), assinou o prefácio do relatório e acredita que o documento é importante para alertar a população, mas não serve como base científica. “As grandes variáveis, como a previsão de aumento da temperatura global, são mais fáceis de prever. Mas quanto mais se desce para o detalhe, menos certeza científica se tem. Ainda não é possível comprovar, por exemplo, que o Catarina está relacionado às mudanças climáticas. O Greenpeace cumpriu o seu papel, que é de chacoalhar as pessoas. O purismo científico cabe à universidade.” A ONG, por sua vez, afirma que os eventos climáticos citados no relatório serão agravados pelo aquecimento global. “Gostaria muitíssimo de ver provado que estamos errados, que não somos vulneráveis às mudanças climáticas. Mas não é o que esperamos, infelizmente”, diz Furtado.

Previsões

Entre as mudanças futuras apontadas pelo documento estão, por exemplo, a desertificação da Caatinga, que pode ser substituída por vegetação mais seca, típica de deserto. Segundo o levantamento, o alto potencial para evaporação do Nordeste, combinado com o aumento de temperatura, causaria diminuição da água de lagos, açudes e reservatórios. Por outro lado,o semi-árido nordestino pode ficar vulnerável a chuvas fortes e concentradas em pequeno espaço de tempo, resultando em enchentes e graves impactos socioambientais. “Com a degradação do solo, aumentará a migração para as cidades costeiras, agravando ainda mais os problemas urbanos”, diz o estudo.

Já na Amazônia, o aquecimento global deve aumentar as temperaturas na região entre 2º C e 3º C. De acordo com o Greenpeace, isso deixaria o clima mais seco e provocaria uma redução nas chuvas de 10% a 20%. A savanização, acelerada pelos desmatamentos e queimadas, deixaria a biodiversidade da região mais pobre. “Se forem mantidos a progressão e o cenário atual de desflorestamento, uma parte significativa dos 6 milhões de km2 que compõem a floresta amazônica deverá ter se transformado em cerrado mais pobre, em um período que pode variar de 50 a 100 anos”, relata o documento. Se a floresta for totalmente devastada, as alterações no regime de chuvas poderão ainda afetar o clima da América do Norte e da Europa, prevê.

O aquecimento global pode deixar a região costeira (entre a costa do Rio Grande do Sul até o sul do Rio de Janeiro) vulnerável à ocorrência de ciclones, entre 2071 e 2100 – aponta o levantamento. “Se as mudanças climáticas trouxerem os furacões para o Atlântico sul, haverá necessidade de mudanças nos códigos de edificações, prevendo construções resistentes.” Os prédios à beira-mar poderão ser destruídos pelas ondas ou pelo aumento do nível do mar em até quase 0,5 metro. Somente nas cinco principais metrópoles costeiras brasileiras (Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Belém) residem hoje mais de 22 milhões de pessoas.

Baseado em estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Greenpeace afirma que as mudanças climáticas podem afetar a economia do país por alterar o regime das chuvas. Culturas como o café devem migrar para regiões com temperaturas máximas mais baixas, o que levaria as produções para o Sul do Brasil. Já as plantações de arroz, milho, feijão e soja se concentrariam no Centro-oeste e haveria perdas significativas de área cultivada. Para a saúde humana, o relatório prevê a redistribuição das doenças infecciosas e um aumento das áreas de ocorrência de malária e dengue no país. Nas grandes cidades, a perspectiva da ONG é que cresça o número de vítimas de tempestades e doenças ocasionadas pela poluição atmosférica.

  • Aline Ribeiro 206834

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