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Estado de emergência 4q41p

Relatório mostra que o Centro de Endemismo Belém, região mais degradada da Amazônia, já perdeu 67% de floresta. Espécies endêmicas da fauna e flora podem desaparecer em 30 anos.

Aline Ribeiro ·
3 de novembro de 2006 · 19 anos atrás

Uma área de 20 milhões de hectares conhecida como Centro de Endemismo Belém, localizada entre Pará, Maranhão e Tocantins, é a mais desmatada de toda a Amazônia. Tem apenas 23% de sua cobertura florestal intacta, revela relatório inédito do Projeto Biota Pará, uma parceria entre a Conservação Internacional do Brasil e o Museu Emílio Goeldi, lançado na manhã desta sexta-feira em Belém (PA). A pesquisa é a primeira radiografia detalhada da situação da floresta em um trecho de 243 mil km² – tamanho equivalente ao Reino Unido. E alerta: espécies endêmicas da flora e fauna da região podem sumir do mapa dentro de 30 anos, caso a degradação continue em ritmo acelerado. 

A pesquisa mostra que dos 33% dos remanescentes florestais encontrados, 23% correspondem à floresta intacta e 10% são florestas exploradas com corte seletivo. “Sobraram dois blocos importantes. Um compreende trechos de mata privada, pertencentes a empresas que atuam na região. O outro está ao longo do vale do Gurupi e abrange uma reserva biológica e quatro terras indígenas. O caminho para a preservação é tentar reconstruir e proteger o que restou”, diz José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente de Ciência da Conservação Internacional do Brasil.

O Centro de Endemismo Belém é a área mais antiga de ocupação humana na Amazônia – em 2002, tinha população estimada em 5.850.000 habitantes. A região abrange 147 municípios (62 no Pará e 85 no Maranhão) e inclui 41 áreas protegidas, sendo 27 Unidades de Conservação (UCs) e 14 Terras Indígenas (TIs). Essas reservas verdes destinadas à preservação não foram suficientes para conter as ações do homem e evitar que 67% do centro, diz o relatório, fossem desmatados.

Segundo o estudo, 24% das áreas desmatadas são utilizadas para pecuária e apenas 1,4% apresentam iniciativas de reflorestamento. “A região já está sendo considerada a Mata Atlântica da Amazônia, porque vem sofrendo a mesma pressão que este bioma. É uma área fragmentada, com a ocorrência de muitas espécies ameaçadas de extinção”, destaca Arlete Almeida, coordenadora técnica do projeto. A construção de rodovias como a BR 010 (Belém-Brasília), BR 316 (São Luis–Belém) e PA 150 (Belém-Marabá), somada à conseqüente ocupação desordenada do entorno, contribuíram para o desflorestamento desenfreado. “O número reduzido de unidades de conservação e as novas frentes de expansão econômica, como exploração madeireira e agropecuária, também ocasionaram a perda das matas.”

A pesquisa mostra ainda que os fragmentos florestais restantes são mais suscetíveis à invasão de espécies exóticas, à incidência de fogo e ao colapso de serviços ambientais. As poucas áreas protegidas sofrem fortes pressões, algumas em situações críticas, como a Reserva Biológica Gurupi (MA) – último remanescente de Mata Amazônica do estado, com ocorrência de espécies raras e ameaçadas -, completamente tomada por posseiros, madeireiros e carvoeiros em plena atividade.

Em sua segunda fase (a primeira foi um mapeamento de toda a Amazônia para identificar o centro mais degradado), o Projeto Biota Pará envolveu em torno de 60 pessoas, entre pesquisadores da fauna, flora e equipe de apoio. Para obter os dados, os especialistas utilizaram imagens de satélites e realizaram diversas pesquisas in loco. A equipe analisou um mosaico composto por 16 imagens de satélite Landsat e TM5, processados nos anos 2003 e 2004. Em campo, os pesquisadores fizeram um levantamento florístico e estrutural em 36 sítios localizados em florestas remanescentes e secundárias. Os resultados serão apresentados na próxima semana para o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), do Ministério do Meio Ambiente.

Extinção iminente

Sinônimo de perda da biodiversidade, a escassez de matas em bom estado de conservação preocupa os pesquisadores. Das 176 espécies da fauna e flora que constam da lista de ameaçadas de extinção do estado do Pará, 30 são endêmicas do centro – o que quer dizer que ocorrem somente naquela região. “Se continuar a degradação, em 30 anos essas espécies estarão extintas, porque não ocorrem em outros locais. Alguma coisa tem de ser feita, porque hoje não existe governança, ações de fiscalização e conscientização da importância da floresta”, ressalta Alexandre Aleixo, curador da Coleção de Aves do Museu Emílio Goeldi e responsável pelo levantamento de fauna e flora do projeto. 

O número de espécies do Centro de Endemismo Belém ameaçadas de extinção, explica Aleixo, é muito maior do que 30. Isso porque esse número refere-se somente às endêmicas, mas não inclui espécies que também ocorrem em outros locais. “Ainda não dá para dizer quantas são ao todo, porque não terminamos de cruzar os dados que temos sobre a região.” Entre os animais que correm riscos de extinção estão o Macaco-caiarara (Cebus kaapori) e Cuxiú-preto (Chiropotes satanas); e as aves Mutum-de-penacho (Crax fasciolata) e Jacamim-de-costas-verdes (Psophia viridis obscura).

Plano de ataque

Além de apontar a situação atual da floresta no centro, o relatório traz recomendações que podem ajudar a reverter o quadro da região no futuro. A criação de novas unidades de conservação, principalmente de proteção integral, é uma das maneiras de impedir que o desmatamento continue. Os pesquisadores acreditam que garantir a participação das comunidades indígenas na proteção das áreas é outro caminho para evitar mais desmando. “Os índios são imprescindíveis para frear a retirada de floresta. Dos blocos de mata que restaram no centro, 90% estão concentrados em terras indígenas”, lembra Arlete Almeida, coordenadora técnica do projeto.

O relatório também sugere a expansão das áreas submetidas ao manejo florestal sustentável; o envolvimento do setor privado, principalmente por meio da criação de Reserva Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs); o incentivo e a recuperação de áreas degradadas; a implantação de corredores ecológicos dos fragmentos existentes; e o monitoramento das áreas em regeneração. “Ainda estamos estruturando a próxima fase do projeto. Mas, possivelmente, vamos estudar a biologia das espécies endêmicas, para elaborar um plano de conservação que leve em conta as necessidades de cada uma”, adianta José Maria Cardoso da Silva, da Conservação Internacional.

  • Aline Ribeiro 206834

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