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Crime ou castigo 171m27

Dois policiais e um médico são presos retirando ovos de arara de um ninho em fazenda no interior de São Paulo. Eles alegam que estão sendo punidos por proteger a natureza.

Aline Ribeiro ·
12 de dezembro de 2006 · 18 anos atrás

A pacata rotina da zona rural de Brotas, interior de São Paulo, foi interrompida na noite do dia 17 de novembro por uma ligação anônima para o posto local da Polícia Militar. Uma voz na linha dizia que três homens estavam perturbando a vida de um casal de araras-canindé (Ara ararauna) e retirando quatro ovos de seu ninho, escavado num tronco seco de bocaiúva (Acrocomia totai) na beira de estrada vicinal do bairro Água Sumida. Uma equipe da PM acorreu rápido ao lugar indicado e chegou em tempo de flagrar os seres humanos – dois policiais, um deles da polícia ambiental de Araraquara, e um médico que se apresentou como ambientalista. As credenciais não comoveram os PMs. Os três foram levados à delegacia de Brotas, que abriu inquérito para investigar o caso.

Quando estiver concluída, a investigação será encaminhada para o Ministério Público da cidade, que deve avaliar se vai propor uma denúncia à Justiça. Os dois policiais e o médico, que por enquanto são apenas suspeitos de crime ambiental, contaram que ao contrário do que se possa imaginar, tinham trepado na bocaiúva para prestar um relevante serviço à natureza. Estavam resgatando os ovos para salvá-los de um possível furto por parte de malfeitores. Insistiram que fizeram isso porque sabiam que outros ovos postos por araras naquele mesmo tronco já tinham sido furtados. O escrivão Edgar de Barros disse que talvez isso possa ser esclarecido quando o dono e o da fazenda onde está fincada a bocaiúva forem ouvidos.

Para o meio ambiente, a presença das araras Canindé e, principalmente, dos ovos na região é ótimo sinal. Significa que a espécie – classificada como criticamente em perigo na lista de animais ameaçados de extinção do estado de São Paulo – está driblando o desmatamento contínuo do Cerrado paulista para retornar ao seu lugar de origem. “Fazia muito tempo que não víamos esses bichos por aqui. Provavelmente, eles foram soltos por donos de pousadas há mais ou menos cinco anos e agora tentam se adaptar à natureza. A reprodução indica que eles estão colonizando a área de novo”, explica Mauro Galetti, professor do Departamento de Biologia da Universidade Estadual Paulista de Rio Claro.

O caso evolve quatro ovos, mas fisicamente falando, só sobraram dois. O outro par desapareceu. Um foi jogado fora no momento da apreensão porque estava podre. O último, ninguém sabe, ninguém viu. Sumiu no meio da confusão. A dupla remanescente ficou durante uma semana numa chocadeira no Zoológico de Bauru. Como não davam sinais de vida, foram submetidos a uma ovoscopia, teste que identifica se um ovo está ou não fertilizado. Não estavam. Mas isso não serve de consolo para os suspeitos, caso sejam formalmente acusados.

“Se foi um flagrante de captura não autorizada, é uma irregularidade”, diz Lélia Pinto, chefe do Ibama de Bauru. “O fato de não terem sido fecundados não muda a situação de crime”. Pinto recebeu a custódia das duas evidências de um possível ilícito, os ovos chocos. Guardou-os dentro de seu escritório. “É para o caso de o juiz querer ver”, afirma ela, apostando que o caso tem tudo para chegar à Justiça. “Só tenho medo que cheirem mal. Mas, mesmo assim, ficarão comigo”.

Em prol da natureza

Carlos Augusto Torres, soldado da Polícia Ambiental de Araraquara e um dos flagrados com os ovos na mão, garante que tudo não ou de um mal-entendido. Ele conta que foi convidado pelo médico, José Emílio Fehr Pereira Lopes, para afastar as araras donas dos ovos para um local menos movimentado. “A gente queria tocar as aves para perto da fazenda, porque ali na estrada elas estavam ameaçadas. Colocamos uma escada na árvore para espantá-las com as mãos. Eu só fui auxiliar a pessoa que me solicitou respaldo técnico”, jura.

Ele tem uma explicação para o fato de nenhum dos dois policiais do trio estarem fardados e sem o apoio de um veículo oficial no momento do flagrante. “Fomos num dia de folga porque essa área nem é da minha competência. Só fui fazer um favor para um amigo”, explica, referindo-se ao médico. Torres diz que eles foram até o local exclusivamente para espantar as araras e não sabiam que no tronco da bocaiúva tinha ninho. “Quando vimos os ovos, colocamos numa caixa de papelão para levá-los até a fazenda e encaminhar ao Ibama.”

Na tentativa de se justificar, o soldado explica que as araras que guardavam os ovos não eram um casal. “O dono nos contou que o macho tinha morrido eletrocutado. Sabíamos que o ovo não poderia estar fecundado. Além disso, a época de postura [de ovos] já acabou, porque vai somente até setembro. Mesmo que se tratasse de um casal, os ovos não seriam férteis, porque ou o período de fecundação”, ensina, antes de afirmar que o ninho em questão era alvo de repetidas violações por seres humanos. De acordo com Torres, a confusão ocorreu porque a pessoa que chamou a polícia se enganou ao ar o número da placa do carro em que os três homens estavam. Ela trocou uma letra e, quando os policiais checaram no sistema para verificar o dono do automóvel, identificaram um veículo roubado.

Lopes, o médico e, dependendo do ponto de vista, parceiro de filantropia ou comparsa de crime de Torres, fica irritado quando ouve falar do caso. Procurado pela reportagem de O Eco, ameaçou processar quem divulgasse seu nome. Disse que é “ambientalista roxo” e que presidiu a Fundação Nacional do Meio Ambiente (Funama), instituição sem fins lucrativos voltada para a educação e pesquisa ambiental. Afirmou também que, ao contrário do que sugeriu Torres, não era o líder do grupo. “Eu só estava acompanhando os policiais. Fizemos tudo com transparência, marcamos até hora com o dono da fazenda para tirar as araras de lá”, insiste. Essa parte da história, pelo menos, será possível esclarecer quando o proprietário for interrogado.

  • Aline Ribeiro 206834

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