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Perigosa mutação 2qu65

Pesquisadores estudam empobrecimento genético do pequi, árvore símbolo do Cerrado que virou um claro retrato de como o extrativismo mal planejado coloca a natureza em risco.

Gustavo Faleiros ·
8 de agosto de 2007 · 18 anos atrás

O famoso ditado “as aparências enganam” pode se encaixar perfeitamente quando se trata do estado de conservação de um ecossistema. Mesmo que a olhos nus trechos de florestas pareçam preservados, a degradação nas redondezas pode levar à perda da riqueza genética das espécies e, no longo prazo, à extinção. Essa preocupação está mobilizando diversos pesquisadores do Cerrado. Eles estão em busca de respostas sobre qual a real extensão do impacto na biodiversidade da forte degradação imposta ao bioma nas últimas três décadas. Para tanto, um dos principais indicadores tem sido a atuação de polinizadores e animais dispersores de sementes.

O pequi (Caryocar Brasiliense), árvore símbolo do Cerrado, é o principal objeto de estudo de um grupo de ecólogos da Universidade de Brasília (UnB) e do Universidade Católica de Brasília (UCB). Eles estão observando que em áreas isoladas de vegetação a população de pequis está reduzindo sua variabilidade genética. Isso significa que distantes de outros trechos de mata preservada, a espécie está fazendo cruzamentos entre poucos indíviduos. E Darwin explica: isso influi o processo evolutivo e pode diminuir a capacidade de adaptação. “Com baixa adaptabilidade, qualquer praga ou mudança no ambiente, no longo prazo, pode levar a espécie à extinção”, explica a pesquisadora Rosane Collevatti, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Genômicas e Biotecnologia da UCB.

Umas das hipóteses que os pesquisadores estão tentando provar é de que os principais polinizadores do pequi, os morcegos, que se alimentam do néctar das flores, não estão levando o pólen para áreas remotas. Mesmo com capacidade de voar longas distâncias, explica Rosane, os mamíferos alados prefeririam forragear apenas em trechos de vegetação preservada. Para comprovar esta suspeita, os pesquisadores estão trabalhando na Estação Ecológica Águas Emendadas, no Distrito Federal. Lá eles instalaram câmeras fotográficas (trap) que são disparadas no momento que os animas chegam às árvores para se alimentar. Além disso, famílias de pequis são geneticamente analisadas e depois comparadas com árvores de áreas distantes para se ter noção do caminho que o pólen percorreu.

O pé de pequi não serve de alimento apenas aos morcegos. Ele é considerado uma espécie chave para vários mamíferos do Cerrado, como o lobo-guará, o cateto e a anta, entre outros. Por isso, os animais de grande porte também estão ameaçados. Entre as causas estudadas para a crescente pobreza genética e a redução da população está a dificuldade de trânsito desses animais entre os fragmentos de vegetação nativa. Além das câmeras trap para registrar a movimentação dos animais na disperção das sementes, os pesquisadores comparam a dentição de mamíferos nos frutos encontrados na mata. Assim é possível saber quais realmente estão carregando sementes para outras paragens.

Fruto e extrativismo

Mas não são só lobos e antas que dependem do pequi. O fruto também faz parte da alimentação dos brasileiros que habitam o Brasil central. É a base da economia de diversas comunidades no Cerrado. Por isso, há estudiosos que olham com preocupação a redução da população de pequi e até mesmo de seu potencial de frutificação. A pesquisadora da Embrapa Cerrados Ludmilla Aguiar tem trabalhado no norte de Minas Gerais em áreas onde a produção com a polpa do pequi tem registrado quedas significativas. Além das árvores existentes estarem com poucos frutos, o nascimento de novos indíviduos é considerado baixo.

“Até agora a preocupação com o pequi era da frutificação em diante. O que as pesquisas estão tentando agora é ver o que está acontecendo antes disso”, afirma Ludmilla. Sua hipótese é de que além das dificuldades que os mamíferos estão encontrando para dispersar as sementes por conta da degradação das áreas nativas de Cerrado, o próprio processo de extrativismo poderia ter influência negativa. A lógica é simples, a demanda das comunidades e empresas pelo fruto não deixam exemplares de qualidade para serem comidos pelos animais. Sem alimento, somem os bichos, acabam as viagens das sementes e diminui o nascimento de novas árvores.

Para Rosane, cuja pesquisa ocorre dentro de uma unidade de conservação, o problema do pequi fora de áreas protegidas é exatamente o extrativismo. Segundo ela, não existem estudos que demonstrem qual a capacidade e da espécie. Ou seja, não se sabe qual a quantidade de frutos e sementes que podem ser retirados da planta sem prejudicar sua capacidade de se reproduzir. O problema também estaria afetando a faveira, outra espécies típica do Cerrado e cuja vagem é utilizada na fabricação de medicamentos. “Não conheço um dado ou mesmo um plano de manejo para áreas de extrativismo que considere estas preocupações”, critica a pesquisadora da UCB.

  • Gustavo Faleiros 2m441c

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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