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Preservação paulista u2f15

Resolução do governo paulista que institui o desmatamento zero em áreas privadas de Mata Atlântica é bem vinda por ambientalistas. A dúvida é sobre como fiscalizar a aplicação da norma.

Cristiane Prizibisczki ·
9 de outubro de 2007 · 18 anos atrás

Uma recente medida da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo trouxe ânimo a conservacionistas. Datada do dia 21 de setembro, a Resolução SMA 40 – que está inserida nos 21 planos estratégicos do órgão estadual – discorre sobre a execução do Projeto Desmatamento Zero nas áreas de Mata Atlântica do estado. O objetivo é assegurar a conservação dos remanescentes de vegetação nativa e, por isso, o documento determina que seja suspensa, temporariamente, a concessão de licença para a supressão de mata atlântica no território paulista. A dúvida que persiste entre as entidades ambientalistas diz respeito sobre como será feita a fiscalização das novas regras.

Entre as características que o espaço preservado deve apresentar para que a resolução seja colocada em prática estão: tratar-se de área que abrigue espécies em extinção, áreas com fragmentos de cerrado, cerradão e florestas nativas em estágio médio e avançado de regeneração, propriedades com ivo ambiental ou ocupação irregular.

Também está determinado que, nos municípios com baixo índice de cobertura vegetal nativa (menor que 5% de seu território), a supressão da mata em estágio inicial de regeneração e de campo de cerrado esteja condicionada à recuperação de área equivalente no próprio município.

Segundo a SMA, a idéia é colocar em prática uma série de estratégias para aprimorar o licenciamento, como a revisão de procedimentos e normas internas, o aperfeiçoamento da aplicação de multas e a criação de um grande banco de dados, que servirá de base para outros estudos e leis.

“A Resolução não proíbe a supressão da mata, ela suspende. Com o documento, queremos, no prazo de 180 dias, como está determinado no projeto, rever procedimentos e critérios técnicos para criar novos parâmetros de acordo com a característica de cada bioma. O próximo o é propor novas leis para a preservação da área”, diz Renata Beltrão, diretora do Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN) e gerente do projeto Desmatamento Zero.

Desflorestamento

De acordo com dados compilados pela ONG SOS Mata atlântica, o bioma original da Mata Atlântica em São Paulo ocupava uma área de quase 25 milhões de hectares, o que significava 82,31% do total do Estado. Hoje, apenas 2.722 milhões estão preservados, o que significa 13,3 % do total inicial. Da vegetação sobrevivente, grande parte encontra-se em áreas de relevo acidentado, próximas à costa, na Serra do Mar e vale do rio Ribeira do Iguape.

Além da dificuldade de proteger o pouco que restou, defensores da conservação ainda encontram entraves econômicos pelo meio do caminho. De acordo com o Inventário Florestal, 70% dos remanescentes vegetais encontram-se em áreas particulares, usadas para atividades agropastoris, expansão imobiliária, assentamentos e queimadas.

É certo que o desflorestamento vem diminuindo com os anos – caiu de 61.720 hectares de área devastada em 1985 para 4.657 em 2005, segundo levantamento da SOS Mata Atlântica. No entanto, esta queda deve ser analisada com ressalvas. “A queda é resultado de uma conjunção de fatores, como maior fiscalização e conscientização e o controle feito por organismos públicos e ONGs. Mas diminuiu também porque pouco sobrou para ser desflorestado”, avalia Márcia Hirota, diretora de Gestão de Conhecimento da Organização.

Eficácia questionada

Tendo em vista este grave quadro de desflorestamento da Mata Atlântica no Estado de São Paulo, conservacionistas receberam com otimismo a resolução da SMA. No entanto, entidades consultadas pela reportagem apontam para alguns fatores que devem ser analisados com cuidado.

Segundo Márcia Hirota, a resolução é apropriada e se soma ao que já existe de legislação para a proteção do bioma, como a Lei da Mata Atlântica. Mas, de acordo com ela, as medidas têm de vir acompanhadas de um bom trabalho de fiscalização.

Quem também acha que este é o ponto nevrálgico do documento é a BirdLife/SAVE Brasil. De acordo com Jaqueline Goerck, diretora da organização, o primeiro ponto que deve ficar claro é quem deve realmente cumprir a resolução: se órgãos de fiscalização ou os responsáveis pela licença de novos empreendimentos.

“Achamos muito pertinente o estado tomar uma medida com relação a essa questão, pois verificamos, ao longo dos anos, que a legislação vigente não é suficiente para combater a ameaça às espécies nativas da fauna e flora e o desmatamento ilegal. No entanto, a nossa primeira reação a esse tipo de resolução é – como ela será verificada?”, questiona Jaqueline.

Segundo ela, seria mais produtivo se o estado de São Paulo já tivesse as diretrizes para definir a conservação e a restauração da biodiversidade na área ou se houvesse uma moratória à concessão de licença para retirada de mata nativa. “Se as diretrizes não estão definidas, não há como verificar se o proprietário ou o empreendimento está cumprindo suas obrigações. Seria mais eficiente se houvesse uma moratória completa, que estaria em vigor até que as diretrizes fossem definidas”, diz.

O ponto que trata dos casos específicos em que está proibida a concessão da licença para supressão da mata também foi questionado pela diretora da SAVE Brasil. Segundo o documento, está suspensa a concessão “quando a área abrigar espécies de flora e fauna silvestres ameaçadas de extinção […] e a intervenção ou atividade colocarem em risco a sobrevivência dessas espécies”. Mas de acordo com Jaqueline – que cita os pássaros apenas como um exemplo da complexidade do problema -, as ameaças de extinção ocorrem por diferentes motivos e “é pouco provável que os fiscais tenham treinamento adequado para reconhecer as espécies da fauna e da flora ameaçadas”.

“As medidas devem ser acompanhadas de outras medidas que possam fazer com que a resolução [SMA 40], bem como todas as leis vigentes, sejam cumpridas. Entre elas é necessário que se realize um treinamento adequado dos órgãos fiscalizadores – com subsídios para que eles possam verificar ocorrências e identificação de espécies de forma clara e direta -, um credenciamento ou certificação de empresas de consultoria que realizam EIA-RIMAs e a publicação de Atlas de distribuição de espécies”, salienta Jaqueline.

A SMA defende que os pontos questionados são frutos de uma interpretação equivocada. “Não colocamos a palavra ‘moratória’ no texto da resolução, mas, na prática, o efeito é o mesmo. A licença para o desmatamento será suspensa até que os procedimentos e critérios sejam redefinidos”, diz Renata Beltrão.

Sobre a fiscalização, a SMA garante que ela será feita de forma eficiente pelos mecanismos dispostos pela Secretaria, e que a identificação das espécies não depende do trabalho de campo, mas de listas pré-existentes. “Quando a pessoa pede a licença para o desmatamento, ela já traz uma série de documentos, entre eles o levantamento das espécies de flora e fauna existentes na área. Esse levantamento será confrontado com as listas oficiais do território nacional ou estadual, como está especificado na resolução”, garante a gerente do projeto Desmatamento Zero.

Nos próximos 180 dias, saberemos se funcionou. Ou não.

*Cristiane Prizibisczki é jornalista em São Paulo.

  • Cristiane Prizibisczki 1z1b3e

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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