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Obtido por O Eco após certo esforço, o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, obra prevista no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), não aponta em nenhum momento a existência da ameaçada rã Phisalaemus soaresi. Como denunciado em matéria anterior, a espécie só ocorre na Floresta Nacional (Flona) Mário Xavier, no munícipio de Seropédica.
O mesmo estudo, entretanto, conta que dentro daquela diminuta reserva florestal também sobrevive um raro peixinho brasileiro. Nas palavras do documento “merece destaque a ocorrência na flona do peixe-das-nuvens Leptolebias minimus, endêmico do Rio de Janeiro e reconhecido como vulnerável na lista de espécies ameaçadas de extinção do Estado do Rio de Janeiro”.
Conforme o biólogo Dalton Nielsen, esses peixes vivem em poças anuais em pontos isolados do país, somando quase duzentos tipos diferentes. Eles desaparecem a cada seca e voltam como mágica com o início das chuvas, renascendo dos ovos abrigados sob a terra. Segundo ele, do Leptolebias minimus há apenas três populações conhecidas: em Itaguaí, em Seropédica e no Parque Nacional da Tijuca.
O pesquisador também comentou que a região cortada pelo Arco Metropolitano é rica em espécies de peixes-das-nuvens. Pelo menos outras quatro foram registradas em municípios como Cava, Japeri, Tingá e Magé. A Leptolebias splendens estava desaparecida até 1986, e ressurgiu em 1990. A Leptolebias opalencens está desaparecida desde 1954. A Leptolebias nanus sumiu desde sua descoberta, em 1982. E finalmente a Leptolebias marmoratus, que voltou a aparecer em 2002. “Por tudo isso, seria prudente rever este estudo de impacto ambiental sobre a proteção da ictiofauna (peixes)”, ressaltou.
ICMbio promete investigar
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Para o Instituto Chico Mendes (ICMbio), as pistas duplas asfaltadas do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro oferecem pouco perigo à Flona Mário Xavier,. Conforme Marcelo Marcelino, diretor de Conservação da Biodiversidade da autarquia, a via ará apenas por um trecho na porção norte da reserva, coberto de eucaliptos, sem ameaçar a rã Phisalaemus soaresi ou a mata nativa de baixada local, ao contrário do que mostrou O Eco no dia 17.
“A informação que tenho é de que o arco só pega a parte norte da flona, uma área de eucaliptos. Não pega a área de floresta, onde está a perereca (rã). Não era possível autorizar uma obra que destruísse uma espécie ou a Mata Atlântica”, disse. Todavia, as declarações oficiais precisam de confirmação em campo. “Mas tenho que confirmar isso. Pedirei aos técnicos para olharem de perto essa situação”, completou o diretor.
A polêmica obra de R$ 1 bilhão e que impactará direta ou indiretamente treze unidades de conservação estaduais e federais recebeu sinal verde do instituto em outubro de 2007 e licença ambiental em junho do ano ado, conforme Marcelino. O diretor prometeu atenção ao episódio e informou sobre o lançamento de um “plano nacional” com ações para proteger animais ameaçados no país. Iniciativa a ser lançado até o fim do ano.
“Pedirei atenção especial a essa espécie (rã). Temos que avaliar melhor a sua situação, porque ela vive numa área muito pequena, muito restrita. Não podemos colocar na conta do instituto a extinção de uma espécie”, comentou.
As obras já iniciaram em todos os trechos dos 145 quilômetros da rodovia, inclusive em Seropédica. Além da construção e pavimentação de vias, o projeto prevê nove pontes, cinco viadutos, três agens inferiores e três arelas, e é considerado estratégico para o desenvolvimento do Sudeste.
Descaso histórico
Acompanhando com atenção especial o licenciamento e o andamento das obras do Arco Metropolitano, o biólogo e professor da Universidade Cândido Mendes, Celso Sánchez Pereira, é taxativo ao afirmar que as ameças à Flona Mário Xavier têm as cores do descaso histórico do governo federal com aquela área. Para ele, o argumento governista de que a estrada ará apenas por um trecho de eucaliptos é puro jogo de semântica. “Há apenas uma parcela de eucaliptos, e esse mesmo fato deixa evidente a negligência histórica do governo com a flona”, disse.
Conforme o biólogo, mesmo não ando exatamente sobre a área de ocorrência das espécies, a rodovia oferece risco de extinção às mesmas. O próprio estudo de impacto ambiental da obra reconhece essa possibilidade, afirmando que “a fauna silvestre pode sofrer impactos diversos devido ao ruído e poluição, tais como emigração, inibição da natalidade etc”. O especialista também comentou que a movimentação de terras e crescimento econômico local com a chegada do arco será fatal para aquela reserva florestal. “A flona não é uma reserva de eucaliptos. Até agora o ICMBio foi negligente com ela e com as espécies que lá vivem. A rã e outros animais aram batidos (foram esquecidos) nos estudos ambientais”, comentou.
Talvez uma das explicações mais contundentes sobre o que ocorreu no licenciamento do Arco Metropolitano esteja nas declarações de uma fonte que atuou no Ibama naquela época e que, por motivos óbvios, preferiu não se identificar.
“A questão da rã foi levantada e alertada por pesquisadores durante o licenciamento do Arco, mas alguns pressupostos legais foram atropelados para apressar o empreendimento. Também havia duas alternativas para traçado, uma por fora da flona, mas entre custos ambientais e financeiros, preferiu-se pelos primeiros. Essas questões foram apontadas em relatórios técnicos e da procuradoria especializada do Ibama no Rio de Janeiro, depois remetidos a Brasília. Isso desagradou muito à istração central (do ICMBio), daí combinaram a emissão das licenças pelo estado com algumas condicionantes. Nunca vi nada igual. É uma violação nítida da legislação para fazer prevalecer os interesses do empreendedor, do estado”.
Tudo como dantes
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Outro trecho interessante do estudo de impacto ambiental do Arco Metropolitano declara que o traçado pelo interior da flona foi mantido porque, quando o projeto foi elaborado, a rodovia não perava nenhuma das áreas de proteção ambiental hoje existentes. O estudo também afirma que o traçado representa “menor impacto socioeconômico” entre outras alternativas, inclusive contornando a Flona Mário Xavier.
O documento diz exatamente que “O traçado foi projetado corretamente, pois, quando foi elaborado, não atravessava nenhuma das áreas de proteção existente. (…) Os estudos das variantes nessa agem indicam menor impacto socioeconômico da alternativa escolhida, situação que se reflete também no menor custo dessa agem. Embora exista variante que contorne a área da FLONA, a necessidade da relocação do pedágio e de muitas residências a tornam mais impactante e custosa. Por outro lado, embora a variante escolhida gere potencial impacto sobre o plantio de eucaliptos na FLONA e sobre o Centro de Triagem de Animais Silvestres, a existência da faixa de domínio da antiga RJ-105 tem maior viabilidade jurídica já que sua constituição precede a criação da FLONA”.
“As espécies que vivem dentro da flona figuram como ameaçadas na lista vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês). É um problema internacional de conservação que mostra o absurdo distanciamento entre a academia e as instâncias governamentais de conservação”, disse o biólogo Celso Sánchez Pereira.
Saiba mais:
Uma rã carioca marcada para morrer
Milhões de anos pelo brejo
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