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Governo da Bahia quer construir terceiro maior porto do país a toque de caixa em área de preservação ambiental. Investimento visa escoamento de soja e minério de ferro.

Fabiane Madeira ·
5 de maio de 2008 · 17 anos atrás

Será possível construir um porto de grande porte em uma área preservação ambiental tendo apenas 8 meses para licenciar e dar início às obras? Para o governo da Bahia a resposta é sim. Essa a história do Porto Sul, empreendimento listado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que promete alterar o panorama do região cacaueira baiana, que ainda hoje abriga importantes trechos de Mata Atlântica e mangues intocados.

Segundo o secretário estadual de Infra-Estrutura da Bahia, Antonio Carlos Batista Neves, as primeiras obras relativas à instalação do Porto Sul, na Praia da Ponta da Tulha, em Ilhéus, devem começar no final deste ano. A posição surpreende já que o decreto de desapropriação da área foi lançado em 20 de fevereiro e vários quesitos legais ainda não foram obedecidos como apresentação do projeto oficial à comunidade, audiências públicas e realização de estudos de impacto ambientais preliminares.

A situação por si só já seria absurda mas agrava-se ainda mais quando se trata de um Porto que pretende ser o terceiro maior do País e contará com rodovias, aeroporto e até um mineroduto. Tudo isso numa área de 17 milhões de metros quadrados começando na costa da praia da Ponta da Tulha indo até a Área de Preservação Ambiental da Lagoa Encantada.

Ao saber dos planos do secretário, o promotor Sérgio Mendes, coordenador geral do Núcleo Mata Atlântica do Ministério Público Baiano, ficou indignado. “Só se eles rasgarem a Constituição Federal. A Constituição exige estudos prévios de impacto ambiental e outras ações”, disse Mendes. Segundo o promotor, nenhum documento oficial sobre o projeto foi apresentado até agora.

Um dos problemas do projeto é que o Porto ocupa parte da APA da Lagoa Encantada, que tem 157 mil hectares, envolve 7 municípios e abrange a bacia do Rio Almado. A área foi criada em 1993 e expandida em 2005, e é considerada posto avançado da reserva da biosfera da Mata Atlântica pela UNESCO. A fauna e a flora são típicas do bioma e convivem com plantações de cacau e projetos sustentáveis de eco-turismo. “A área tem remanescentes de floresta atlântica em estágio avançado. No plano de manejo da APA são considerados áreas de proteção rigorosa”, explica o diretor do Instituto Floresta Viva, Rui Castro.

O gestor da APA, Frederico Costa Curta, diz que o estado de conservação da APA pode ser considerado bom e muito bom. “A cultura do cacau facilitou a preservação ambiental já que ela convive com a floresta. É diferente da soja e outras culturas. O cacau precisa de floresta prá fazer sombra do cacau”, explicou Curta.

A região da Ponta da Tulha vem recebendo diversos projetos de recuperação ambiental e corredores ambientais. Já o Plano Diretor do Município de Ilhéus determina a área seja usada em empreendimentos residenciais de baixa densidade ou turísticos, desde que associados à conservação das florestas, restingas, manguezais e brejos litorâneos. “Isso é um retrocesso, já que milhões de reais já foram aplicados para transformar a área, que tem grande potencial turístico e ecológico”, ressalta Mendes.

Segundo o promotor, quando os dados iniciais do projeto começaram a ser apresentados, no início do ano, a área já havia sido escolhida pelo governo estadual. O governo da Bahia informou que uma matriz com vários pontos foi elaborada para definir qual a melhor área para instalação do Porto Sul. Esta matriz, porém, não foi apresentada nem ao Ministério Público Estadual nem à comunidade de IIhéus. “A matriz tem vários componentes como meio ambiente, posição estratégica, profundidade do calado, ponto oceânico, situação logística em relação às obras previstas, área desapropriada, entre outros. A questão da localização está fechada. Por isso levamos mais de cinco meses discutindo com as secretarias de Planejamento, Indústria e Comércio e Meio Ambiente”, explicou o titular da secretaria da Infra-Estrutura.

Mineroduto e silos de soja

Segundo Neves o projeto do Porto Sul deve começar pelas obras do mineroduto e dos silos para armazenamento de soja vindos da região Centro-Oeste do País e oeste da Bahia. Para isso, segundo o secretário, o governo está preparando a licitação para contratação de uma empresa que fará o plano diretor do Porto, que deve estar pronto ainda em 2008.

Aliás, o mineroduto parece ser um dos motivos para tanta pressa. A Bahia Mineração, que irá construir o duto, tem contrato com empresas asiáticas para começar o fornecimento de 20 milhões de toneladas de minério de ferro em 2010. O Porto Sul seria a melhor alternativa e o próprio governo do Estado considera o projeto da Bahia Mineração como a âncora para o projeto.

O minério virá da jazida de Caetité, no sudoeste do Estado, e percorrerá cerca de 400 quilômetros até a chegada do Porto Sul em linha reta. A jazida tem pelo menos quatro bilhões de toneladas de minério. Segundo dados da Secretaria da Indústria, Comércio e Mineração, a Bahia Mineração irá investir cerca de 1,6 bilhões de dólares na mina, para garantir a extração de 25 milhões de toneladas de ferro por ano.

Estima-se que todo o projeto do Complexo Porto Sul envolva investimentos de R$ 4 bilhões e deve gerar entre 8 e 10 mil empregos. O Porto deverá contar com pelo menos cinco novas rodovias, anel rodoviário, aeroporto e será o ponto final da ferrovia da Integração Oeste/Leste (que fará a ligação dos estados de Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Distrito Federal com o litoral). Além do minério de ferro, o Porto Sul deverá escoar soja e biocombustíveis.

O porto irá operar na modalidade off shore, com um braço de 3 quilômetros para atracamento dos navios. O objetivo é permitir que os maiores navios do mundo, com calado de até 25 metros, possam utilizar a estrutura. Além dos impactos visuais na faixa litorânea, o fluxo intenso de navios poderá gerar problemas também para a rota das baleias jubarte no litoral baiano. Já a área do retroporto terá mais de 700 hectares.

MP promete recorrer

O Ministério Público da Bahia promete recorrer e garantir que questões ambientais sejam respeitadas. “Vamos ao Supremo se necessário”, disse Mendes, que tem 13 anos a frente do Núcleo da Mata Atlântica e foi um dos responsáveis pelos processos contra as obras de transposição do Rio São Francisco. “Esse modelo de desenvolvimento é atrasado. Temos prova no mundo todo de que não deu certo. É só olhar ao redor de um porto para ver o que acontece. Aqui não vai ser diferente”, enfatizou o promotor. Ele acrescenta que não há como garantir a preservação ambiental de uma região com um empreendimento deste porte. Neves, por sua vez, discorda: “se cumprirmos todas as recomendações ambientais feitas, o Porto terá impacto menor do que uma estrada”.

* Fabiane Madeira é repórter em Salvador.

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