Reportagens

Canivetes contra tanque de guerra 2p4454

Especialista em ambientes ultra profundos diz que investimentos de petrolíferas em conservação é insignificante, desenvolvimento sustentável é balela e nada impedirá exploração do pré-sal

Andreia Fanzeres ·
23 de setembro de 2009 · 16 anos atrás
Jules Soto. Foto: Sudio D.

Ele realiza levantamentos em ambientes ultra profundos sob influência das perfurações petrolíferas na costa brasileira. Presta serviços às maiores empresas em atuação no Brasil do setor. Mas não mede palavras ao dimensionar a tragédia ambiental que se avizinha decorrente da exploração de novas jazidas de petróleo descobertas numa faixa de cinco a sete quilômetros de profundidade, na camada pré-sal. Para Jules Soto, geógrafo da Universidade do Vale do Itajaí (SC), as pressões pela exploração são tão gigantescas que toda contestação sobre este assunto pode ser comparada aos arranhões de canivetes em um tanque de guerra.

Durante o VI Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), em Curitiba, Soto propôs um exercício de reflexão sobre a escala da exploração da natureza que a humanidade impõe ao planeta. “O petróleo que atualmente retiramos do fundo do mar foi formado entre dois e cinco milhões de anos atrás. Se você parar para pensar que depois de milhões de anos em decomposição uma árvore como a sequóia vira o equivalente a um galão pequeno, imaginem quantas florestas amazônicas tiveram que nascer e morrer para formar essa quantidade de petróleo?”, sugeriu o pesquisador. Segundo ele, há lugares no Brasil em que am pelas tubulações cerca de quatro mil litros de petróleo por segundo. “Cinco milhões de anos para os depósitos se formarem e 40 anos para serem consumidos”, provocou.

“Se você parar para pensar que depois de milhões de anos em decomposição uma árvore como a sequóia vira o equivalente a um galão pequeno, imaginem quantas florestas amazônicas tiveram que nascer e morrer para formar essa quantidade de petróleo?”

Para o pesquisador, falar em desenvolvimento sustentável nesse contexto não é nenhum pouco coerente, uma vez que a dependência mundial do petróleo continua alta e de uma maneira geral as pessoas não estão abrindo mão de seus confortos. “Dificilmente fontes alternativas de energia atingirão 4% das necessidades energéticas do mundo”, calcula.

Interessado em vantagens eleitoreiras, o governo brasileiro optou por jogar no lixo a imagem de bom moço que investe em energias renováveis através da produção de combustíveis obtidos através da agricultura. Isso, para Soto, foi um erro crasso. “Acham que o petróleo do pré-sal é um baú do tesouro que o Brasil achou enterrado e agora vai resolver todos os problemas de saúde, educação, violência. O pior é que o Brasil não enxerga isso como problema, mas como solução”.

O pesquisador estima que se a produção petrolífera brasileira dobrar da maneira como está sendo anunciado, nós podemos esperar que também haja poluição atmosférica em dobro, para começar. “Ninguém sabe exatamente, mas podemos inferir que teremos aí o dobro de plástico no planeta, de combustível, de gás carbônico, não vai ter como escapar”. Nem mesmo a hipótese levantada pelo especialista em economia ecológica Robert Constanza, da Universidade de Vermont (EUA), de que os recursos do pré-sal poderiam servir como moeda de negociação internacional para que o país receba para não poluir convence Soto.

“Tudo que a Petrobras investe em meio ambiente em um ano equivale a alguns minutos de produção de petróleo. Ganhar título de empresa verde ou símbolo de sustentabilidade beira a ofensa.”

“Isso é utopia porque o mundo também quer o nosso petróleo. Se não fosse assim aí poderíamos pensar numa alternativa. Não temos força para barrar isso porque o Brasil consome muito dinheiro comprando óleo diesel, por exemplo. Temos auto sustentabilidade em petróleo, mas não conseguimos processar tudo, e temos um déficit de óleo diesel enorme. Isso sem falar na nossa indústria, nosso transporte é rodoviário”.

Diante de perspectivas tão pessimistas, o único paliativo cogitado por Soto seria exigir que governos e petrolíferas investissem pesado em unidades de conservação, para, pelo menos amenizar esse choque. “Tudo que a Petrobras investe em meio ambiente em um ano equivale a alguns minutos de produção de petróleo. Ganhar título de empresa verde ou símbolo de sustentabilidade beira a ofensa a quem realmente trabalha com meio ambiente neste país”, diz Soto. “Por menor que seja essa parcela para o meio ambiente [do pré-sal] ela tem que ser brigada, discutida, o desafio é enorme”.

 

Leia cobertura completa do CBUC 2009 em http://www.oeco.com.br/cbuc-2009 ou no Twitter

 

 

  • Andreia Fanzeres r4q3h

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

Leia também 84q8

Análises
23 de maio de 2025

Que semana, hein? 3c4zy

Apesar das batalhas perdidas e dos ciclos que se fecham, a luta ambiental tem que seguir

Notícias
23 de maio de 2025

O Brasil e o mundo dão adeus a Sebastião Salgado, que viveu 81 anos de histórias e imagens 495p32

O fotógrafo dedicou grande parte da vida aos temas humanistas e ecológicos, incluindo a restauração de ambientes naturais

Análises
23 de maio de 2025

Pela transição energética Norte-Sul pactuada na COP30 5g4n1l

Uma tal prioridade técnico-econômica tanto levaria à substituição mais rápida das fontes energéticas predominantes, quanto ampliaria o leque das demais renováveis e superaria o ime Norte-Sul

Mais de ((o))eco 6q6w3q

CBUC 2009 4s3f39

Reportagens

Precisamos de um IPCC da biodiversidade m6q3e

Reportagens

Ouro verde yz6

Reportagens

Arranjo econômico com benefício ambiental 1p1y6x

Reportagens

Conservação recompensada 4y2f4q

petróleo 4241u

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Reportagens

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador s201v

Reportagens

Indígenas da Amazônia colombiana denunciam poluição por petróleo e ameaças de guerrilhas 4h5r5d

Reportagens

Petróleo gera royalties, mas não desenvolvimento na Amazônia peruana 405zk

Capa 5w1yx

Fotografia

A Catedral de Mármore 4f25l

Fotografia

Um monte entre as nuvens 623h3o

Fotografia

Uma praia sem mar 1v4hp

Fotografia

Preikestolen, o Púlpito de Pedra 2v645l

amazônia ia40

Notícias

Degradação da Amazônia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo período 1b2369

Reportagens

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador s201v

Reportagens

Ao menos 6 milhões de cabeças de gado no Pará estão irregulares entre indiretos 1kd5e

Notícias

Cientistas descobrem espécie de peixe que vive solitária na Amazônia 4c5z3c

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.