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Destruição que não escapa ao vídeo 2l502j

Análise de áreas de preservação permanente em Rondônia revela violações ao Código Florestal em 100% das observações. Videografia detalhou estudo.

Andreia Fanzeres ·
16 de março de 2010 · 15 anos atrás

As imagens da floresta amazônica rasgada no centro do estado de Rondônia por causa da abertura da BR-364, principal eixo rodoviário do estado – e posteriormente por toda a rede vicinal no modelo espinha de peixe – nunca foram novidade para quem observa imagens e mapas da região. A destruição de áreas de preservação permanentes (APPs) aconteceu a reboque. Mas uma recém doutora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) resolveu insistir nesse tipo de análise porque queria verificar o que está acontecendo hoje nessas áreas com uma técnica promissora, mas pouco utilizada: a videografia aerotransportada. Por este ângulo, percebeu que na região centro-norte do estado, simplesmente nenhuma APP estava conservada, conforme determina nossa legislação.

“A questão das APPs degradadas no Brasil é muito conhecida, mas cientificamente são poucos os trabalhos que vão fundo nesta questão”, explicou a autora da pesquisa, Giselle Trevisan. A legislação ambiental brasileira estabelece que até as margens de córregos pequenos, com um metro de largura, precisam estar protegidos com mata ciliar. E verificar esses cursos d’água tão estreitos é difícil até para os satélites de média a baixa resolução espacial. “Por isso optei pela videografia”, disse.

Destruição de APPs seja onde for

O que diz a lei em vigor
(fonte: Lei nº 7.803 de 18 de julho de 1989, que alterou o Código Florestal de 1965)
Largura dos cursos d’água Faixa de vegetação mínima (APP)
Menores que 10 metros 30 metros
10 a 50 metros

 

50 metros
50 a 200 metros

 

100 metros
Em todas as propriedades analisadas foram constatadas infrações ao Código Florestal. E em apenas 19,32% das APPs ainda existia alguma vegetação ciliar pelas imagens em vídeo, sendo 52% de florestas e 48% de capoeiras. No período de 1985 a 2008, analisado através de imagens de satélite TM Landsat, a pesquisadora observou que o desmatamento só aumentou ao longo do tempo. Nesses 23 anos, nada nem ninguém foi capaz de reduzir ou impedir a destruição das APPs. No caso de assentamentos criados entre 1970 e 1975, mesmo havendo ocorrido processo de regeneração das matas ciliares nas APPs, elas tornaram a ser derrubadas.

As frações desmatadas nas amostras de APPs permitiram concluir que em apenas 9% dos casos o desmatamento era de até 50%. Na grande maioria das APPs visualizadas, o desmate abrangia mais de 80% delas. O desrespeito ao Código Florestal, extremamente pressionado por ruralistas para que seja enfraquecido, é há muito conhecido e itido pelos órgãos públicos de meio ambiente. O governo de Rondônia estima que haja mais de um milhão de hectares de matas ripícolas (próximas a cursos d’água) a serem recuperadas no estado.

Resultados de um outro trabalho realizado na região central de Rondônia, em 2003, indicavam de antemão que não havia diferença nos desmatamentos entre as pequenas, médias e grandes propriedades rurais. Em relação à preservação das APPs, os padrões de destruição das margens dos rios eram praticamente os mesmos em grandes e pequenas áreas, fossem elas provenientes de assentamentos mais antigos ou criados mais recentemente, estivessem mais próximas ou mais distantes da BR-364 (onde os desmates geralmente são mais concentrados pela facilidade de o). Giselle ressalva, no entanto, que os resultados encontrados em sua pesquisa precisam de um refinamento maior em função do número de amostras disponíveis. “Pudemos analisar 47 propriedades pequenas e 11 grandes. A diferença no número de amostras pode causar viés nos resultados. Tentamos minimizar o problema usando estatísticas não-paramétricas, que independem da forma da distribuição amostral, mesmo assim é preciso cautela nesse tipo de conclusão”, diz a pesquisadora.

Vantagens da videografia

Definição (MP 2.166-67 de 24 de agosto de 2001):

Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos artigos 2° e 3° desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Imagens de um sobrevôo em 1999 na região centro-norte de Rondônia, utilizadas para o Projeto LC-07 do sub-projeto LBA-ECO, estavam disponíveis para análise de Giselle, que quis averiguar com certeza mais absoluta a situação de conservação ou recomposição de áreas desmatadas desde os anos 70. Adicionalmente, a pesquisadora utilizou imagens TM Landsat dos anos de 1985, 1990, 1995, 1999, 2003 e 2008 para observar a evolução dessa degradação ao longo dos anos. “O delineamento da drenagem foi realizado sobre os dados da videografia e após confirmar taxas de acerto satisfatórias entre o mapeamento da cobertura das APPs com as imagens TM e a videografia, foi possível avaliar as mudanças do desmatamento nas APPs nesses 23 anos com imagens do satélite Landsat”, considera.

Isso quer dizer que para um prognóstico, se alguma secretaria municipal de meio ambiente quiser avaliar o desmatamento em seu território usando apenas a videografia, o resultado será confiável e, o que é melhor, sairá muito rapidamente. Fazer um levantamento com videografia de uma área muito grande, como um estado inteiro, já a a ser menos viável do que uma avaliação mais localizada, segundo o interesses de prefeituras, por exemplo. “No nível municipal, você não vai conseguir uma boa resolução com imagem Landsat. Não vai ser possível saber, com precisão, se as propriedades estão cumprindo à risca a legislação”, diz.

Vídeos gravados com câmeras digitais a bordo de aeronaves que voam entre 350 e 400 metros de altitude – dependendo da qualidade do equipamento de filmagem, claro – podem conferir uma resolução espacial de até um metro, como utilizado no trabalho de Giselle. Havendo disponibilidade de registrar as imagens em canal infravermelho as possibilidades de análise do terreno melhoram ainda mais. Hoje, os principais sensores dos satélites que fazem a mensuração do desmatamento na Amazônia trabalham com uma resolução de 30 metros (caso do sistema PRODES, que determina os números oficiais de desmatamento) e 250 metros (caso do sistema DETER, usado para alertar equipes de fiscalização ambiental rapidamente em campo).

Segundo a pesquisadora, o levantamento videográfico é simples e é vantajoso por causa do baixo custo na obtenção das imagens, geralmente integradas a informações de posição geográfica. Podem ainda ser processadas e analisadas rapidamente por estarem disponíveis em tempo quase real, isso sem falar na grande quantidade de dados que, por ser de captura contínua, torna essa técnica mais interessante do que a aerofotografia. E há mais benefícios. “Se por acaso houver um deslocamento da aeronave, é possível eliminar alguns quadros do vídeo e manter outros, pois o vídeo é uma coleção de imagens sequenciadas. Você não perde informação”, diz.

 

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    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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