Reportagens

Peixe vivo vale dinheiro 14734

Em Pernambuco, uma ONG está formando jovens pescadores nos maiores protetores dos recifes de coral. De quebra tornam-se os guias turísticos do pedaço.

Celso Calheiros ·
29 de abril de 2010 · 15 anos atrás
A turma de multiplicadores: da pesca à conservação (foto: Irco)
A turma de multiplicadores: da pesca à conservação (foto: Irco)

Em terra, a questão é se pensar em fórmulas que possam manter as florestas em pé. No mar, uma ONG dedicada a proteção e estudo dos recifes usou a mesma lógica para o meio marinho. Colocou em prática uma ideia original que procura fazer com que pescadores artesanais ganhem dinheiro com o peixe vivo. Como subproduto, eles ainda se transformam em agentes multiplicadores de informações sobre a riqueza de vida no litoral brasileiro.

Os recifes são tão comuns na paisagem litorânea pernambucana que, nas praias urbanas, acabaram por se reduzirem a isso: a paisagem. A visualização de vida nos recifes é fácil, mas tão pouco cuidada que chega a ser maltratada – até mesmo por pescadores, que deveriam ser os primeiros a defender esses berçários que servem a tantas espécies de peixes com valor comercial.

Por causa dessa pouca atenção recebida por essa característica marcante do litoral nordestino que pesquisadores, professores e militantes em defesa do meio ambiente criaram o Instituto Recifes Costeiros (Ircos), que possui uma presença bastante atuante em Tamandaré, município pernambucano que fica no litoral sul, poucos quilômetros depois da badalada Praia de Porto de Galinhas.

Foi com o apoio técnico e científico do Ircos que o governo federal decretou a Área de Proteção Ambiental Marinha Costa dos Corais, a maior APA do país. Ela começa em Tamandaré e segue cerca de 180 km até a Praia de Paripueira, em Alagoas. São 413 mil hectares de uma APA que busca a proteção dos recifes. O Ircos foi além: dentro da APA, conseguiu a definição de uma área de 400 ha totalmente fechada, onde só os pesquisadores podem entrar para acompanhar do meio ambiente.

O futuro depende do cuidado que devemos ter com nosso litoral. A Zona Costeira Marinha ocupa aproximadamente 4,5 milhões de km2 – é uma das maiores faixas costeiras do mundo, com mais de 7.400 km entre a foz dos rios Oiapoque e Chuí. É a nossa Amazônia Azul, com espécies de fauna e flora somente encontradas aqui.

Aproximação

Com a prancheta, estudando os corais (foto: Irco)
Com a prancheta, estudando os corais (foto: Irco)

A ideia da capacitação dos jovens pescadores partiu da observação que os pesquisadores fizeram do entorno da base em Tamandaré, em instalações próximas ao Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros (Cepene) do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e da Marinha do Brasil.

Primeiro observaram o movimento dos barcos de e pesca, depois realizaram um cadastramento que buscava classificar quem só vive da pesca; quem pesca, mas possui outras fontes de renda (em especial nas altas estações); quem pesca por recreação.

O resultado evidenciou que o maior grupo era composto de jovens que têm na pesca uma de suas fontes de renda. São filhos de pescadores e de outros profissionais que vivem com um orçamento familiar enxuto. Esses jovens, quando entravam no mar também tinham, entre outras características, hábitos agressivos para os delicados corais, como uso de arpões e grandes paus para empurrar as embarcações. Com financiamento da ONG SOS Mata Atlântica, criaram um curso de Reef Check dos principais corais brasileiros. As aulas têm períodos teóricos e exemplos junto a colônias de corais in loco. Além de apresentar os corais pelos nomes, explicam o funcionamento desses animais de formas inesperadas, coloridos e delicados.

Os jovens que se inscreveram nas 23 vagas abertas no curso do Ircos corresponderam às expectativas. Todos tinham vivência prática e experiência em mar, mas nenhum deles tinha iniciado um curso em uma faculdade. A descoberta de que poderiam somar suas experiências de vida com conhecimentos científicos serviu como um estimulante forte.

Wilson José da Silva, 22 anos, ganhou seu diploma de Reef Chek no fim do mês ado, mas encarou o rito de agem como o primeiro degrau de uma escalada maior. Ele se prepara para o curso de biologia na Faculdade de Formação de Professores da Mata Sul, no município vizinho de Palmares, e depois planeja fazer vestibular para o curso de Oceonografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Quero ser como eles”, afirma o jovem, irador dos instrutores do Ircos.

Wilson, de camisa listrada: ganhou o diploma de Reef Chek (foto: Celso Calheiros)
Wilson, de camisa listrada: ganhou o diploma de Reef Chek (foto: Celso Calheiros)

Jonatas de Lima, 19 anos, é outro diplomado e faz questão de repetir ensinamentos reados nas aulas, como os cuidados para não mexer nos corais, não andar sobre os recifes, respeitar os períodos de desova e nunca pescar peixes que não estejam nos tamanho e peso corretos. “Eu quero me transformar num agente multiplicador”, repete.

A aproximação do Ircos com o SOS Mata Atlântica é fácil de entender a partir da informação de que os recifes de corais são importantes para o bioma terrestre, que mantém trocas e produz seu equilíbrio a partir delas, conta a professor Beatrice Padovani Ferreira, do departamento de Oceanografia da UFPE, uma das consultoras do Ircos.

Outro pronto de encontro entre o projeto do Ircos e o SOS Mata Atlântica está no interesse da ONG por projetos de cunho ambiental que levem em conta as comunidades inseridas naquele meio, em especial as populações economicamente mais vulneráveis. O diretor do Ircos Manoel Pedrosa conta que o financiamento só foi aprovado por prever uma atividade social sustentável e a contrapartida ecológica.

Além das aulas em salas e no mar, os alunos receberam catálogo totalmente plastificado (logo, pode ser levado ao mar), com fotos, nome popular e científico das principais espécies de corais, invertebrados, substratos e peixes que são encontrados nos pontos de atração.

Os jovens estão instruídos e com material em punho, esperam pelos interessados. O plano que deve começar com o fim do curso é a criação de uma cooperativa entre os formados. Eles dispõem de bote, jangada e catamarã com outros colegas da colônia de pescadores. Possuem máscara, canudo e nadadeiras e sabem onde estão os corais pelo tipo, pela riqueza da fauna e flora e pela qualidade da água. E sabem detalhes das trilhas a serem exploradas.

Mercado turístico

Um dos trabalhos no curso Reef Check foi a medição das trilhas que serviriam para se levar os visitantes. Eles não só conhecem as trilhas como sabem a distância entre uma parada e outra e o melhor roteiro a ser desenvolvido.

Tudo que o Ircos planejou foi criar em Tamandaré um núcleo instruído antes que o mercado turístico fizesse suas próprias regras – em geral depredadoras. Ao lado da Praia de Tamandaré está a Praia de Carneiros, que tende a ser o próximo endereço a ser explorado tanto pela indústria turística como pela imobiliária. Carneiros é hoje o que Porto de Galinhas foi antes do boom, que transformou um endereço de pescadores em CEP de resorts de luxo e empreendimentos hoteleiros cinco estrelas destinado a convenções. Carneiros e Tamandaré estão a menos de 30 minutos de Porto de Galinhas.

VEJA FOTOS DOS CORAIS OBSERVADOS NAS ÁGUAS DE PERNAMBUCO

Os mesmos recifes que se encontram em Tamandaré são atração em Porto de Galinhas. A diferença está na vida, que sumiu das pedras próximas ao mar da praia mais procurada de Pernambuco. O que aconteceu em Porto de Galinhas, também aconteceu na Praia de Boa Viagem, no Recife. As piscinas, as pedras, os recifes eram onde se encontravam invertebrados, algas, pequenos peixes coloridos e corais. Hoje, mal se encontra um ouriço.

O plano de manejo turístico para a visitação dos corais em Tamandaré obedecerá a normas que preveem um volume máximo de pessoas, normas de comportamento que impedem eio por cima dos recifes, peso sobre as pedras e a impossibilidade de se retirar “lembrancinhas” do mar entre outras regras.

Os corais brasileiros são encontrados apenas na nossa costa, atraem uma vida diversificada e rica que, mesmo delicada, contribui para um equilíbrio natural. Na ausência desse ponto ideal, os recifes costeiros também são os primeiros a indicar que as coisas não vão bem. Se o tempo é de mudanças climáticas, é hora de termos mais atenção para com os recifes.

Algo que chamou a atenção, em 1836, do cientista Charles Darwin, que ou pelo Nordeste em sua viagem no Beagle, e escreveu: “Duvido de que em todo o mundo haja outra estrutura natural que apresente aspecto tão artificial (…) vários quilômetros em absoluta linha reta paralela à costa e pouco distante desta (…) como um quebra-mar construído pela mão dos cíclopes”.

*Celso Calheiros é repórter em Recife

  • Celso Calheiros 4h5c4v

    É jornalista em Pernambuco

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