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A caixa preta da energia nuclear no Brasil 73671k

Especialista afirmam que governo brasileiro descumpre convenção internacional sobre energia nuclear pois não tem transparência na fiscalização de suas usinas atômicas.

Juliana Radler ·
28 de abril de 2011 · 14 anos atrás
Os obras da usina de Angra 3 estão a todo vapor, mesmo após o acidente de Fukushima (foto: divulgação Eletronuclear)
Os obras da usina de Angra 3 estão a todo vapor, mesmo após o acidente de Fukushima (foto: divulgação Eletronuclear)
Rio de Janeiro- No dia em que o mundo relembrou os 25 anos do acidente nuclear de Chernobyl (26 de abril), especialistas em energia nuclear, políticos e ambientalistas debateram e questionaram os rumos da política energética brasileira, que prevê a construção de quatro usinas nucleares até 2030, além de Angra 3, cujas obras estão em andamento. No total, estima-se que os investimentos no segmento cheguem a R$ 50 bilhões.

No evento “De Chernobyl a Fukushima, a energia nuclear não tem futuro”, realizado na UFRJ, a ex-candidata à presidência da República, Marina Silva, afirmou que o Brasil, diferente de países que itiram rever seus planos nucleares, como Alemanha, Suíça e Polônia, silenciou-se e minimizou os impactos da catástrofe japonesa.

“O único país que não teve uma atitude de humildade diante do que ocorreu no Japão foi o Brasil. O governo silenciou-se e teve uma atitude arrogante a ponto de algumas autoridades dizerem que houve um incidente no Japão e não um acidente. E por que essa postura? Porque temos alguns dogmas que não podem ser questionados aqui em relação à energia nuclear”, ressaltou Marina, acrescentando que “existe falta de transparência, não há o as informações e não temos conhecimento dos riscos que estamos correndo”.

Contaminação na Bahia?

Usinas de Angra 1 e 2 são gerenciadas com aura de sigilo pela Eletronuclear (foto: divulgação)
Usinas de Angra 1 e 2 são gerenciadas com aura de sigilo pela Eletronuclear (foto: divulgação)
Essa aura de sigilo que envolve o setor nuclear brasileiro foi apontada também pela relatora de direitos humanos e ambientais (Dhesca Brasil), a socióloga Marijane Lisboa. Ela acaba de retornar de uma missão à mina de urânio de Caetité, na Bahia, onde há denúncias de contaminação radioativa da água em poços localizados a 20 km da área da mineração. Nessa mina, em funcionamento há 10 anos, é extraído o urânio utilizado pelas usinas de Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro.

“Descobrimos que poços de água usados pela população local estavam contaminados por radiação. E quando não há contaminação, há escassez devido ao uso intensivo de água para as atividades da mina, que inviabiliza a atividade agrícola, principal fonte de renda da população local”, revela Marijane, autora do relatório sobre Caetité, que será concluído no fim de maio e entregue às autoridades públicas. Segundo ela, a situação na Bahia é “calamitosa” em relação ao o à informação. “A população ouve boatos, escuta explosões, mas nunca tem o a informação, pois as autoridades sempre afirmam que nada ocorreu”. (O relatório sobre Caetité poderá ser ado publicamente pelo site www.dhescbrasil.org.br)

Na região não há hospitais e nenhuma unidade especializada em oncologia. Existem relatos médicos de aumento de casos de câncer em jovens, principalmente de estômago e intestino, mas como nunca houve a preocupação com tais pesquisas, há dificuldade em comparar e comprovar historicamente os efeitos nocivos da atividade da mina de urânio na região. As pessoas que adoecem são tratadas fora e muitas vezes falecem sem comprovação da causa.

Essa falta de transparência que vem desde a extração do combustível nuclear, o urânio, origina-se no governo militar e permanece até os dias de hoje, como apontam os especialistas. Assim como em países não democráticos, como o Irã e o Paquistão, o mesmo órgão que opera e fomenta a energia nuclear é o responsável pela fiscalização das atividades do setor. Isto é, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, acumula funções de fiscalização e operação e é proprietária de 99,7% das Indústrias Nucleares do Brasil. Esse fato demonstra que o Estado brasileiro descumpre a Convenção Internacional de Segurança Nuclear, do qual é signatário, que exige a total separação entre as funções de regulação e operação das atividades nucleares.

“Essa incompatibilidade de atribuições já soma 35 anos. A primeira crítica a esse fato se deu na Sociedade Brasileira de Física em 1977 que já pedia um órgão fiscalizador independente, mas até hoje a situação permanece a mesma”, recorda Rogério Gomes, presidente da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear.

Plebiscito

Marina Silva diz que governo brasileiro mostrou arrogância ao não revisar seu programa nuclear após acidente no Japão. (foto: Marcus Prado)
Marina Silva diz que governo brasileiro mostrou arrogância ao não revisar seu programa nuclear após acidente no Japão. (foto: Marcus Prado)
Para aumentar a transparência e definir democraticamente os rumos da energia nuclear no Brasil, Marina Silva defende a realização de um plebiscito sobre o tema. “Sou favorável ao plebiscito porque acredito que ele promoverá o debate entre as diferentes posições. Assim a população brasileira poderá democraticamente decidir se quer ou não que os seus tributos sejam investidos em uma fonte de energia que é cara e insegura, ao invés de serem utilizados para outras prioridades, como as energias solar, eólica, biomassa e biocombustíveis. Vamos acreditar na nossa democracia e na maturidade do nosso povo”, conclui Marina.

Contraditoriamente, o Brasil, país com maior potencial mundial para geração de energia a partir de fontes renováveis, insiste em investir na geração nuclear, que vem sendo repensada mesmo por países mais dependentes dessa fonte, como a Alemanha. Após Fukushima, a primeira ministra alemã, Angela Merkel, que defendia a ampliação da utilização da energia nuclear, determinou o fechamento das sete usinas nucleares mais antigas e a moratória à lei de prolongamento da vida útil das usinas atuais. Ela declarou que a catástrofe do Japão tem “medidas apocalípticas” e cujas conseqüências são imprevisíveis.

“No Brasil nós temos recursos energéticos provenientes das energias de fluxo (do sol, da água e do vento) capaz de garantir o dobro do consumo per capita de energia do país. Hoje consumimos em média 2.500 kw/hora por ano per capita no país. Na Itália e na Espanha, por exemplo esse número chega a 5.000 kw/h. Se nós apropriássemos grande parte do potencial hidráulico e eólico, chegaríamos a algo como 8.000 kw/h per capita no Brasil”, informa Ildo Sauer, professor do Instituto de Eletrotécnica da USP e ex-diretor executivo da Petrobras.

Sauer, que é mestre em energia nuclear, defende inclusive a paralisação das obras de Angra 3, enfatizando que o montante ainda a ser investido na construção, equivale ao dobro do necessário caso os recursos fossem destinados a geração de energia a partir de outras fontes renováveis. “Sem falar que outras fontes não exigem o risco de operar um reator nuclear e não deixam a herança de mil toneladas de elementos combustíveis irradiados ao longo de sua vida, que é o previsto para Angra 3”, critica, acrescentando que em lugar nenhum do mundo o problema dos rejeitos radioativos foi solucionado.“A escolha brasileira pela energia nuclear não se explica por política energética, por política científica ou tecnológica. Talvez a única explicação possa ser dada pelo lobinho, pelo lobby e pelo lobão”, ironizou.

Nos próximos anos, mais reatores serão desativados do que construídos em todo o mundo, segundo Dawid Bertelt, diretor da Fundação Heinrich Boll (do Partido Verde alemão) no Brasil, que defende o fim do programa nuclear brasileiro. “Energia nuclear é a forma de energia mais política existente e a que interessa mais ao complexo industrial militar. Hoje é cada vez mais cara a construção de usinas nucleares e é praticamente impossível construir uma usina sem subsídios públicos. Mas, é totalmente possível substituir a energia nuclear por fontes mais seguras e baratas, sobretudo no Brasil”, afirmou Dawid.

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