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Pesquisadores tentam salvar o entufado-baiano 15t36

Apesar de pouquíssimos indivíduos da espécie, cientistas alimentam esperança de encontrar novas populações da ave em fragmentos da Mata Atlântica.

Vandré Fonseca ·
2 de junho de 2011 · 14 anos atrás
Mata onde o entufado-baiano é encontrado é cercada de área degradada por pastos.
Mata onde o entufado-baiano é encontrado é cercada de área degradada por pastos.
A esperança de salvar da extinção o entufado-baiano (Merulaxis stresemanni), um pássaro raro que vive na Mata Atlântica, continua viva graças ao empenho e determinação de um grupo de pesquisadores e ambientalistas. A única população conhecida desta espécie, reduzida a um número que pode variar de quatro a seis indivíduos, vive em um pequeno e ameaçado fragmento de floresta de 3 mil hectares, na divisa de Minas Gerais e Bahia. Além de preservar esta mata é preciso encontrar novas populações para garantir que a espécie não seja extinta.

Pesquisadores buscam novos indivíduos do arinho em uma infinidade de fragmentos florestais no norte de Minas e sul da Bahia. “Ainda atemos algumas esperanças de encontrá-lo em algum fragmentos remanescentes do médio Jequitinhonha. Mas é como buscar agulha num palheiro e com o palheiro pegando fogo”, destaca ornitólogo Rômulo Ribon, da Universidade Federal de Viçosa (MG).

A pequena população do pássaro foi registrada pela bióloga Sueli Souza Damasceno, da Universidade Federal de Ouro Preto, durante o curso de mestrado. Encontrar o entufado-baiano foi um grande desafio. Ela precisou se mudar para uma fazenda, onde não tinha sequer uma linha de telefone à disposição, dormir em barracas montadas em velhas casas de fazenda, percorrer trajetos à pé na lama e a cavalo. Isto sem contar as três vezes que topou com jararacas pelo caminho.

Esta grande aventura teve como recompensa um tesouro para quem busca um pássaro raro: ela conseguiu não só encontrar, mas até filmar uma fêmea do entufado-baiano. “Nesse dia, eu nem consegui dormir, de tão excitada que fiquei, queria contar para o Rômulo e amigos, mas nem telefone e net lá tinha. E a filmagem foi perfeita, consegui pegar a fêmea cantando”, comemora Sueli.

Fragmento é rico em biodiversidade: Cuitelão (Jacamaralcyon tridactyla), uma das aves ameaçadas encontradas na reserva.

O pássaro é do tamanho de um sabiá e recebe o nome devido ao tufo de penas que tem embaixo do bico. Ele é bem parecido com outro do mesmo gênero e que também vive na Mata Atlântica, o entufado (Merulaxis ater), encontrado desde o sul da Bahia até Santa Catarina. Ambos vivem na serrapilheira (camada formada pelas folhas secas no chão) de matas primárias e preferem voos curtos, quase saltos, a grandes alturas. No máximo, sobem em troncos a pouca distância do solo.

O M. stresemanni foi descrito em 1960, a partir de espécimes de museu, mas só em 1995 foi encontrado na natureza, na Reserva Biológica de Una, Sul da Bahia. Apesar de muitas tentativas de reencontrá-lo, só foi registrado novamente quase dez anos depois, em 2004, e por acaso, durante o projeto “Biodiversidade e Conservação nos Vales dos Rios Jequitinhonha e Mucuri”, apoiado pelo Probio no fragmento que fica dividido em terras de três municípios: Bandeira e Jordânia, em Minas Gerais, e Macarani, na Bahia. Foi nesta área que Sueli concentrou suas pesquisas.

Mata dos arinhos

Sob a copa destas árvores, na serrapinheira da floresta, vivem os únicos enfufados-baianos que se tem notícia.
Sob a copa destas árvores, na serrapinheira da floresta, vivem os únicos enfufados-baianos que se tem notícia.
Durante um levantamento, feito em menos de 10 dias, neste fragmento foram encontrados 31 espécies de anfíbios, entre elas uma nova perereca e duas espécies indicadoras de excelente estado de conservação (Rampirnaseproboscidea e Hyalinobatrachium sp.). Além disso, foram registradas 262 aves, entre elas 16 que constam na lista da IUCN, 11 na lista nacional do Ibama e 18 que podem desaparecer no estado de Minas Gerais. E também 228 espécies de plantas.

Depois de todas estas descobertas, parte deste fragmento, a fazenda Sossego do Arrebol 1, com 392 hectares, foi comprada em 2007, com doações da American Bird Conservancy (ABC), para ser transformada pela Fundação Biodiversitas na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) da Mata do arinho, que só aguarda a averbação do Instituto Chico Mendes para ser oficializada. Algum tempo depois, foi comprada outra fazenda contígua. Infelizmente a reserva, formada pelas duas fazendas, só protege 600 hectares do fragmento, um rico pedaço da Mata Atlântica que abriga 22 espécies ameaçadas. O fragmento foi destacado pela Alliance for Zero Extinctions (AZE) com um dos pontos biodiversos mais ameaçados do planeta.

O gerente da reserva, Alexandre Enout, lembra que quando chegou à reserva, em 2009, encontrou “áreas de pasto recém-abandonadas, uma mata com impressionante qualidade ambiental, mas com sinais de exploração (madeira) e nenhuma infraestrutura”. Desde então, a pressão sobre a mata diminuiu bastante, mas ainda há ações predatórias de caçadores e madeireiros no entorno da reserva. “O fogo também é um sério problema todos os anos”, conta o biólogo.

“Continuam havendo queimadas, pequeno desmates pelas bordas e retirada de toras”, descreve Ribon. “As árvores são cortadas uma a uma, transformadas em pranchões com motosserra dentro da própria mata e arrastadas com juntas de búfalos até a borda da mata, na estradinha mais próxima, onde, após o acúmulo de certo volume são carregadas por caminhão e vendidas ou usadas nas propriedades”, completa.

Uma proposta que já foi apresentada para proteger a área seria a transformar o fragmento em uma uma Unidade de Conservação. Enout acredita que a ideia não encontrará resistência dos proprietários de terras do entorno, porque o que sobrou de mata está em áreas altas e iníveis. “Acho que eles veem nisto uma oportunidade para vender a mata, e creio que não haverá resistência”, afirma o gerente da Reserva.

Para que a reserva seja sustentável financeiramente, o plano é desenvolver um plano de turismo. A expectativa é que pelo menos 100 turistas estrangeiros visitem a reserva por ano, quando toda a infraestrutura necessária estiver pronta. “O interesse é principalmente no turismo de observação de aves (birdwatchers), pois lá encontram-se muitas espécies ameaçadas e raras da Mata Atlântica em um só lugar . E o entufado-baiano só existe lá”, esclarece.  Enquanto isso, está sendo produzido um Guia das Aves da Reserva Mata do arinho.

Salvar o fragmento não basta

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Mas proteger o fragmento ainda não é suficiente para salvar o entufado-baiano, devido ao reduzido número de pássaros da espécia que vivem lá. É preciso proteger outros remanescentes da floresta vizinhos e encontrar novas populações da ave. Para Ribon, tentar reproduzi-lo em cativeiro não é uma alternativa viável. Pode ser muito arriscado, até porque nunca se tentou nada parecido com nenhuma espécie da mesma família de aves. “E a população é tão pequena que ficamos muito temerosos de tirar os bichos da mata e, algum acidente, doença etc. levar à sua perda”, teme Ribon. De acordo com o biólogo, no caso de populações pequenas como é o caso do Merulaxis Stresemanni, muitos fatores podem levar à perda da espécie. “Incluindo fatores completamente aleatórios como doenças ou fogo”, adiciona.

As chances do pássaro ser salvo existem, mas a perspectiva é pouco animadora. Ribon afirma ter consultado ornitólogos que juntos já visitaram cerca de 200 fragmentos no sul da Bahia e ninguém viu o bicho. E mesmo assim, para o biólogo, ainda há esperanças. Existem centenas, talvez milhares, de fragmentos de mata primária em fundos de vales nos municípios mineiros de Jordânia e Jequitinhonha, onde existe a possibilidade do pássaro ser encontrado.

Os pesquisadores pretendem retornar às áreas já visitadas por Sueli Damasceno e estender a busca a outras áreas, como a Rebio de Una, onde o bicho foi registrado em 1994. A procura vai incluir também grandes blocos florestais ao sul de Salvador e no Jequitinhonha, pelo menos da cidade de Jequitinhonha para o leste. “Existem ainda centenas ou milhares de fragmentos de floresta primária nos fundos dos vales entre Jordânia e Jequitinhonha que
devem ser vasculhados”, destaca Rômulo Ribon.

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  • Vandré Fonseca vd27

    Jornalista especializado em Ciências e Meio Ambiente.

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