“Agora faz mais calor, antes o sol não esquentava muito”, diz Rister Guevara, caçador que mora em El Chino, comunidade localizada no meio da floresta não tão impactada, quatro horas em lancha de Iquitos, cidade mais importante da Amazônia peruana. Ele sabe que pode caçar até cinco pacas (Agouti paca) a cada dois meses. Nem mais, nem menos do que isso. O mesmo procedimento é adotado para a pesca. O que levou esses habitantes do trópico amazônico a racionalizar suas atividades de subsistência? As mudanças climáticas e suas consequências sobre a rica biodiversidade de El Chino, que se encontra na chamada ‘zona de amortecimento’ da Área de Conservação Regional comunitária Tamshiyacu Tahuayo, criada em 2009 pelo Ministério do Ambiente do Peru. Com 420.080,25 hectares, abriga 530 espécies de aves, 65 de répteis e pelo menos 2500 de plantas.
De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o Programa de Conservação, Gestão e Uso Sustentável da Diversidade Biológica de Loreto (PROCREL) afirma que a temperatura média local é de 26 °C. A partir de 1997, o termômetro começou a subir. Entre 2006 e 2010, a temperatura era de 25.5 °C. Entre 2009 e 2011, subiu para 27.1 °C. De acordo com Giussepe Gagliardi, biólogo do Centro Peruano para la Biodiversidad y Conservación, que trabalha na região, esta variação provocou “eventos extremos”, como chuvas torrenciais em épocas de estiagem. Além disso, segundo o pesquisador Richard Bodmer, da Universidade de Kent (Reino Unido), em 2009 a população de botos cor de rosa diminuiu. Ele também afirmou que em Tamshiyacu a população de jacaré caiu 60% em 2011 comparado a 2010. De acordo com ele, isso pode estar relacionado com as mudanças climáticas.
Diante desta percepção, comunidades e organizações como Wildlife Conservation Society (WCS) e Rainforest Conservation Found, aram a se articular com foco na conservação da biodiversidade. O primeiro o foi fortalecer ribeirinhos e estabelecer mecanismos de fiscalização e multas para o manejo dos recursos de flora e fauna. Atividades de manejo florestal também entraram na agenda e a extração de buriti, camu-camu, ingá, tucumã, ou a ser controlada. Iniciou-se, também, um processo de valorização do artesanato local. Produtos feitos de fibras começaram a ser exportados. De acordo com Gagliardi, o manejo de recursos naturais faz com que estas pessoas estejam “mais preparadas para enfrentar eventos extremos”.
Apoio internacional
A UICN e a Sociedade Peruana de Direito Ambiental (SPDA), com o apoio da cooperação espanhola, financiam iniciativas que buscam resgatar conhecimentos e práticas ancestrais de adaptação às mudanças climáticas na Bolívia, Equador, Peru e Colômbia. Manuel Ruiz, da SPDA, afirma que os bons resultados de práticas de manejo devem “influenciar políticas públicas”. Em El Chino esta reinvenção funcionou, mas o processo de readaptação não foi fácil. Em relação à caça, por exemplo, o acordo é de caçar apenas animais machos, o que nem sempre dá certo. De qualquer forma, o saldo é positivo.
Adultos mudando de hábitos influenciam crianças. Jorge Soplín, morador de El Chino, diz que tem ensinado estas técnicas a seus filhos. “Quero que eles aprendam e tomem por si mesmos esta iniciativa no futuro”. Pode parecer uma conclusão simples, mas Soplín está na frente de seu tempo e de quem ainda não percebeu que é preciso se adaptar às novas condições de vida que têm sido impostas à floresta e seus moradores. Nesta região da Amazônia, onde as mudanças climáticas já estão chegando, “adaptação” significa “conservar imediatamente” para garantir às gerações vindouras o mínimo de qualidade de vida no futuro.
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