Reportagens

Soldadinho do Araripe se transforma em ícone regional 6r2n4o

Criticamente ameaçada, a espécie ganhou um programa de conservação, se tornou um símbolo do semiárido e está chamando atenção no exterior.

Celso Calheiros ·
9 de janeiro de 2013 · 12 anos atrás
Descoberto recentemente, fácil de se observar, o soldadinho-do-araripe corre risco de extinção, mas tem uma legião de iradores. Crédito: Ciro Albano
Descoberto recentemente, fácil de se observar, o soldadinho-do-araripe corre risco de extinção, mas tem uma legião de iradores. Crédito: Ciro Albano

O soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni) vive uma situação paradoxal. É ave classificada como criticamente ameaçada pela lista vermelha da IUCN, seu habitat é cercado de pressões por todos os lados e sua população total é de 800 indivíduos, dentre os quais existem apenas 177 casais adultos. Entretanto, tornou-se um ícone. As imagens do soldadinho-do-araripe estão em todos os municípios do Cariri cearense. Sua imagem está na porta de todos os táxis do Crato; é a ave símbolo em Barbalha, personagem nas aulas de educação ambiental das escolas públicas; e está em biografias familiares, em mosaicos domésticos e até em propaganda de vereador. iração sozinha não salvará o soldadinho. Felizmente, ele agora conta com um protetor aplicado.

Existem apenas 177 casais em idade adulta, que geram ninhadas com dois ou, no máximo, três ovos por acasalamento. Crédito: Ciro Albano
Existem apenas 177 casais em idade adulta, que geram ninhadas com dois ou, no máximo, três ovos por acasalamento. Crédito: Ciro Albano

O sucesso do pássaro ultraou a região onde vive. Chega a lugares distantes. O indiano A.J. Mithra usou o canto do arinho, distorcido, para fazer um rap. Sir David Attenborough, uma das vozes mais influentes do Reino Unido no campo da conservação, diz ser padrinho do soldadinho-do-araripe. A cantora mineira Fernanda Takay, da banda Pato Fu, já vestiu a camisa do arinho. Turistas estrangeiros que fazem excursões para avistar nossas aves consideram o soldadinho-do-araripe uma das atrações principais.

A área onde o soldadinho-do-araripe sobrevive é cada vez mais pressionada pela expansão urbana e agrícola e pelos incêndios na mata – cada vez mais frequentes em época de estiagem como a que enfrenta o sertão nordestino enfrenta desde 2010. Esses fatores põe em perigo a sobrevivência da espécie, que vive somente em uma pequena área: nas nascentes da Chapada do Araripe, um oásis no centro do semiárido brasileiro.

O ornitólogo Weber Girão trabalha em cinco frentes no Projeto Soldadinho-do-araripe para mudar as perspectivas da espécie. Crédito: Celso Calheiros
O ornitólogo Weber Girão trabalha em cinco frentes no Projeto Soldadinho-do-araripe para mudar as perspectivas da espécie. Crédito: Celso Calheiros

Missão de vida

O ornitólogo Weber Girão transformou em projeto pessoal e profissional reverter o quadro de risco à sobrevivência do soldadinho-do-araripe. Desde 1996, quando participou da identificação da espécie, junto com o professor Galileu Coelho, Weber lembra da emoção que sentiu. “Decidi que iria fazer tudo para que aquele arinho pudesse continuar a cantar e ser visto, na natureza”.

A primeira publicação descrevendo o soldadinho-do-araripe ocorreu em 1998 e em 2000 ele foi incluído na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN da sigla de International Union for Conservation of Nature). Em 2003, entrou para a lista vermelha do ICMBio, ), com o título de tangara mais ameaçado de extinção do planeta. Seu nome científico, Antilophia bokermanni, é uma homenagem ao ornitólogo Wener Bokermann, pesquisador que incentivou a observação e o estudo das aves cearenses. O nome popular soldadinho-do-araripe foi dado por Weber pela familiaridade da espécie com outro arinho, o soldadinho – que possui coloração mais discreta.

Por seu empenho na defesa da causa do soldadinho-do-araripe, Weber foi escolhido pelo programa E-Cons, como empreendedor da conservação para a Caatinga. “Ele foi selecionado em virtude da sua dedicação, sua postura ética e sua visão estratégica. É raro encontrar alguém com esse nível de comprometimento”, diz Angela Kuczach, da Sociedade Protetora da Vida Selvagem (SPVS). A entidade é parceira do Banco HSBC, financiador do programa E-Cons, que procurou 6 protetores da natureza, um em cada bioma brasileiro, para receber durante 3 anos e financeiro e treinamento na gerência dos seus respectivos programas de conservação.

O projeto

Weber Girão integra a ONG Associação de Pesquisas e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis). A partir dela, montou o Programa Soldadinho-do-Araripe e, para melhor istrá-lo, mudou-se de mala e cantil para o Crato, deixando Fortaleza, onde morava, e que fica a 570 quilômetros de distância.

Seu plano de manejo tem 5 grandes linhas: restauração da mata, educação ambiental, pesquisa, monitoria e políticas públicas.

O primeiro grande obstáculo está na preservação do habitat do soldadinho-do-Araripe, generoso em nascentes de água, coisa rara em uma região semiárida. Água no sertão é motivo de disputas e, sem exageros, causa de assassinatos. A bióloga Karina Vieiralves Linhares, parceira de Weber no projeto, já foi ameaçada de morte por se aproximar sem aviso prévio de uma nascente onde os locais lavavam roupas. Confundiram a pesquisadora com uma fiscal governamental, que poderia proibir o uso da água pelas lavadeiras.

Uma das estratégias de conservação de Weber é aplicar o princípio da espécie guarda-chuva. “Se conseguirmos ordenar o uso da água de modo a levar em consideração as necessidades do soldadinho-do-araripe, também garantiremos o uso para todos que precisam das nascentes”, diz. As 128 nascentes da região têm os mais diversos usos possíveis: algumas são encanadas diretamente para o abastecimento das cidades, há nascentes em área privadas, cercadas e até dentro de um balneário municipal. Weber já visitou quase todas e contabilizou cada um dos ninhos ativos do soldadinho-do-araripe.

As nascentes são o habitat do soldadinho-do-araripe e também fonte de água encanada para as cidades da região metropolitana. Crédito: Celso Calheiros

Além de buscar políticas públicas que protejam as nascentes, há ações voltadas para a educação ambiental e, neste quesito, avançou-se. Weber compartilha as instalações do Instituto Cultural do Cariri, um prédio localizado próximo às várias faculdades e escolas do Crato. O instituto possui salas para apresentar o soldadinho-do-araripe para os jovens, correlacionando a existência do pássaro às amostras de água de cada nascente: são 128 tubos de ensaio com água de cada local da chapada. “Isso cria uma relação, pois perguntamos onde cada pássaro nasceu e mostramos a água da região de onde ele veio”, explica Weber.

Em outro espaço, exibe gaiolas, armadilhas e badoques (também conhecidos como baleadeiras ou estilingues, a depender da região do país) entregues pelas crianças e adolescentes que se conscientizaram da necessidade de proteger as pequenas aves.

Em outra frente, criou uma estratégia para estimular a observação de arinhos (não apenas do soldadinho-do-araripe). Colocou reproduções de madeira, em modelos que obedecem a proporção e a coloração das aves, no alto de árvores na praça no centro da cidade. Weber convida grupos de estudantes, leva os binóculos e lança o desafio: Quero ver quem descobre onde os arinhos estão nas árvores. “A emoção dos meninos quando encontram os bonequinhos de madeira é incrível”, conta Weber.

Projeto instalou arinhos de madeira para estimular crianças no praze da observação de pássaros: educação ambiental e lúdica. Crédito: Celso Calheiros
Projeto instalou arinhos de madeira para estimular crianças no praze da observação de pássaros: educação ambiental e lúdica. Crédito: Celso Calheiros
Criança avista arinho em aula de educacao ambiental. Crédito: Weber Girão
Criança avista arinho em aula de educacao ambiental. Crédito: Weber Girão

Weber Girão e Karina Vieiralves Linhares também elaboraram o Plano de Ação Nacional para Conservação do Soldadinho-do-Araripe do ICMBio. O plano da ave ameaçada se tornou, também, o plano da Floresta Nacional do Araripe, que, mesmo sendo a primeira floresta nacional criada no país, em 1942, não tinha plano de manejo adequado.

O status e a estrutura desta floresta nacional são vantagens na defesa da ave. Ela possui 3 torres de observação para os 39,2 mil hectares de Mata Atlântica da unidade, especialmente úteis para dar o alarme contra incêndios. Os focos de fogo, que com frequência surgem naturalmente, são um dos adversários à vida dos soldadinhos-do-araripe.

Região

A Chapada do Araripe é uma grande formação geológica com 972 mil hectares distribuídos nas divisas dos estados de Pernambuco, Ceará e Piaui. Praticamente todas as nascentes estão na região do Cariri, formada pelos municípios do Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. A chapada é um planalto com cerradão no alto, mata úmida nas encostas e Caatinga por toda a planície. O uso da água das 128 nascentes é disputado pelas companhias de água que servem as cidades próximas e pela expansão da agricultura.

A região metropolitana do Cariri fica na parte cearense da chapada que, dentro do contexto local, é economicamente desenvolvida. O Cariri é composto por 11 municípios, dos quais o Crato é o mais tradicional, Juazeiro do Norte, por seu comércio, o mais ativo economicamente, e Barbalha, terceiro maior, que se destaca por sua infraestrutura e escolas na área de saúde.

As nascentes da chapada influenciam o crescimento urbano da região. Em Barbalhas, o Clube Caldas é um exemplo. Ele possui uma nascente onde, diz a lenda, ocorreram milagres atribuídos ao padre Ibiapina. O local se transformou em um clube municipal e recebe cerca de 30 mil pessoas por mês. Na sua mata, relativamente protegida de crianças correndo e banhistas se refrescando, há dois ninhos do soldadinho-do-araripe. Weber negocia com João Bosco Cavalcanti, o gestor do Caldas, mudanças no uso do espaço para proteger os ninhos.

Clube Caldas é localizado em nascentes da Chapada do Araripe e frequentado por cerca de 30 mil pessoas por mês. Crédito: Celso Calheiros
Clube Caldas é localizado em nascentes da Chapada do Araripe e frequentado por cerca de 30 mil pessoas por mês. Crédito: Celso Calheiros

Weber Girão e Karina Vieiralves Linhares coordenam as pesquisas, estudos e projetos em torno do Projeto Soldadinho-do-araripe. Um dos trabalhos que desenvolvem poderá demonstrara que o pássaro está entre os animais capazes de dar sinais que informam sobre a proximidade das chuvas e o fim da seca. Karina dedica-se ao conhecimento das floras preferidas pelo arinho e as mais adequadas para recomposição das nascentes.

Outra pesquisa procura explicar a razão para a plumagem do soldadinho e o soldadinho-do-araripe serem tão diferentes, e o porquê a plumagem do segundo ser tão mais exuberante.

Entender as formas de acasalamento também é objetivo dos ornitólogos. Para isso, eles gravam em vídeo o ritual de acasalamento do soldadinho-do-araripe, que possui características singulares.

Soldadinho famoso

De acordo com pesquisa do site brasileiro WikiAves, hoje um dos 3 sites mais visitados do mundo na especialidade de observação de aves, o soldadinho-do-araripe é considerado pelos participantes da atividade como a ave que eles mais desejam avistar na natureza.

Quem tem uma relação especial com a espécie é Ciro Albano, fotógrafo premiado e guia de grupos de avistamento. Sua principal atividade é guiar estrangeiros interessados em observar aves brasileiras. “O soldadinho-do-araripe é sempre um dos mais procurados: é lindo, em extinção, fácil de ser avistado e habita uma área restrita”, diz Ciro Albano, que foi um dos primeiros a fotografar o pequeno herói dessa reportagem.

  • Celso Calheiros 4h5c4v

    É jornalista em Pernambuco

Leia também 84q8

Podcast
26 de maio de 2025

Entrando no Clima #47 – COPs precisam abrir espaço para falar de justiça climática 5t102s

Thaynah Gutierrez, consultora em adaptação climática e transição justa, explica como tais conceitos são tratados nas convenções. Falamos também de petróleo e licenciamento

Notícias
26 de maio de 2025

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Nova avaliação do ICMBio indica que país tem mais de um quarto dos primatas sob algum grau de ameaça. Três espécies estão sob risco crítico de desaparecer

Notícias
26 de maio de 2025

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2o3q1t

Fontes jurídicas esperam que a decisão reitere o reforço na proteção do bioma promovido pela nova legislação do Mato Grosso do Sul

Mais de ((o))eco 6q6w3q

conservação 4y3hz

Notícias

Legalidade de megadesmates no Pantanal avança para julgamento no STJ 2o3q1t

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 1a2m6g

Análises

Que semana, hein? 3c4zy

Análises

A importância da rede de colaboração em prol da conservação dos manguezais no litoral norte do Paraná 11p46

observação de aves k306n

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 4o4w5q

Salada Verde

Aos 94 anos, morre Dalgas Frisch, “senhor das aves” do Brasil 1f1v6r

Notícias

Grupo da Unesp investiga como cidadãos percebem a biodiversidade urbana 4n6j2w

Reportagens

Observação de aves: encantamento, conservação e a história por trás do Avistar 4m3k1z

frases 423t2w

Notícias

Frases do Meio Ambiente – Joaquin Phoenix, ator 256sk

Notícias

Frases do Meio Ambiente – Marina Silva, política (06/11/2020) 6n4s66

Notícias

11 Frases do Meio Ambiente sobre Animais 282r21

Notícias

Frases do Meio Ambiente – David Attenborough, naturalista (01/10/2020) 5y5r3y

fauna 1xr1c

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 4o4w5q

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Salada Verde

Ação prende casal que capturou macaco-prego no Parque Nacional da Tijuca 6j353g

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.